02/07/2014 - 12:37
O desafio de alimentar a crescente população mundial só pode ser tratado quando todas as partes interessadas – operações comerciais, governos e ONGs – encontrarem formas genuinamente justas e práticas de trabalho em conjunto, afirmou Bob Geldof (foto acima), cantor, compositor e humanista irlandês, na abertura de sua palestra no 10º AquaVision 2014 – Conferência Mundial de Negócios em Aquicultura, que ocorreu entre os dias 16 e 18 de junho, em Stavanger, na Noruega. A postura do ativista humanitário chamou a atenção do grupo composto por sete brasileiros que, a convite da Nutreco Brasil, participaram do evento que reuniu 400 líderes do setor, de 45 países.
Para o empresário Alberto Nomura, participar da AquaVision foi uma experiência única, que vai muito além da questão de mercado e negócios, ampliando a visão sobre sustentabilidade, desigualdade social e meio ambiente. “Foi muito positivo participar da Conferência, saí um ser humano melhor, acredito. Não buscamos informações de como produzir melhor somente, foi algo muito além. A palestra do Bob Geldof me abriu os olhos e ampliou nossos horizontes de como a aquicultura está inserida num contexto social, nos levando a reflexão”, enfatiza Nomura, que é proprietário da Fazenda Fonte, em Terenos (MS), onde produz tambacu e pintado da Amazônia há sete anos.
Com 25 ha de viveiros, Adalton Batista Amaral, produtor de camarão e distribuidor dos produtos da Nutreco Brasil, na região de Aracati e Jaguaruana (CE), disse que a AquaVision foi excepcional que levará como bagagem pelo resto da vida. “A mensagem principal que ficou é que devemos produzir e seguir a tendência do mercado, mas com responsabilidade. A Nutreco Brasil deu todo o respaldo para o grupo, desde traslados e suporte durante a Conferência. Foi uma experiência excepcional e só tenho a agradecer a Nutreco Brasil pela oportunidade”, afirma.
Também presente no evento, Antônio Kluppel, engenheiro agrônomo e gerente comercial de aquicultura da Nutreco no Brasil, destacou que a Aquavision reúne os líderes da aquicultura mundial com o propósito de trazer inspiração aos presentes para que possam encontrar as melhores soluções perante o grande desafio da humanidade: alimentar a crescente população cada vez mais urbana e com mais poder aquisitivo, garantindo o equilíbrio necessário que o ambiente precisa para nos dar suporte. “Nos mais variados temas, as palestras tem um sentido comum em apresentar a tendência da participação da aquicultura na cadeia mundial de fornecimento de proteína animal. Os nossos convidados trouxeram na bagagem uma importante mensagem sobre produzir com responsabilidade social e ambiental, levando toda a reflexão e inspiração que o ambiente da Aquavison proporcionou para seus núcleos de produção, onde eles exercem seus papéis de formadores de opinião”, completa.
O grupo brasileiro também foi composto pelo biólogo e gerente geral de aquicultura da Nutreco Brasil, Marcelo Toledo; Carlos Alberto Lemos Filho, da Mirante Pescados; Ricardo Araújo Silva, diretor administrativo da Compescal (CELM) e Rômulo Parente, da Profarm. Além da participação na grade de palestras e toda programação oficial do evento, os brasileiros fizeram uma visita técnica a um centro de produção de salmão e ao Centro de Pesquisa da Skretting ARC.
Apelo social – Principal atração na AquaVision, o astro do rock e ativista ambiental ressaltou que a aquicultura pode desempenhar o seu papel, fazendo a ponte entre a pesca sustentável e a demanda mundial por frutos do mar, mas que a indústria só pode esperar alcançar isso quando os sistemas forem implementados e gerenciados de forma responsável. “Precisamos chegar ao ponto em que a aquicultura não é apenas um negócio viável, mas também uma metodologia viável para manter todos nós vivos”, disse Bob.
Ele apelou para a indústria do segmento encontrar o equilíbrio entre o consumidor e demandas de negócios, sem se esquecer das necessidades sociais e ambientais mais amplas do planeta. “Quando você faz isso terá ajudado muito com questões da problemática atual, que é a desigualdade e o desequilíbrio. Por isso vale a pena lutar e vale a pena fazer certo. Tudo isso é possível de realizar, só precisamos de vontade, compromisso e compreensão absoluta de que vamos implementar essa mudança”, disse ele.
Honras da casa – A abertura da AquaVision 2014 foi feita pelo CEO da Nutreco mundial, Knut Nesse, que disse que a Aquicultura está relacionada a produção de proteína saudável e sustentável. “Nós não podemos obter mais da pesca selvagem. A solução para o crescimento da produção de frutos do mar precisa vir da aquicultura e, de acordo com o Financial Times, 2014 será um ano marcante, onde o consumo per capita de peixes de viveiro será maior do que o consumo de peixe selvagem”, disse Nesse. A conferência reuniu um vasto leque de oradores de todos os continentes para proporcionar aos participantes informações valiosas, ideias criativas e opiniões. Alguns dos principais temas e debates mais intensos focaram os desafios e oportunidades enfrentados pela aquicultura hoje e no futuro.
Mercado e sustentabilidade – Também palestrou na Conferência desse ano, Fred Formanek, da Advance Africa, líder no desenvolvimento de projetos agrícolas e de aquicultura sustentáveis, que compartilhou suas experiências de implantação de projetos de aquicultura na África Subsaariana e na região do Oceano Índico Ocidental. Já James Anderson, consultor de pesca oceânica e líder de aquicultura do Programa Global de Aquicultura do Banco Mundial (PROFISH), frisou que a medida que a população cresce, também cresce sua riqueza e seu consumo de proteína, incluindo frutos do mar.
De acordo com o relatório do Banco Mundial, “Peixe 2030: Perspectivas para a Pesca e Aquicultura”, os peixes foram responsáveis por cerca de 28% do consumo total de carne em 1980. Desse volume, a aquicultura contribuiu com apenas 3%. Em 2009, os peixes foram responsáveis por 31% do consumo de carne com a aquicultura fornecendo 14% desse total. Hoje, a aquicultura fornece 50% dos frutos do mar para consumo humano e alcançará dois terços do fornecimento até 2030. “A aquicultura é o setor de alimentos que mais cresce, aumentando cerca de 8% ano-a-ano, o que representa quase o dobro dos outros setores”, disse Anderson.
Jose Villalon, Diretor de Sustentabilidade da Nutreco, disse aos delegados que, nos próximos 40 anos, o planeta terá que fornecer mais alimentos do que forneceu nos últimos 8.000 anos. Ele acrescentou que, com rendimentos muito maiores do que porcos, galinhas, cordeiro e carne bovina, com base em índices de conversão alimentar muito mais baixos, peixes de viveiro devem ser reconhecidos por serem muito mais eficientes e ambientalmente amigáveis do que outras proteínas. “Aquicultura pode ser usado como um modelo de como a proteína deve ser cultivada no futuro”, disse Villalon.
Especialista em clima, o professor norueguês Jorgen Randers, da Norwegian Business School tem 40 anos de experiência em análises de cenário global. Ele incentivou a indústria da aquicultura a tomar um papel de liderança na sustentabilidade. “A indústria da aquicultura sustentável requer regulamentações globais, mas a própria indústria tem que convencer os líderes mundiais para que aprovem essas legislações”, disse Randers.
Visionários – Imagine uma infância sem LEGO. Enquanto tal cenário parece irrealista hoje, apenas uma década atrás, a marca de brinquedos mundialmente conhecida estava à beira do colapso. No segundo dia da AquaVision 2014, sob o tema “Além do Futuro”, o professor David Robertson, autor de “Peça por peça: Como LEGO redefiniu o conceito de inovação e recriou a indústria mundial de brinquedos”, nomeado pela Forbes como o melhor livro de negócios de 2013, explicou como nos últimos 10 anos a empresa LEGO mudou as perspectivas negativas para se tornar uma das empresas mais saudáveis, mais rentáveis e de mais rápido crescimento na indústria atual de brinquedo.
Sob o mesmo tema, Trond Williksen, CEO do Grupo AKVA, destacou algumas das principais tendências da aquicultura. Em particular, ele ressaltou que a indústria do setor tem agora um “desafio exponencial” na zona costeira, sendo que quanto mais próximo o cultivo é do litoral, maior é o desafio. Isto é devido à concentração de interesse dos acionistas, bem como os possíveis impactos ambientais das atividades concentradas, disse ele. “Se olharmos para trás grande parte dos recursos significativos investidos em desenvolvimento tecnológico ao longo da última década, uma proporção enorme tem sido usada para resolver os desafios desta zona – visando permitir que a indústria continue a expandir as suas atividades lá. Pequena parte dos recursos foi alocada para olhar para outras opções”, disse Williksen. “No entanto, uma das principais tendências que estamos vendo agora é a diversificação longe da zona costeira. Motivados pela necessidade de se pensar em alternativas, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas”, completou.
Encerramento – A 10 ª edição da Conferência Mundial de Negócios em Aquicultura foi oficialmente fechada por Steven Rafferty, Diretor Geral do Grupo Skretting, divisão de aquicultura da Nutreco. Agradecendo a participação dos presentes, Rafferty disse que não há dúvida de que a aquicultura é uma indústria vencedora e precisa encontrar as espécies mais viáveis para alimentar uma população mundial que vai crescer para 9 bilhões de pessoas até 2050.
“Quando Kofi Annan foi o nosso orador principal, há dois anos, ele disse ser um grande defensor da aquicultura. Ele nos disse para não mudar o que estávamos fazendo, mas nos pediu para acelerar nosso progresso. Da mesma forma este ano, Bob Geldof foi extremamente positivo sobre nossa indústria e nos desafiou a encontrar soluções que sejam boas para os negócios, mas que também sejam boas para o planeta”, afirmou Rafferty. “Essas são mensagens claras de nossos principais palestrantes. Duas pessoas muito diferentes com origens diferentes, mas ambos com uma paixão para alimentar o mundo e com fortes mensagens para nos motivar a seguir em frente.”, complementou.
Rafferty também revelou que, após o seu discurso no dia da conferência de abertura, Bob Geldof ofereceu sua ajuda e apoio para a indústria depois de ficar muito motivado pelas pessoas que conheceu na AquaVision.
Com a maior parte do crescimento populacional está previsto para acontecer na Ásia e na África, Rafferty disse que a expansão sustentável da aquicultura em países em desenvolvimento e em novas regiões deve ser uma prioridade na agenda do setor, assim como a inovação, aumentando a produtividade e controlando ainda mais a utilização de matéria-prima. Outro fator cada vez mais importante é aumentar o envolvimento dos governos, órgãos reguladores e ONGs para se certificarem de que a aquicultura continua sendo uma indústria responsável. “Eu acho que nós já temos uma história fantástica para contar e devemos nos esforçar ainda mais já que ocupamos um papel fundamental em ajudar na entrega de um futuro mais sólido para as pessoas ao redor do mundo”, disse ele.
Sobre AquaVision – Realizado a cada dois anos, a AquaVision atrai empresas renomadas, líderes da indústria e especialistas ansiosos com o olhar visionário da aquicultura. A primeira edição da Conferência ocorreu em 1996 e, desde então, a AquaVision desenvolveu-se como um ponto de encontro principal para os tomadores de decisão na aquicultura moderna em todo o mundo. O evento define a direção para o desenvolvimento futuro na piscicultura e outros tipos de aquicultura.
Na AquaVision 2012, o principal momento foi a palestra do membro executivo da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan, que abordou o tema “Como a aquicultura pode contribuir para alimentação de 9 bilhões de pessoas em 2050?”.