Memórias: pecuaristas se reuniam semanalmente na Praça do Boi para fixar o preço da arroba no mercado, comprar ou vender o seu gado, tudo entre amigos

 

Importância: para “Alfredinho”, Araçatuba nunca deixará de ser a Capital do Boi Gordo

Os primeiros raios de sol nem bem refletiam as ruas de terra batida e alguns senhores já estacionavam suas novíssimas picapes Ford anos 50, ao redor da praça Rui Barbosa, região central de Araçatuba (SP). Alguns iam a cavalo. Nas vielas que circundam o coreto da pracinha, o cheiro do cigarro de palha dominava o ambiente e indicava que grandes negociações seriam feitas. Tião Maia, Torres Homem, Dico, Donald, Alfredo e muitos outros eram figuras carimbadas naquelas reuniões informais e estavam ali para negociar bois e fixar o valor da arroba no mercado, tudo anotado a lápis em cadernetas ou acertado só no boca a boca, na maior confiança. Por isso, apelidaram o local de “Praça do Boi”. A cada semana, mais senhores igualmente trajados com paletó e chapéu chegavam ao local para comprar ou vender boi. A fartura era tanta que os amigos resolveram juntar todo o gado dos seus pastos e criaram o Concurso do Boi Gordo. Trataram de espalhar a notícia para os parentes, principalmente os de Uberaba, que se gabavam de ter o melhor rebanho. Assim, e com o maior número de animais do Brasil, Araçatuba tornou- se a “Capital do Boi Gordo”. Tanta pompa, porém, ficou perdida no tempo. Araçatuba hoje é mais canavieira do que pecuária. Praça e boi foram apartados pelo furacão chamado etanol, mas, se depender de alguns pecuaristas, isso ainda será revertido.

Com o mito criado e personagens que continuam perpetuando a história da pecuária, Araçatuba vem sofrendo profundas mudanças nos últimos 20 anos, a começar pela perda de quase 2 milhões de hectares de pastos, que pertencem ao município de Santo Antônio do Aracanguá, emancipado em 1991. “Para se ter uma ideia, Santo Antônio do Aracanguá tem a 14ª maior área do Estado de São Paulo”, conta Alfredo Ferreira Neves Filho, o Alfredinho, pecuarista araçatubense e atual presidente da Câmara Setorial da Carne Bovina.

 

Mito: Torres Homem Rodrigues da Cunha aprendeu com o pai, Vicente, a negociar gado na Praça do Boi de Araçatuba

“Em décadas passadas, toda esta área era de Araçatuba e guardava o rebanho mais valioso do País.” Alfredinho é um articulador do meio rural e aprendeu, a duras penas, conter a emoção ao trazer à tona suas memórias. Otimista, sempre tenta encarar as mudanças econômicas da cidade com bons olhos e tentando ver o lado positivo do negócio. “A cana chegou e mudou o perfil de Araçatuba e de toda a região, mas, por outro lado, esta nova cultura econômica trouxe mais dinheiro para a cidade. Muitos pecuaristas arrendaram suas terras, mas ninguém deixou de ser pecuarista por causa disso”, justifica. “O que aconteceu é que levamos o gado para outros Estados e arrendamos nossos pastos daqui para fazer dinheiro.” Com a rentabilidade da cana, Alfredinho aumentou 30% do seu rebanho em sua fazenda localizada em Mato Grosso do Sul. “Mas uma coisa é certa: Araçatuba nunca deixará de ter sua importância como a Capital do Boi Gordo.

Nova geração: José Carlos Prata Cunha dará continuidade ao legado deixado pelo pai, Torres, e o avô

Esta importância ganha notoriedade principalmente no mês de julho, com a realização da Exposição Agropecuária de Araçatuba, a Expô. Donald Wilfred Strang, o criador do evento, dá nome a uma das principais ruas do recinto, que este ano promete bater recorde no número de animais. O nelore ainda predomina. “Estamos conseguindo resgatar muito da cultura pecuária nos últimos anos. Araçatuba é uma das mais importantes cidades do setor e vai continuar sendo”, diz José Carlos Prata Cunha, filho de Torres Homem, falecido no ano passado. Prata Cunha faz parte da nova geração de pecuaristas de Araçatuba, assim como Antônio Carlos Ferreira, atual presidente do Sindicato Rural da Alta Noroeste (Siran), que desde 2008 organiza uma das maiores comitivas do Brasil, na abertura da Expô. No ano passado, o próprio Ferreira encabeçou o movimento de criação de um espaço específico para a Queima do Alho, prática dos pecuaristas “das antigas”.

“Resgatar esta cultura de pecuária é essencial para mantermos o título de Capital do Boi Gordo. A cana é muito bem-vinda sim. Ela traz benefícios para a economia local, mas não vamos permitir que a história se perca no tempo.” Neste mês, acontecem na cidade grandes leilões como o Guadalupe, Fortaleza e outros. “Podem dizer o que quiserem, mas todas estas pessoas que vêm para cá durante o evento provam que a cidade sempre terá prioridade nos negócios de boi”, define o prefeito da cidade, Aparecido Sério da Silva. Ainda fazem parte do movimento de resgate as iniciativas do pecuarista Jamil Buchalla, que em maio deu vida ao Núcleo de Criadores de Quarto-de- Milha do Noroeste Paulista. “Vamos conseguir resgatar a história desta região”, diz Buchalla, certo do sucesso dessa nova jornada.