23/11/2020 - 12:58
A Lei de Acesso à Informação (LAI) completou nove anos em novembro, mas ainda “não pegou” na maioria das prefeituras paulistas. O jornal O Estado de S. Paulo fez pedidos – ou tentou fazer – em todas as 645 cidades de São Paulo, tanto pelo Sistema de Informação ao Cidadão (SIC), como por e-mail. Apenas 204 prefeituras (32%) responderam, total ou parcialmente, às perguntas feitas sobre a rede municipal de educação. Nas demais 441 (68%), os pedidos foram ignorados ou houve falhas de sistema, inviabilizando a consulta.
A LAI surgiu como medida de transparência, para garantir o direito constitucional de acesso à informação de interesse público a qualquer pessoa. É uma forma de os cidadãos requisitarem, por exemplo, dados oficiais para poderem cobrar os gestores locais. Mas quem tenta conseguir informações básicas nos sites das prefeituras paulistas esbarra em uma série de dificuldades. A mais frequente é não achar onde fazer o pedido: foi o que aconteceu em 82 cidades de São Paulo. Mesmo quando há o ícone característico do SIC – a letra i em verde dentro de um balão de diálogo amarelo – não é certeza de que a busca por dados será atendida. Em 56 prefeituras, problemas técnicos nos sistemas de consulta impediram o acesso ao processo.
Muitos outros entraves foram detectados, como cidades que não aceitam pedidos pela internet e exigem que o interessado vá até a prefeitura e faça o pedido presencialmente. Uma das atitudes proibidas pela lei, mas que foi recorrente durante o levantamento, foi a solicitação, por parte do atendente, da motivação do pedido. Houve até pedido negado e arquivado por não se ter apresentado motivo. De acordo com a LAI, o cidadão não precisa dar qualquer justificativa no momento que requisitar informações. Entre as irregularidades mais comuns também estão respostas incompletas, sistemas que travam ou não geram protocolo (o que inviabiliza rastrear o andamento do pedido) e ausência de instância para recorrer em caso de solicitação negada ou resposta inadequada.
Histórico
Quatro anos atrás, levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostrou que 23% das prefeituras paulistas não tinham sistema eletrônico para pedidos via LAI. No mesmo ano, o Ministério Público Federal (MPF) encontrou 152 sites municipais que não permitiam a realização do pedido. O resultado da consulta levou à abertura de 46 procedimentos de investigação – 19 se transformaram em ações civis públicas, que estão tramitando na Justiça para exigir o cumprimento da lei e cobrar a responsabilização dos gestores.
Para Maria Vitória Ramos, diretora executiva da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em LAI, o descumprimento à lei costuma ser a regra na maioria dos municípios. “A LAI enfrenta resistências naturais e isso se acentua no nível local, onde normalmente há menos fiscalização”, disse. “A lei pegou a nível federal e nas capitais, mas não na maioria das cidades pequenas”, afirmou o pesquisador Gregory Michener, que coordena o Programa de Transparência Pública da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-RJ).
O levantamento do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o desrespeito à legislação sobre acesso à informação é maior nas cidades paulistas com menos de 10 mil moradores: das 267, 201 ou não têm sistema ou não responderam ao pedido de informações. Não há no Brasil um órgão de controle capaz de cobrar o cumprimento da lei. A Controladoria-Geral da União (CGU) é a referência brasileira para a LAI, mas é um órgão com atuação federal, sem ingerência direta sobre Estados e municípios.
A diretora de Projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, lamentou que no “elo mais importante, que é o municipal, que fala sobre a realidade das pessoas, a LAI seja tratada dessa forma”. Para Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil (OKBR), instituição que fomenta a disseminação de informações públicas, o cenário revelado pelo levantamento do Estadão é “gravíssimo”.
Ela afirmou que a falta de cumprimento à LAI é a “ponta do iceberg” que revela um quadro de desorganização dentro das prefeituras, em relação a processos de gestão. As irregularidades encontradas pelo Estadão, ao testar o funcionamento da LAI nas 645 prefeituras paulistas, serão comunicadas aos órgãos de controle.
Impunidade
Para analistas, a falta de preocupação de prefeitos com a LAI, como demonstra o levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, é fruto da falta de fiscalização e de punição. A lei não especificou quem deve ser o guardião do bom funcionamento do sistema, restando a órgãos como os tribunais de contas e o Ministério Público zelar pela obediência à legislação. Segundo Michener, uma consulta ao banco de dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) mostrou que 160 reclamações sobre a LAI viraram processos judiciais – 132 foram considerados procedentes, representando 12% das cidades paulistas.
Em apenas 15 casos o autor da ação foi o Ministério Público Estadual – nos demais, são cidadãos. “Nenhum caso levou à punição dos políticos. No máximo, multa que recai sobre o ente público”, disse. Autor do livro Lei de Acesso à Informação: reforço ao controle democrático, Fabiano Angélico afirmou que prefeitos e demais gestores que descumprem a LAI estão cometendo crime de improbidade administrativa. “Não vai existir vontade política para fazer (a transparência funcionar), então tem que existir pressão”, declarou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.