A safra agrícola 2016/2017, oficialmente aberta no dia 1º de julho, passou por uma recauchutagem antes mesmo de pegar a estrada. A promessa do Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, de que faria acertos no Plano Agrícola e Pecuário aprovado em maio, ainda no governo da presidente afastada Dilma Rousseff, começou a sair do papel em meados de junho. O principal articulador das mudanças é Neri Geller, produtor rural de Lucas do Rio Verde (MT) e ex-ministro da pasta por dez meses no governo Dilma, que retornou ao Mapa como secretário de Política Agrícola, a pedido de Maggi. Geller tem afirmado que será cumprido o que foi orçado para o plano, um montante de R$ 202,8 bilhões, e que os ajustes têm como base as demandas pontuais de setores do agronegócio. “Por isso, eles não serão generalizados”, afirma Geller. “Mas podem reaquecer o agronegócio.” Até o final do mês passado, três rearranjos em programas de financiamento oficial eram dados como certos, além de algumas urgências na mesa de discussões: o desabastecimento de milho, o seguro agrícola e o papel dos bancos como financiadores do setor.

O maior ajuste visa o mercado de mecanização agrícola, que vem colecionando tombos desde 2014, ano em que foram comercializadas 64 mil máquinas e implementos no mercado interno e 12,3 mil unidades foram exportadas. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a previsão para 2016 é vender no mercado interno 38 mil unidades entre tratores, plantadeiras e colhedeiras, 15,5% abaixo de 2015 e 40% abaixo de 2014. Na produção, a estimativa é de 46,2 mil unidades, queda de 16,4% em relação a 2015. Para as exportações é esperado um cenário ainda mais duro: 18,6% de queda no ano, com 8,2 mil máquinas vendidas no exterior. “Estamos considerando todas as dificuldades do cenário econômico deste ano”, diz Antonio Megale, presidente da Anfavea. Para tentar reverter esse quadro, mesmo que seja parcialmente, o governo está alocando recursos da ordem de R$ 7,5 bilhões ao Programa de Modernização da Frota de Tratores, Máquinas e Colheitadeiras (Moderfrota).


À espera: Rial, presidente do banco Santander, diz que o excesso de regulações atrapalha a atuação de bancos privados no agronegócio

O orçamento anterior era de R$ 5 bilhões.Dos outros dois setores contemplados com recursos extras, o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro), irá receber R$ 3 bilhões, ante R$ 1,2 bilhão orçados. Para Geller, investimentos nessa área não podem perder espaço. “Não consigo entender por que esse recurso havia sido rebaixado”, diz ele. O Inovagro serve para financiar, por exemplo, máquinas para a agricultura de precisão e de material genético bovino, como embriões e sêmen.

O terceiro setor a receber mais recursos do que o previsto será o Programa de Construção e Ampliação de Armazéns (PCA). Serão R$ 3 bilhões, R$ 600 milhões a mais do que o previsto inicialmente. A capacidade de armazenagem no País é da ordem de 152 milhões de toneladas de grãos, em 17,7 mil armazéns cadastrados na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), contra uma produção que se aproxima de 200 milhões de toneladas. “Os problemas de armazenagem são extremamente grandes e mostram o desarranjo do setor”, afirma Geller. “Há cerca de quatro anos, havia montanhas de milho a céu aberto no Centro-Oeste e os produtores não sabiam o que fazer  com a produção. Hoje, os armazéns estão vazios.” Em Mato Grosso, o maior Estado produtor de milho, a saca de 60 quilos custava R$ 33 em meados de junho, contra R$ 16 em igual período do ano passado.


Marchar: para Geller, convidado por Blairo Maggi para retornar ao Mapa, a tarefa agora é garantir que os recursos cheguem aos produtores

Em relação ao seguro rural nesta safra, parece não haver muito o que fazer: ou seja, faltarão recursos. O Mapa, diz Geller, tentará convencer o governo federal a recompor o orçamento da pasta, previsto em R$ 741 milhões para 2016 e cortado logo no início do ano. O contingenciamento foi de R$ 300 milhões. “Infelizmente, a subvenção ao seguro recuou numa época que não deveria ter recuado”,  afirma Geller. “Resta, agora, garantir que os recursos disponíveis em todas as linhas de crédito cheguem ao produtor.”

Para o presidente do banco espanhol Santander, Sérgio Rial, o papel das instituições financeiras no agronegócio é uma discussão que está só começando. Embora bancos privados, como Santander, Bradesco e Itaú, tenham avançado no financiamento ao agronegócio, ele ainda é muito baixo em relação aos bancos geridos pelo governo. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal respondem por cerca de 70% dos negócios realizados com base no Plano Safra. “Os bancos privados não aportam muito valor no agronegócio e há motivos”, disse Rial no seminário anual da BM&FBovespa, em São Paulo, no mês passado. De acordo com o executivo, a principal trava se deve às regulações. Em 2015, o Santander, com 85 mil clientes no setor, concedeu R$ 44 bilhões de crédito para o agronegócio, 10% acima do ano anterior, apenas 16,9% de sua gigantesca carteira de crédito, da ordem de R$ 260 bilhões. “O problema é que o governo diz para o Santander o que ele deve fazer em termos de crédito rural e, se não fizer, é punido”, diz Rial. Os bancos, afirma o executivo, não conseguem estabelecer regras de livre mercado para atuarem com mais força no campo. “Esse não é o melhor sistema competitivo, quando se está intrinsecamente ligado com cadeias globais.” Para o executivo, a regulamentação do sistema financeiro será muito discutida no próximo período e o agronegócio não pode ficar de fora dessa discussão.