O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, pediu ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, explicações sobre o ‘revogaço’ planejado pelo governo Jair Bolsonaro em portarias que estruturam a política de saúde mental no País. A solicitação, que deve ser respondida em até cinco dias, atende a um pedido formulado por mais de 120 organizações de diversos setores que acionaram o Ministério Público Federal para apurar a medida que, na opinião do grupo, poderá levar a um retrocesso e desmonte da área.

No ofício, Vilhena pede que sejam especificados quais atos normativos estão em análise, além de sinalizar as justificativas que levariam à conclusão de que portarias seriam consideradas obsoletas. Além disso, o procurador federal dos Direitos do Cidadão solicita cópia da portaria de criação do grupo de trabalho sobre saúde mental e seus atos praticados.

O Ministério da Saúde também terá de compartilhar cópias de atas, estudos técnicos que embasam iniciativa de revisão dos atos normativos e documentos já encaminhados ao Conselho Nacional de Saúde. Vilhena também quer que a pasta indique quais entidades foram convidadas para participar das deliberações sobre a alteração de normativos relacionados à Política Pública de Saúde Mental e à Política Nacional sobre Drogas.

As discussões em curso no Ministério da Saúde para revisar uma centena de portarias que estruturam a política de saúde mental no País evidenciaram um ‘racha’ entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e os profissionais da categoria. Mais de 900 psiquiatras se uniram para fazer frente à entidade representativa da classe, que defendeu o ‘revogaço’ em discussão no governo. Para os psiquiatras, a manifestação favorável da ABP deriva de ‘interesses corporativos e mercadológicos’.

Uma das mudanças previstas é retirar dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) o atendimento psiquiátrico voltados a usuários de drogas. A medida já havia sido alvo do governo antes: em julho, Bolsonaro regulamentou as chamadas ‘comunidades terapêuticas’, entidades que fazem o mesmo tratamento, mas são ligadas a igrejas e defensores da abstinência, enquanto os Caps atuam com a perspectiva de redução de danos e são do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outra proposta visa afrouxar o controle sobre internações involuntárias dos pacientes dependentes de drogas, retirando a necessidade de comunicação ao Ministério Público, como é feito hoje.

Em ofício enviado à Procuradoria, 128 entidades afirmaram que as medidas, caso sejam implementadas, representarão um desmonte de políticas públicas da área da saúde mental e abririam brecha para falta de fiscalização do governo sobre o acompanhamento de pacientes.

“O afastamento do SUS da gestão das ‘unidades de acolhimento’, relegando-as exclusivamente ao Ministério da Cidadania, abriria espaço à proliferação de comunidades terapêuticas e unidades privadas, financiadas com recursos públicos, mas não submetidas à fiscalização pela área da saúde acerca do plano terapêutico, presença de equipe de saúde mental e procedimentos internos de atenção”, apontam.

O Ministério da Saúde informou que as portarias que estruturam a política de saúde mental estão sob escrutínio de um grupo de trabalho composto, além da APB, por representantes do Ministério da Cidadania, do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). A pasta alega que as regras estão ‘obsoletas’.

Profissionais ouvidos pelo Estadão também temem que as discussões em curso no Ministério da Saúde desemboquem em medidas para enfraquecer a Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) do Sistema Único de Saúde (SUS), que segue um modelo integrado, territorializado e flexível desde a atenção básica.