V ou vender quantos bois nos próximos 12 meses?” A pergunta, que parece muito simples de ser respondida, é uma sinuca de bico na gestão financeira da maioria das propriedades rurais que engordam gado para abate no Brasil. “A maior parte dos pecuaristas não consegue responder essa questão”, diz o veterinário Rodrigo Albuquerque, gerente de pecuária da fazenda Buriti, de 2,8 mil hectares em Jussara (GO). “Acredito que nem 2% das fazendas tenham um controle financeiro. O produtor, em geral, gosta de brigar por R$ 50 na compra do bezerro, mas seu trabalho não tem fim porque ele não vende o boi, ele entrega.” Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de fazendas de gado de corte no País, mas a estimativa é de que metade das 5,2 milhões de propriedades rurais esteja envolvida na atividade.

Junto com o administrador Ricardo Heise, Albuquerque também é dono da consultoria NF2R. Os dois sócios têm suas próprias histórias como exemplo de como a gestão financeira pode transformar o negócio. Albuquerque conta que depois de trabalhar por uma década no mercado de nutrição, foi convocado pela família em 2006 para assumir o cargo na propriedade do sogro, justamente a Buriti, que hoje abate 3,5 mil bovinos. “A minha primeira demanda foi pela planilha com a curva de venda do gado”, diz ele. “A resposta foi: a gente liga para o frigorífico ou o escritório de compra e decide a quem vender.” Os caminhos de Albuquerque e Heise se cruzaram justamente em função desse acontecimento. Heise, que trabalhou por 12 anos na área de confinamento do frigorífico Bertin, comprado pela JBS em 2009, torrou a herança da esposa na compra de bois para engordá-los em terras arrendadas, além de abrir um escritório de compra e venda de gado. “Na época, o Rodrigo me procurou para planejar a venda do gado”, diz Heise. “Por isso nos tornamos parceiros nessa empreitada da gestão financeira”, diz ele. Hoje, além de consultor, Heise também é sócio na engorda anual de 2,5 mil bovinos em sistema confinado e no pasto. Seu parceiro é o produtor Alaor Procópio de Ávila Filho, dono da fazenda Panorâmica do Turvo, no município goiano de Indiara. A receita operacional da fazenda é de R$ 2,2 mil por hectare ao ano, ante a média nacional de R$ 200.

Para Luciano Zorzal, consultor especializado em gestão empresarial, principalmente na área industrial e de serviços, a gestão financeira é precedida de duas tarefas: o planejamento e a análise da sazonalidade das receitas e das despesas do setor no qual o negócio está inserido. “Isso vale para todo empreendimento, das contas domésticas a uma multinacional”, diz Zorzal. “No caso da pecuária, o processo precisa ser ainda mais preciso, porque o produtor trabalha com um fator externo variável importante, que é o clima.” Para ele, esse é mais um motivo de buscar uma gestão financeira ainda mais monitorada e nos detalhes.


Trio afinado: Alaor de Ávila Filho, Ricardo Heise e Rodrigo Albuquerque utilizam em suas propriedades o que aconselham aos demais pecuaristas. É preciso olhar o futuro, programar o negócio e liquidar a boiada

Albuquerque e Heise, por exemplo, jamais trabalham sem uma programação. Entre elas está o gerenciamento da disponibilidade de comida, da condição do pasto e de sua lotação. A dupla estima que não mais de 5% do total de animais abatidos, atualmente 44 milhões, são fruto de um sistema de gestão monitorada. “Uma fábrica planeja. A Volkswagem sabe quantos carros modelo Gol ela vai produzir nos próximos 12 meses, por vezes até 36 meses”, diz Albuquerque. “Na pecuária não pode ser diferente, é preciso ter previsibilidade.” Para isso, é necessário saber o custo operacional do gado e usar as ferramentas da Bolsa de Valores, ou seja, o preço futuro da arroba para negociar melhor. “Fazer hedge e vender com antecedência pode ser a diferença entre o lucro e o prejuízo”, afirma Heise. “Até 2040, o processo de concentração na pecuária será intenso. Acredito que 40% dos atuais produtores estarão fora do mercado. Ficará quem for eficiente”.

Seu sócio na criação de gado, Ávila Filho, 44 anos, sabe o que isso significa. Ele é da terceira geração de produtores rurais. Herdou uma área de 800 hectares e precisou viver da sua renda. “Eu era obcecado por produção. Mas em 2012 eu quase quebrei, mesm sendo o ano em que eu mais produzi: foram 50 arrobas de boi gordo por hectare”, diz Ávila Filho. O produtor conta que comprou bezerro equivalente a R$ 1.270 por arroba e depois de um ano e meio de engorda vendeu os animais para abate, por uma arroba a R$ 1,1 mil. “Eu não analisava risco e, por isso, meu foco estava errado”, diz ele. “Hoje, eu produzo 20 vezes mais do que meu avô, que tinha cinco vezes mais terras.” Heise afirma que a principal mudança na gestão da fazenda Paronâmico do Turvo foi justamente a sua gestão financeira. “A sua programação dá previsibilidade ao negócio”, diz Heise.  Na fazenda, as vendas são planejadas para os 12 meses seguintes, no início da safra do capim que ocorre em novembro com a chegada das chuvas na região. O plano leva em conta o mercado futuro do boi gordo na BMF&Bovespa. “Temos de olhar nesse mercado as oportunidades de venda”, diz ele. Nos três primeiros abates deste ano, entre janeiro e maio, Heise e Ávila Filho ganharam 7% acima da cotação da arroba levantada pelo Cepea/USP na região. “Uma fazenda é simplesmente um negócio que transforma capim, água e boi em carne”, diz Heise. “Eu gosto muito de contar boi na porteira, mas eu gosto mais de contar dinheiro no bolso.”