O que é a beleza senão um substantivo feminino que expressa a qualidade do que é belo ou agradável? Ou a característica daquilo que apresenta harmonia de proporções e perfeição de formas, segundo o dicionário Michaelis? Ou, ainda, o que é agradável aos sentidos, como está no dicionário Aurélio? Para o pecuarista Manoel Campinha Garcia Cid, que completou 80 anos no dia 1º de maio, essas definições têm de ser aprimoradas quando a referência é a beleza de um bovino. “A beleza da qual falamos é a zootécnica”, afirmou Garcia Cid, no dia 4 de maio, enquanto caminhava pela pista de avaliações do parque de exposições Fernando Costa, em Uberaba (MG). “Para a produção animal, beleza não é algo sem sentido ou significado.” Na ocasião, os juízes que avaliaram cerca de 1,7 mil animais escolheram os grandes campeões da 85ª Exposição Internacional das Raças Zebuínas (Expozebu), evento que também marcou os 100 anos de existência da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).

No comando: Para o presidente da ABCZ, Arnaldo Manuel Machado Borges, a Expozebu mostra ao Brasil a força das raças zebuínas (Crédito:ALYSSON OLIVEIRA)

Foram 10 dias de intenso trabalho, entre 26 de abril, quando todos os animais já estavam pesados e com informações checadas, até o dia 5 de maio, quando os peões e motoristas de caminhões boiadeiros iniciaram os preparativos de volta às fazendas de origem. Garcia Cid sabe muito bem da complexidade do manejo desses animais. Em 1962, ele era um dos passageiros do navio Cora e encarregado de alimentar 105 bovinos trazidos da Índia. Foram 55 dias por mar, até a ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, onde o gado zebuíno permaneceu em quarentena, naquela que foi conhecida como a última importação brasileira dessa raça. “A importação mudou a pecuária brasileira”, diz Garcia Cid. “Até aquele momento, o padrão do gado era o abate entre 5 e 7 anos, com 14 arrobas de peso.” Hoje, no sistema tradicional de produção pecuária, são necessários três anos para abater um boi com 18 arrobas – na intensificação esse tempo pode ser mais curto.

Pista cheia: Os leilões, assim como os julgamentos, são uma tradição na Expozebu. Levar à mostra qualidade superior é regra para criadores
e expositores (Crédito:fotO: ALYSSON OLIVEIRA)

A Expozebu é exatamente o retrato dessa mudança. No total, participaram da maior exposição de gado zebuíno do mundo 4 mil animais das raças nelore, brahman, guzerá, tabapuã, gir, sindi e indubrasil para julgamentos. Estão nessa conta as 59 fêmeas do concurso leiteiro, além do gado vendido nos leilões, que renderam quase R$ 50 milhões. Além disso, houve os animais ofertados em shoppings realizados em propriedades no entorno de Uberaba, além de equinos e muares. Na pista de julgamento, também estavam 120 girolando, a única raça cruzada e, portanto, não 100% de sangue zebuíno avaliada na mostra. “A atração maior são as raças zebuínas. Agora, a girolando está conosco”, diz Arnaldo Manuel Machado Borges, presidente da ABCZ. “Tudo isso mostra a força do zebu como raça pura e nos seus cruzamentos, seja para a produção de carne ou para a de leite.”

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O futuro das raças é um grande desafio para os selecionadores de gado que participam da Expozebu. O trabalho é baseado num tripé. O primeiro ponto é a expansão dos programas de melhoramento genético. O segundo é a consolidação das análises genômicas integradas a esses programas. E, em terceiro lugar, está o desafio de harmonizar conceitos de gado avaliado nas pistas das exposições com o que é criado no pasto e que vai para a mesa do consumidor. No caso do programa de seleção, embora já seja grande na comparação com outras raças, ainda é pouco para as necessidades evolutivas de um rebanho brasileiro de 214 milhões de bovinos. Mas os criadores não param. Em 1993, a ABCZ criou as atuais bases do Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ), onde estão 12,5 milhões de animais avaliados. Hoje, 3,6 mil criatórios adicionam a essa conta cerca de 250 mil bezerros todos os anos.

Em 2013, começaram as coletas de amostras para o Banco de DNA da ABCZ, hoje com cerca de 100 mil animais. As exposições, que começaram com o nascimento da entidade, levam milhares de bovinos a eventos em todo o País. Não há dados sobre o total de feiras nas quais acontecem avaliações. Mas, apenas de nelore, foram 50 eventos no último ranking, onde houve 6,5 mil julgamentos, de acordo com a Associação de Criadores de Nelore do Brasil, entidade que organiza as avaliações da raça. “No ano passado, na Expozebu, comemoramos 80 anos do registro genealógico. Na ExpoGenética, realizada em agosto, celebramos 50 anos das avaliações que resultaram no PMGZ”, diz Borges. “Agora, com o projeto genômica, vamos passar a barreira dos 100 mil animais genotipados. Tudo converge. Tudo é para levar a qualidade que se vê na pista da Expozebu para o rebanho brasileiro”.

O agrônomo João Aguiar Alvarez, da fazenda Valônia, em Lins (SP), saiu satisfeito da pista de Uberaba. Ele seleciona nelore há mais de duas décadas, participa do PMGZ, possui 1,6 mil bovinos no programa de melhoramento e viu a fêmea Iris FIV-8, da Valônia, ganhar o título de grande campeã nelore aos 28 meses de idade, o prêmio máximo para um animal. Comemorou, mesmo Iris não fazendo mais parte de seu rebanho. Com 1 ano, ela foi vendida para o criador Aguinaldo Gomes Ramos, da fazenda Santo Antônio, em Iaciara (GO), que a levou à Expozebu

DISPUTA POR TÍTULOS Além de Iris, havia mais 15 nelore de Alvarez disputando títulos com animais de outros 86 criadores. No total, 415 nelore levados a julgamento foram apresentados por 75 expositores. “A Expozebu é a exposição mais forte do Brasil. É muito difícil ganhar um campeonato”, afirma Alvarez. “Nessa mostra dificilmente alguém ganha um grande campeonato dois anos seguidos”, destaca o pecuarista.

Para ele, uma das tarefas da seleção é jamais se esquecer do padrão racial, buscando aqueles indivíduos de melhor ossatura, arqueamento de costela, comprimento de carcaça, fertilidade, habilidade materna e precocidade. Alvarez realiza quatro leilões por ano, nos quais vende 200 touros, além de fêmeas. “Um comprador que necessita de genética precisa ver touros bem posicionados nos sumários da raça, com avaliações de desempenho, mas não pode deixar para trás o padrão racial”, diz. “Um animal racialmente pobre vai transmitir isso para os descendentes.”

Cláudia Tosta Junqueira, da marca CTJ, dona da fazenda Barro Preto, em Guará (SP), faz parte da quarta geração de uma família de pecuaristas. Ela já atua no segmento de seleção de nelore há 25 anos. “Eu moro na fazenda desde os meus 10 anos. Aos 15, já ia com o meu avô em frigorífico para ver abate de bois”, declara ela. Hoje, Cláudia dirige todos os negócios da família, o que inclui fazendas de gado comercial e agricultura em Camapuã e Bataguassu, municípios de Mato Grosso do Sul.

GENÉTICA E TECNOLOGIA Em Uberaba, ela é presença constante, mesmo que seja com alguns poucos animais. Neste ano, por exemplo, Cláudia levou à pista apenas um macho e uma fêmea, ambos com 20 meses de idade. “É muito orgulho comemorar uma tradição de 100 anos de uma associação como a ABCZ, que trabalha junto com o Ministério da Agricultura”, afirma. “Há 38 delegações estrangeiras na exposição, acompanhando o desenvolvimento do zebu brasileiro, comprando nossa genética e os softwares desenvolvidos no País.” Aliás, é criação dela uma das grifes entre os 28 leilões realizados na Expozebu. Neste ano, o 31º leilão Noite do Nelore Nacional faturou R$ 2,9 milhões. Outras grifes de leilões – como Elo da Raça, Noite dos Campeões, Matinha e Chácara Naviraí – também são parte da tradição comercial da feira. Os lances mais altos dados por um animal são esperados para esse grupo de eventos. Neste ano, o nelore Calibre FIV Camparino foi vendido por R$ 1,6 milhão, na Noite dos Campeões, promovida por 7 criadores de nelore. Eduardo da Costa, da fazenda Pontão, de São Geraldo (MG), comprou 50% desse animal que ainda não completou 3 anos, pesa 1,1 mil quilos e já faz parte da bateria de touros para a venda de sêmen na central Alta Genetics, também com sede em Uberaba.