20/09/2016 - 12:19
Antônio Jorge Camardelli queria cuidar de cavalos, mas acabou no comando de uma influente entidade setorial, a Associação Brasileira da Indústria exportadora de carne. Conheça seus passos
uem vê Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), apresentando com entusiasmo as projeções para o mercado externo brasileiro, não imagina que seus planos no início de carreira eram bem diferentes, mais próximos de baias e pistas de areia do que de escritórios refrigerados. Veterinário de formação, em 1977, tão logo concluiu o curso na PUC-RS, em Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, rumou para Porto Alegre. Na capital gaúcha, arrumou emprego como inspetor de produtos lácteos na superintendência do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul (Mapa/RS). Mas era nos finais de semana que fazia o que mais gostava: dedicava-se ao plano de tornar-se um exímio criador de cavalos. “Sou apaixonado por eles”, diz. A vontade de trabalhar na área era tanta que o jovem médico veterinário atendia equinos no jóquei clube da capital gaúcha, em troca de manutenção para os seus quatro animais da raça puro sangue inglês. “Esperava que, mais adiante, pudesse vender os animais. Ou, quem sabe, competir com eles.” Mas um acidente fatal na criação mudou os planos de Camardelli. Depois de serem alimentados pelo tratador com milho contaminado com aflatoxina, uma substância tóxica produzida por fungos, três equinos morreram. Desiludido, ele abandonou o sonho. “A minha vida foi feita de decisões que se mostraram acertadas”, afirma Camardelli. “A primeira delas foi em cima deste desenlace ruim.” Foi a partir daí que decidiu dedicar-se exclusivamente, e com afinco, ao seu trabalho no Mapa. A opção deu impulso a uma carreira que o levou a experiências privilegiadas em todas as áreas que envolvem a carne bovina brasileira: Camardelli trabalhou em diferentes postos no Mapa, que incluíam de questões técnicas, como a inspeção sanitária, à tomada de decisões na área de defesa agropecuária. Nessa seara, foi secretário substituto. “O Mapa me deu tudo o que eu tenho”, diz.
Foi com a experiência de 20 anos no Ministério, em Brasília e em Porto Alegre, que ele ganhou a fama de solucionador de problemas que o distingue até hoje entre seus pares. “Fui formatado para solucionar problemas”, diz. “E fiz desse comportamento um diferencial.” A característica começou a ser lapidada quando Camardelli estava em Paris, em abril de 1998, para receber em nome do Rio Grande do Sul o certificado de área livre de aftosa sem vacinação, conquistado junto à Organização Mundial de Saúde Animal. Aliás, foi nessa ocasião que o então Ministro da Agricultura, Francisco Turra, o convocou para trocar Porto Alegre pela capital federal. A fim de se destacar no novo desafio, Camardelli manteve a residência de sua mulher Luciane e de seus três filhos na capital gaúcha e se mudou para Brasília. “Foi uma escolha pessoal muito difícil. Mas, com essa decisão, passei a estar presente em todas as questões que envolviam o ministério”, afirma. “Isso me permitiu ascender não somente no Mapa, mas também fora dele. Foi mais uma aposta que deu certo.” Mais tarde, ele viria a trabalhar no frigorífico Frigonostro, nas áreas comercial e institucional, e na JBS, da família Batista, onde ocupou uma cadeira no comitê de estratégia empresarial. Por último, chegou na Abiec em 2002, o que lhe daria uma visão completa do setor no Brasil e no mundo.
Hoje, o dirigente setorial que recebe inúmeras demandas de seus associados, tem um segredo. Para se desdobrar entre tantas tarefas, ele não mensura com a mesma régua as diferentes demandas que chegam às suas mãos. “O problema que pode parecer ser pequeno para uma pessoa pode ser o principal problema do outro. Portanto, todos são importantes”, afirma. Na avaliação de Jeffrey Abrahams, sócio da Fesap, consultoria especializada em seleção de executivos, essa é uma das características essenciais para um líder. “É fundamental ter a habilidade de simplificar conceitos, inteligência numérica e capacidade cognitiva para encontrar as melhores saídas para cada situação”, afirma Abrahams.
Assim como no Mapa, Camardelli fez carreira na Abiec. Primeiro, ocupou o cargo de diretor técnico, depois passou para a diretoria executiva. Somente em 2010, seis anos após ser contratado, se tornou presidente da entidade. Desde então, ele conseguiu elevar o número de empresas associadas de dez para 30. Elas representam 70% do abate de bovinos no País e cerca de 92% das exportações, que em 2015 renderam US$ 5,9 bilhões. Sob seu comando, a entidade virou referência no setor, tornando-se a principal porta-voz de suas associadas, entre elas as três maiores empresas: JBS, Marfrig e Minerva. Sua estratégia é administrar a entidade como se ela fosse uma empresa privada. “Se os frigoríficos ganham dinheiro e os produtores estão felizes, a atividade é perene e o ciclo fecha”, diz ele. Ainda assim, na Abiec há diferenças em relação a uma empresa, porque a entidade precisa resolver problemas que não estão sob seus olhos, como por exemplo a dificuldade de um frigorífico em embarcar uma carga para o exterior. “Na Abiec, a demanda não é de um setor interno, como em uma fábrica. Ela vem de fora para dentro”, diz.
À frente de uma equipe enxuta, com apenas dez funcionários, Camardelli acredita que respeitar as particularidades de cada um é o caminho para alcançar os melhores resultados. “É preciso aproveitar as pessoas, com suas principais características em áreas nas quais elas têm mais resposta”, afirma. De acordo com Fernando Sampaio, diretor executivo da entidade, a postura é bem recebida pela equipe. “Como líder, Camardelli escuta e valoriza as boas ideias”, diz Sampaio. “Isso nos dá espaço e liberdade para trabalhar.”
Camardelli afirma que muito do que aplica hoje ele aprendeu com Marcus Vinícius Pratini de Moraes, economista gaúcho e ex-ministro da Agricultura, quando trabalharam no Mapa, entre os anos de 1999 e 2003. Ambos voltariam a trabalhar juntos na JBS e na Abiec, quando Pratini foi presidente da entidade. “O Pratini tem duas excelentes características como pessoa e como gestor: a capacidade de ouvir o contrário e a honestidade de ser grande com os grandes e pequeno com os pequenos”, diz Camardelli. “Ter trabalhado com ele é como ter feito uma pós-graduação em gestão.” Aos 63 anos, Camardelli não tem planos para a aposentadoria. “Ainda recebo convites para tocar projetos, o que considero um privilégio”, diz. “Aliás, acho um desperdício dispensar pessoas experientes, que aprenderam com seus próprios erros ou com os dos outros.” No seu caso, um erro de um tratador inexperiente o tirou do mundo dos cavalos de raça. Melhor para a indústria da carne.