29/09/2016 - 10:23
Conheça a história do produtor Ricardo Tavares, do grupo mineiro Montesanto Tavares, que verticalizou a cadeia de grão, apostou na sua qualidade e nos novos consumidores para faturar R$ 2 bilhões neste ano
Do aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, um jatinho Citation Mustang, com capacidade para até quatro passageiros, levanta voo com regularidade para vários destinos do Brasil e do mundo. Somente neste ano, o avião já decolou para viagens que somam 90 mil quilômetros, trecho suficiente para duas voltas ao redor da Terra. A bordo, na maioria das vezes, está o produtor e empresário rural Ricardo Tavares, 54 anos, que há 12 anos criou o grupo Montesanto Tavares. Hoje, ele é um dos maiores exportadores de café do País. No ano passado, do total de 2,75 milhões de sacas vendidas pelo grupo, 1,5 milhão foram embarcadas para países da Europa, o Japão e os Estados Unidos, principalmente. O restante serviu ao mercado interno. O negócio anda em ritmo acelerado. Neste ano, a previsão é vender 3,2 milhões de sacas e faturar R$ 2 bilhões, volume 15% acima do desempenho de 2015, que foi de R$ 1,76 bilhão. “O negócio do café é o mais sensacional mercado porque todo mundo só fala em crescimento”, diz Tavares. “Quem aproveitar as oportunidades que estão surgindo no mundo, olhar com atenção para o que o consumidor está pedindo e saber interpretar a sua vontade, vai ter um futuro grandioso nessa cadeia produtiva.” Na última década, Tavares colocou em pé um sólido projeto que emprega 650 pessoas responsáveis pela rotina de cinco fazendas com 3,2 mil hectares de lavouras de café, quatro tradings, seis armazéns próprios no Brasil e seis armazéns arrendados nos Estados Unidos, entre a Califórnia e a Carolina do Sul.
Para ele, está em curso um novo movimento na cafeicultura, setor que sempre foi um dos segmentos mais tradicionais do agronegócio brasileiro. Vem baseado na popularização das cafeterias, que se tornaram lugares charmosos e convidativos; no consumo do grão em monodoses, embalado em cápsulas para utilização nas máquinas de espresso, e numa juventude ávida por novidades, que está consumindo a bebida nas mais diversas formas de preparação. O café gelado, por exemplo, é um sucesso entre os americanos. “As possibilidades de acesso a mercados são imensas”, afirma Tavares. “O Brasil precisa mostrar que pode atender quem busca por grãos especiais e de qualidade.” Não por acaso, Tavares é um dos convidados para a mesa de palestrantes do World Coffee Portal, evento que acontece em Nova York nos dias 15 e 16 deste mês. Executivos como Jeffrey Young, da Allegra Group; Mark Romano, da Illycaffè e Ambereen Sheikh, da Nespresso, presidentes e diretores do mundo inteiro e das mais diversas indústrias do setor, estão interessados em entender os cenários mundiais para os próximos cinco anos, o que ocorre nos mercados emergentes e quais as demandas das novas gerações. “Os organizadores pediram para que eu mostre o meu negócio”, afirma Tavares. “Disseram que eu tenho história para contar, mas fico nervoso com plateia.”
Olhar de fora: os baristas estrangeiros que visitaram o Brasil no final de julho para conhecer a cadeia do café no Norte de Minas Gerais. Iniciando da esquerda estão Tetsu Kasuya, do Japão, e os americanos Tony Querio, Andrea Allen, Todd Goldswortlhy, Lemuel Butler, James Tooill e Kyle Belinger
De fato, Tavares tem história. No mundo corporativo, ele é reconhecido como um empresário bem sucedido nas empreitadas que costuma se impor. Aos 19 anos, começou no setor abandonando a faculdade de economia para ajudar o pai na compra e venda de café, e nunca mais pisou em uma sala de aula. Na década de 1980, quando a família se tornou sócia da mineira café Três Corações, ele passou a comandar a área comercial para tirar a empresa do buraco. Nos anos 2000, a família se desfez da sociedade, vendendo sua parte ao grupo israelense Strauss-Elite, por US$ 40 milhões. Daí em diante, Tavares seguiu sozinho e, no curto espaço de tempo de três anos, conquistou outro feito. Ele é o criador da marca de suco de frutas Suco Mais, que se tornou a segunda mais consumida no País, atrás da mexicana Del Valle. Então, vendeu a Suco Mais por R$ 110 milhões para a Coca-Cola, multinacional que hoje é uma das clientes que compram café do grupo Montesanto Tavares.
Novo tempo: agora de maneira acelerada, as cafeterias, como esta da Starbucks, estão mudando radicalmente o modo de tomar café em todo o mundo
Vender parece ser um talento nato de Tavares. Foi justamente para comercializar a produção própria de café, que está chegando a 90 mil sacas anuais nesta safra, mais o produto que ele compra de fazendeiros em todo o País, que o empresário criou as tradings Ally Coffee, Atlântica, Cafebras e Inter Brasil Coffee. Cada uma delas atende um perfil de cliente no Brasil e no exterior, como as redes americanas Starbucks e a Green Moutain Coffee ou supermercados domésticos. Das quatro empresas, a Ally Coffe é a mais nova, criada há um ano. Depois de abrir uma base nos Estados Unidos, Tavares anunciou, em abril, o início das operações da trading na Europa, com a abertura de um escritório em Lausanne, na Suíça. “A Suíça é um polo de tradings importantes que atuam no mercado mundial e não podemos ficar de fora”, afirma ele. “A partir desse polo poderemos crescer mais rapidamente.”
“Pode produzir porque há mercado para o grão especial” Robério Silva, diretor da Organização Internacional do Café (à direita)
Para o economista Robério Silva, diretor executivo da Organização Internacional do Café (OIC), entidade com sede em Londres e que representa 77 países consumidores e produtores, o cenário internacional é dos mais favoráveis para investir na construção de uma rede comercial. Aliás, Silva e Tavares são amigos há mais de duas décadas. No início de agosto, uma das viagens do Citation, que durou três dias, foi para levá-los em visitas a plantações no Cerrado Mineiro. “Pode produzir porque há mercado para o grão especial”, diz Silva. “A demanda por quantidade também leva a um aumento da demanda por qualidade.” Silva cita como exemplo de países com o consumo em expansão o Japão e a Coreia do Sul, embora os Estados Unidos e os países da Europa ainda permaneçam com as maiores demandas mundiais. Nesses mercados maduros, cresce o consumo de café em cápsulas, ou monodoses. Nos Estados Unidos, a estimativa é de que uma, a cada quatro famílias, utilize as máquinas domésticas para a bebida espressa. E estão pagando mais por isso. Neste ano, a previsão é de que o país gaste US$ 13,6 bilhões com a compra de café, ante US$ 12,8 bilhões em 2015 e US$ 11,9 bilhões, em 2014, mesmo importando quase o mesmo volume no período.
“Evoluímos na produção, na logística, nas formas de comércio e agora estamos evoluindo na comunicação das qualidades dessa cadeia” Nelson Carvalhaes,presidente do Conselho dos Exportadores de Café
PROTAGONISMO Para suprir a demanda crescente por qualidade, o Brasil segue como o principal protagonista mundial dessa cadeia. No ano passado, a receita com as exportações foi de R$ 6,1 bilhões na venda de 34,8 milhões de sacas, equivalente a 2,1 milhões de toneladas de grãos. Os americanos, os maiores clientes, compraram 7,5 milhões de sacas, por US$ 1,2 bilhão. O Japão, um mercado cobiçado, já está em quarto lugar entre os maiores clientes do café brasileiro. No ano passado, o país comprou 2,3 milhões de sacas por US$ 490,7 milhões.
Sustentável: cafés cultivados em áreas com mogno, sombreadas até 50%, têm mais valor de mercado no exterior
Para acompanhar as novas tendências mundiais, no final de julho a Ally Coffee trouxe ao Brasil sete baristas para uma série de visitas: seis americanos e o japonês Tetsu Kasuya. Bruno Tavares, CEO da trading e sobrinho de Ricardo, diz que a ideia não foi somente mostrar a produção aos estrangeiros. “Também queríamos que os produtores conhecessem esses profissionais que promovem o grão especial em todo o mundo ”, afirma. O grupo esteve na Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (Coopeavi), no município de Santa Maria de Jetibá (ES), para conhecer o trabalho de seus dez mil cooperados. Os baristas também conheceram quatro fazendas, entre elas três da Montesanto Tavares. “O Brasil é um País muito grande e tem cafés mais agradáveis do que eu esperava”, diz Kasuya. “A diversidade da produção impressiona.” O japonês é o atual campeão da World Barista Championship, evento que aconteceu em Dublin, na Irlanda, em junho, e no qual competiram profissionais de 50 países.
Manejo fino: dos terreiros de secagem aos viveiros de mudas, o fruto recebe tratamento especial para não perder a qualidade
Outro barista, o americano James Tooill, também é só elogios ao café brasileiro. Tooill ganhou em abril deste ano, em Atlanta, o campeonato da Specialty Coffee Association of America, uma das maiores entidades do setor no mundo, criada nos anos 1980 e que hoje reúne 2,5 mil empresas. “Já participei de campeonatos com misturas que levam grão brasileiro”, diz Tooill. “O País tem um dos cafés de origem que eu mais aprecio. Sou fã.” Porta-vozes máximos do sucesso das cafeterias, os baristas ganharam o status de celebridade nos países em que o consumo de bebida de qualidade superior cresce. “Eles são canais formadores de opinião”, diz Tavares. “São jovens que trafegam pelas redes sociais, possuem conhecimento e podem ajudar a nossa cadeia produtiva.”
Para Nelson Carvalhaes, presidente do Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé), a cadeia do grão sempre evoluiu, apesar de ser uma das mais antigas do agronegócio. “Evoluímos na produção, na logística, nas formas de comércio e agora estamos evoluindo na comunicação das qualidades dessa cadeia”, afirma Carvalhaes. “Há dez anos, o Brasil não era reconhecido pela qualidade de seu café.” Ele lembra também que a produção média do País no final da década de 1980, que era de sete sacas por hectare, hoje chega a 25 sacas. “Foi a evolução da tecnologia no campo que mudou esse quadro.”
Tavares também tem a mesma crença de Carvalhaes. E vem apostando que é na produção que todo o crescimento do grupo vai se sustentar. “É a terra que vai mostrar o caminho para os novos mercados e consumidores mais exigentes”, diz ele. Nas quatro fazendas localizadas em Minas Gerais, nos municípios de Angelândia, Capelinha, Pirapora e Ninheira, e também na fazenda em Luís Eduardo Magalhães (BA), o manejo correto do café é a principal tarefa da equipe de campo. Nos terrenos planos a máquina colhe o grão, mas nos mais ondulados o café ainda é colhido na mão. Nessas áreas, Tavares começou a integrar o café com o plantio de árvores e escolheu o mogno africano. Hoje são 160 hectares no sistema, com o café recebendo até 50% de sombreamento. Assim, a maturação se torna mais homogênea e mais lenta. Isso faz concentrar mais açúcares e permite um café de melhor qualidade. “Através da Ally, estamos conseguindo preços 20% acima do mercado ”, diz Tavares. “O café sombreado é mais valorizado porque além de ser vendido como uma boa bebida, ele tem história”.
As operações no terreiro de secagem, nos viveiros de mudas e na classificação dos grãos por qualidade também não fogem ao olhar atento de Tavares. Por exemplo, o café não vai mais para o chão após a derriça. “São práticas que precisam e devem ser difundidas porque elas trazem qualidade ao grão”, afirma. “Gostaria que todos os meus vizinhos de porteira produzissem cafés especiais, mas em algumas regiões estou sozinho”. A fazenda Primavera, de Angelândia, é um desses casos: Tavares é o único que produz café especial no município. Ele diz que as portas estão abertas para produtores que desejem conhecer o manejo do grão. “Sei que é uma questão de tempo ter esses produtores no sistema”, diz ele.
Exportadores: Paulino da Costa, presidente da Cooxupé, diz que a melhoria da gestão das propriedades traz qualidade ao grão
Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da Associação Brasileira de Cafés Especiais, afirma que o movimento de pequenos e médios produtores em busca de qualificação é crescente. “Os mercados reconhecem os cafés especiais, ou finos, como uma fronteira de sustentabilidade econômica para muitos produtores”, afirma Nogueira. Por isso, a quantidade de grupos de comércio justo, ou fair trade, tem aumentado. Atualmente, são cerca de 25 grupos.
Carlos Alberto Paulino da Costa, presidente da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (MG), a Cooxupé, diz que tamanho não representa insignificância na cadeia da qualidade. A cooperativa, que possui 12,6 mil associados, a maioria pequenos e médios produtores, vende no mercado externo 1,2 mil blends para 40 países. No ano passado, ela faturou R$ 4 bilhões, valor 57% superior a 2014. “O que explica o nosso crescimento é a melhoria da gestão das propriedades”, afirma Costa. “Para isso, é preciso monitorar a qualidade, porque só é possível melhorar aquilo que se mede.”
“Os mercados reconhecem os cafés especiais como uma fronteira de sustentabilidade econômica” Vanúsia Nogueira,diretora da Associação Brasileira de Cafés Especiais
Tavares acredita que é justamente a formação de produtores mais qualificados que abre a possibilidade de pensar em novos mercados. “Todo mundo está antenado no campo”, diz ele. “Olhe o que faz os grandes grupos, como a Três Corações e a Nestlé.” Tavares se refere aos investimentos dessas indústrias no município de Montes Claros (MG), em fábricas de cápsulas. A Nestlé investiu R$ 220 milhões e a Três Corações está investindo R$ 70 milhões. “Essas empresas têm visão de futuro e vão disputar a produção dos bons cafeicultores”, diz.
O produtor também conta que, no início deste ano, uma equipe do departamento de compras da Starbucks, rede americana de cafeterias, esteve em sua fazenda, no município de Capelinha, em busca de bons cafés. “Disseram que a rede, com três mil cafeterias só na China, vai abrir nos próximos dois anos mais mil lojas por lá”, afirma ele. “Aqui ou lá, eu não gostaria de ficar de fora de nenhuma dessas histórias.” Não por acaso, o executivo que raramente sai de férias e não vai para a cama sem antes checar a cotação do café na Bolsa de Nova York, no mês passado embarcou com a família para a Europa, um dia após receber a reportagem da DINHEIRO RURAL na fazenda Primavera, em Angelândia, a 460 quilômetros da sede do grupo. “Estou saindo por uma semana de férias, mas quero três dias só para mim”, disse ele. “Não posso perder a oportunidade de visitar algumas cafeterias, me encontrar com novos clientes e passar um tempo na trading de Lausanne.”