Uma situação delicada tem preocupado os produtores nacionais de substratos agrícolas e agricultores. Trata-se de uma brecha na legislação que está facilitando a entrada de toneladas de turfa no Brasil, sem a devida fiscalização fitossanitária. Turfa é um vegetal parcialmente decomposto que pode ser utilizada na agricultura, como combustível de caldeiras, material para emergências em caso de acidente ambiental – na absorção antiderramento – ou para filtragem de material pesado. A ausência de fiscalização adequada para a chegada desse material ao Brasil pode possibilitar a entrada, dentro outros, do fungo Thielaviopsis basicola que, mesmo em pequenas quantidades, é capaz de atacar mais de 900 tipos de plantas.

Somente esse ano, a chegada do produto ao País, já ultrapassa os 10 milhões de quilos. A associação que representa a categoria, Associação Brasileira de Insumos para Agricultura Sustentável (Inpas), busca, em caráter de urgência, formas para coibir a situação e aguarda providências do Ministério da Agricultura (MAPA).

Desde 2012, a INPAS tenta chamar atenção do Mapa para os riscos fitossanitários da entrada de turfa importada no Brasil. Em feveiro/2015, o Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul entendeu haver inconformidades no substrato feito a partir da turfa trazida de fora e abriu um inquérito baseado no Código Nacional de Defesa do Consumidor. Em maio/2015, a situação ganhou novo apoio com o acionamento do MAPA pelo MPF-RS por conta da identificação de risco fitossanitário que a entrada irregular de turfa no País pode acarretar para a agricultura nacional, bem como dos substratos produzidos a partir do produto importado.

“O que acontece hoje é que o produto entra no Brasil como turfa e, após suposta fiscalização [apenas visual], é vendido como composto para substratos agrícolas, aproveitando-se de brechas na legislação nacional”, explica Edson Kenji Tsuzuki, diretor presidente da INPAS ao também sugerir que a turfa chega ao Brasil categorizada como combustível, mas acaba sendo distribuída e usada para outros fins ao sair do porto.

Diante desse cenário, a categoria luta para que o Mapa adeque a fiscalização e, se necessário, investigue situações que, inclusive, inviabilizam a comercialização do substrato nacional. “O Brasil é autossuficiente na produção de substratos. Temos um produto de excelente qualidade e um mercado que existe há mais de 30 anos, com diversas empresas, de pequeno e médio porte, consolidadas”, completa Tsuzuki.

Hoje em dia, o substrato produzido a partir de turfa tem sido usado, principalmente, em plantações de fumo, com grande incidência de cultivo familiar no Brasil, principalmente na região Sul. Sabe-se que um fungo nessa plantação pode levar milhares de famílias à falência. “O risco fitossanitário que estamos questionando é de interesse de todos”, ressalta o diretor presidente da Inpas.

HISTÓRICO – A situação que possibilitou a entrada de turfa sem fiscalização adequada no Brasil teve início nos anos 2000, quando houve um vazamento de óleo na Baía de Guanabara, incidente que obrigou as petrolíferas importarem os primeiros volumes consideráveis do produto para conter os estragos. Em 2005, uma instrução normativa do MAPA dispensou das análises de risco de praga espécies de origem vegetal que já tivessem entrado no Brasil anteriormente. “O Brasil carece de legislação clara e eficaz, com ARP [Análise de Risco de Pragas] para turfas e demais produtos agrícolas, como acontece em outros países”, aponta Bruno Simões Correa, advogado que representa a Inpas.

Em 2012, a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), entidade ligada à USP e reconhecida por órgãos governamentais, manifestou-se – em carta enviada diretamente ao Departamento de Sanidade Vegetal, responsável pela vigilância sanitária dentro do MAPA – sobre os riscos da entrada de patógenos exóticos por meio de substratos importados de diversas origens e a necessidade de Análise de Risco de Praga (ARP), padrão para importação de produtos de espécie vegetal. No mesmo período, a Inpas também enviou carta ao Departamento com relatório final do grupo de estudos, sugerindo a criação de vários grupos de trabalho para desenvolvimentos de análises de plantas daninhas, pragas quarentenárias, entre outras espécies.

Em março de 2013, o então secretário de Defesa Agropecuária do órgão suspendeu a importação de turfa. Em outubro desse mesmo ano, com a troca de cargos dentro da entidade governamental e um conhecido lobby da embaixada canadense, a instrução normativa cai, e a situação de risco de contaminação de praga à agricultura brasileira se agrava novamente. “É sabido que durante o período de proibição de entrada da turfa no Brasil, a mesma continuou a entrar em grandes quantidades”, comenta Simões.

Em outubro de 2014, a Inpas entra com nova petição no MAPA questionando porque a entrada de turfa não respeitava acordos internacionais de proteção fitossanitária, dos quais o Brasil é signatário. Em dezembro seguinte, a Associação leva ao conhecimento do Ministério uma análise feita pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em que são identificadas irregularidades no substrato nacional, produzido por uma das das maiores empresas do segmento.   

Em 2015, o MPE-RS e MPF-RS instauraram três inquéritos civis abertos. Um deles, do MPE, questiona o MAPA sobre a desconformidade do substrato produzido a partir da turfa importada; o segundo, instaurado pelo MPF, reivindica a necessidade de análise da turfa importada, por conta do risco fitossanitário que a entrada de produtos vegetais pode acarretar para o Brasil; e o terceiro, também do MPF, acompanha o processo no MAPA referente às desconformidades físico-químicas encontradas no substrato analisado.

“É importante deixar claro que, com todos os processos legais, a INPAS não busca proibir a importação de turfa, mas sim regulamentar a fiscalização, o que igualaria as normas de comercialização do produto para todos os fornecedores [nacionais ou importadores], da mesma maneira que somos tratados quando exportamos para outros países”, completa o diretor presidente da Associação. Fonte: Ascom/Inpas