O lugar que encantou o cantor e compositor Almir Sater, o município de Aquidauana, no Pantanal sul-mato-grossense, onde morou por seis anos, na década de 1990, já não é mais o mesmo. O entorno da fazenda Morraria, ainda hoje uma propriedade na qual Sater cria gado das raças senepol e nelore, e que antes era um recanto de calmaria, ficou mais agitado depois que as terras ao seu redor passaram a ser valorizadas, especialmente nos últimos dois anos. “Já vi grandes áreas de Pantanal sendo preparadas para receber gado, nas proximidades da fazenda”, diz Sater. A observação do cantor e pecuarista tem fundamento. Segundo a consultoria Informa Economics FNP, de São Paulo, desde 2013, as terras que tiveram maior valorização no Pantanal foram as da região de Aquidauana, em cerca de 65%. Atualmente, um hectare pode valer até R$ 10 mil, cotação semelhante a terras de alta produtividade em Uruçuí, no Piauí, um dos principais municípios da região do Matopiba, a fronteira agrícola mais dinâmica do País (leia mais na pág. 34). Esse emparelhamento com terras valorizadas nunca havia acontecido na região. “Há dois movimentos acontecendo simultaneamente”, diz o engenheiro agrônomo José Vicente Ferraz, diretor da Informa. “Houve uma forte valorização, sobretudo em áreas com potencial para a produção de grãos, especialmente a soja, e também um intenso trabalho visando uma pecuária mais tecnológica.”


Francisco Maia: para o presidente da Acrissul, chegou a hora da criação de qualidade ganhar espaço na pecuária pantaneira

O Pantanal é uma área de 15 milhões de hectares, divididos entre os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, além de países vizinhos, como o Paraguai e a Bolívia, onde a pecuária convive com animais silvestres há pelo menos dois séculos. Não há delimitações claras, mas a estimativa é de que aproximadamente 85% do Pantanal seja território brasileiro, o equivalente a 12,7 milhões de hectares. Nos últimos anos, essa tradicional região de exploração pecuária tem experimentado um movimento de valorização pelo qual áreas de abertura de fronteira vêm passando há cerca de duas décadas, como o Norte de Mato Grosso e o Oeste da Bahia, porque pode ser altamente rentabilizada. As variedades de soja, adaptadas ao clima e solo das terras não alagáveis ou mais altas do Pantanal e de seu entorno, estão trazendo a possibilidade do cultivo da oleaginosa, com produtividade acima de 50 sacas por hectare, ante a média nacional de 47 sacas.


André Esteves: o dono do banco BTG Pactual apostou na compra de terras em Miranda (MS) para produzir  grãos

Uma das apostas está sendo feita pela fazenda Cristo Redentor, do banco BTG Pactual, do empresário André Esteves, com 116 mil hectares, no município de Miranda (MS), comprada em 2013. Esteves, que tem como parceiro o Mubadala Development Corp, um fundo sediado em Abu Dhabi, está implantando 40 mil hectares de soja nessa fazenda. O fundo não confirma essas informações, mas, de acordo com analistas que atuam na região, essa área de cultivo da oleaginosa não está propriamente no bioma pantaneiro, mas na sua borda.


Pedro grendene:o empresário está combinando agricultura e pecuária, para ganhar escala de produção

Outro exemplo é o do empresário gaúcho Pedro Grendene, do grupo calçadista Vulcabrás/Azaléia e dono da fazenda Ressaca, em Cáceres (MT). O empresário possui 34 mil hectares, dos quais em mil hectares foram cultivados soja nesta safra. Mas, o projeto é integrar a lavoura com a pecuária em cinco mil hectares e produzir dois mil touros nelore, por safra, nos próximos anos. Hoje, a fazenda produz pouco mais de mil touros por safra. “Quem investir na integração vai lucrar mais, porque ela é ambientalmente correta”, diz Grendene.

CRIAÇÃO  Na avaliação do produtor e criador de gado Francisco Maia, presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), é a partir de negócios sustentáveis que a pecuária da região está ganhando um novo status. “Chegou a hora da criação de bovinos de qualidade conquistar o seu espaço no Pantanal”, diz Maia. “Aí está o seu valor.” O atual rebanho pantaneiro possui cerca de 4,5 milhões de bovinos. Segundo dados da Informa, as áreas com pastagens superiores podem custar até R$ 5 mil, por hectare, ante a média de R$ 750 em áreas sem investimento. Para o corretor de imóveis rurais e consultor agropecuário Newton Bezerra Cavalcanti, de Campo Grande, uma pecuária bem tocada, de quatro Unidades Animal (UA) por hectare, por exemplo, pode dar mais lucro que a agricultura (uma UA equivale a 450 quilos). “Até fazendas com problemas de inundação, que antes eram vendidas por R$ 600 o hectare, hoje saem pelo dobro”, diz Cavalcanti. Nos últimos 18 meses, ele participou de nove negociações de terras, no total de R$ 169 milhões, quase três vezes mais que nos anos de 2012 e 2013. “Diria que passamos a ter os valores de terras atualizados”, afirma ele.


Newton Cavalcanti: de acordo com o corretor de terras, os preços na região do Pantanal foram atualizados

Segundo a Informa, a rentabilidade da terra, nos anos de 2012 e 2014, não deixa dúvidas sobre o valor dos negócios. Por exemplo, na cria em baixa escala, a rentabilidade de 500 UAs na região de Corumbá foi de 0,8% em 2012 e de 1,8%, no ano passado. Nos grandes criatórios, a conta para cinco mil UAs passou de 1,3% para 2,2%, no mesmo período.

Para o pecuarista Higino Hernandes Neto, dono da fazenda Baía Grande, no município de Rio Verde de Mato Grosso (MS), na região da Nhecolândia, onde cria bezerros cruzados de pardo-suíço com nelore para serem engordados em confinamento fora do Pantanal, a vocação para a cria de qualidade está, de fato, elevando a região para um outro patamar de negócios. “Quanto mais eficiente for essa atividade, respeitando o Pantanal como um santuário, melhores serão os resultados.” Ele é reconhecido na região como um modelo a ser seguido. Na Baía Grande, em 3,3 mil hectares são produzidos 1,5 mil bovinos, por ano, desmamados aos dez meses. Os machos pesam 330 quilos e as fêmeas, 300 quilos. Só para comparação, um bezerro comum, entre dez e 15 meses, pesa cerca de 250 quilos. Os animais de Hernandes Neto são abatidos aos 15 meses, com 19 arrobas de rendimento.

De acordo com o analista Alcides Torres, da Scot Consultoria, de Bebedouro (SP), a cria está entre as atividades que estão deixando mais dinheiro nas mãos do produtor. Torres cita como exemplo o Indicador Bezerro Esalq/BM&F Bovespa, com referência ao Estado de Mato Grosso do Sul, que teve uma valorização de quase 65%, entre julho de 2011 e o final de julho desse ano, saindo de R$ 750 por animal, para R$ 1,2 mil. “Isso, em tese, melhora o preço das terras”, diz Torres. “Como analista, eu diria que vale a pena apostar no ritmo pantaneiro.”