Na última sessão do ano, a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que aumenta o repasse de verbas federais para os prefeitos via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) se transformou em instrumento de manobra para medir as forças das eleições para o comando da Câmara.

A inclusão da PEC na pauta chegou a ser classificada por integrantes do governo como uma “pauta bomba” no final do ano, justamente em meio à disputa pela sua sucessão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Único candidato já declarado à sucessão da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem a predileção do Palácio do Planalto e mantém interlocução com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O grupo ligado a Maia deve lançar um candidato até hoje.

Na hora marcada para votação, no início da noite de ontem, a sessão foi cancelada para a busca de uma saída meio termo para o impasse. O aumento do repasse do FPM pode ficar para 2022. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) avisou, porém, que vai continuar trabalhando para a proposta entrar em vigor no ano que vem.

De um lado da disputa, Maia quis surpreender a base governista e incluiu na pauta de votação a proposta, adormecida há um ano depois de ter sido aprovada em primeiro turno em dezembro de 2019. A estratégia em jogo era forçar a liderança do governo a reconhecer o impacto para as contas públicas e trabalhar para retirar a proposta da proposta da pauta, o que desagradaria os prefeitos que têm força de pressão na Casa.

No campo oposto, a articulação política do Palácio do Planalto que resolveu apoiar ontem a PEC para não perder apoio ao seu candidato nas eleições, Lira, mesmo atropelando a equipe de Guedes, que na véspera alertara para o risco fiscal da perda permanente de R$ 4 bilhões por ano, sendo R$ 1 bilhão no primeiro ano. A PEC aumenta em 1% o repasse do FPM, que é feito com base na arrecadação de tributos do governo.

Para não ser derrotado numa aprovação dada com certa, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, apoiou à PEC com a defesa de que ela tem o DNA da política do presidente Jair Bolsonaro de “Mais Brasil e Menos Brasília” de maior divisão do bolo de arrecadação com Estados e municípios. Barros tentou jogar a responsabilidade para o colo de Maia, que sempre teve apoio do mercado financeiro com a marca de protetor do ajuste fiscal. O líder, inclusive, minimizou o impacto da medida afirmando que era de R$ 700 milhões em 2021.

Estopim

Segundo apurou o Estadão, o estopim da reviravolta na estratégia do governo foi o manifesto dos partidos de esquerda, que apoiaram Maia na sucessão, contra a pauta neoliberal do governo, inclusive as privatizações. Para integrantes do governo, a aliança de Maia com a esquerda para não privatizar seria uma prova de que o presidente da Câmara atuou para que a venda das estatais não avançasse nos últimos dois anos.

Silêncio

Guedes, que é desafeto de Maia e não quer que a esquerda tenha influência na pauta econômica em 2021, ficou em silêncio e não defendeu publicamente que os deputados não votassem a PEC que aumenta os repasses aos prefeitos, apesar do alerta do secretário do Tesouro, Bruno Funchal, de que aprovação colocaria em xeque a reorganização do equilíbrio fiscal. O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, em entrevista, tergiversou e não defendeu a retirada da proposta.

Para Maia, o governo Bolsonaro deixou de ser “popular” para virar “populista”. Nas palavras dele, o governo fez um “cruzamento” entre os prefeitos, que pressionam pela aprovação da proposta, e a Faria Lima, em referências a economistas que manifestam preocupação com o impacto fiscal da medida. “Qual é a posição do governo, contra ou a favor? O governo vai liberar (o posicionamento dos deputados)? Eles vão desmoralizar o Paulo Guedes?”, provocou Maia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.