23/02/2021 - 13:30
A microempresária e pesquisadora baiana Michele Prado, de 42 anos, que se diz antipetista e integrante da “direita democrática e liberal”, não tem diploma em ciência política, mas é PhD em bolsonarismo.
Como influenciadora digital desde os tempos do Orkut, em meados da década de 2000, e participante de grupos da chamada “nova direita” no WhatsApp, ela acompanhou de perto o processo de radicalização do bolsonarismo, que culminou com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), após a divulgação de um vídeo em que ataca ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defende o AI-5.
Autora do livro Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: A Alt-right e o populismo i-liberal no Brasil, a ser lançado em 23 de março, Michele afirma que Daniel Silveira e outros parlamentares bolsonaristas agem para que haja o enfraquecimento da confiança nas instituições que formam a base do estado de direito. “Os bolsonaristas atuam para ‘normalizar’ a ruptura institucional”, diz ao Estadão.
Como a sra. viu a divulgação do vídeo do deputado Daniel Silveira, no qual ele ataca ministros do STF e defende o AI-5?
Foi um ato gravíssimo, mais um ataque dos bolsonaristas para incentivar uma ruptura institucional. O conteúdo do vídeo mostra que a radicalização dos bolsonaristas vem numa escalada e chegou ao estágio em que eles já deveriam ser enquadrados como extremistas. Nas grandes democracias, um ato dessa natureza seria caracterizado como fomento ao “terrorismo”. O deputado Daniel Silveira e outros parlamentares bolsonaristas atuam para que ocorra na sociedade uma ampliação dos limites de aceitação do absurdo, para que haja o enfraquecimento da confiança nas instituições que formam a base do Estado democrático de direito. O pior é que não dá para dissociar o deputado do presidente Jair Bolsonaro. Ambos comungam dos mesmos objetivos e das mesmas crenças e práticas políticas.
Na sua percepção, qual teria sido o objetivo do deputado com a divulgação desse vídeo?
O deputado Daniel Silveira é um típico troll. O que é um troll? É uma figura que surgiu na internet para provocar uma reação da opinião pública e conseguir visibilidade. Quando ele faz isso, leva muita gente a comentar e a se questionar se, de repente, com o AI-5 e sem o STF não seria melhor, levando o debate para um nível de extremismo. Eu monitorei as páginas e os perfis do deputado nas redes e ele ganhou mais de 20 mil seguidores em três dias, foi capa dos jornais, tema de todos os debates desde então.
Como a sra. analisa o movimento bolsonarista?
A primeira coisa que precisa ficar bem clara é que o bolsonarismo é um movimento de extrema direita, que se iniciou como direita radical, mas avançou para o extremo do espectro político. Ao contrário da direita radical, que não busca um rompimento institucional, a extrema direita pretende a ruptura da ordem liberal, da democracia liberal no País. Esses grupos de extrema direita, que estão proliferando no mundo todo, se utilizam de diversos métodos para radicalizar mais, conseguir adeptos e romper certas barreiras que existem no debate público. Eles vão colocando certos temas em pauta para “normalizar” a percepção de temas como a volta do AI-5 no Brasil e o fechamento do STF, que representam uma ruptura institucional.
Não é um exagero dizer que o bolsonarismo é de extrema direita, porque o deputado Daniel Silveira falou mal do STF e de seus ministros?
Por muito tempo, a esquerda colocou toda a direita, inclusive a democrata e liberal, dentro do balaio de extrema direita, dizendo que todo mundo era fascista, e isso acabou banalizando o termo. Mas o deputado Daniel Silveira se enquadra perfeitamente dentro do espectro da extrema direita, entendida como o grupo político que é contra os princípios da democracia liberal e tem preferência por um modelo autocrático de governo. Agora, é importante deixar claro que nem todas as pessoas que votaram em Bolsonaro e o apoiam fazem parte dessa corrente radical. O bolsonarismo engloba muitos grupos diferentes, que muitas vezes discordam entre si.
A que a sra. atribui a emergência no Brasil desse grupo radical representado pelo deputado Daniel Silveira e outros bolsonaristas, como a ativista Sara Geromini e os blogueiros Oswaldo Eustáquio e Allan dos Santos?
São muitos vetores. O primeiro foi o antipetismo, mas não foi isso só que levou à radicalização. O que impulsionou mesmo a radicalização foi o compartilhamento de certos conceitos nas redes sociais desde a formação da chamada “nova direita” no País. Foram conceitos trazidos pelo (escritor) Olavo de Carvalho, como o antiglobalismo, o marxismo cultural e todo o aparato usado pela extrema direita do mundo.
Qual é, afinal, a grande fonte de inspiração do bolsonarismo?
O bolsonarismo é totalmente inspirado na alt-right americana, que surgiu como um fenômeno essencialmente online. A direita alternativa, que conseguiu vencer eleições em várias partes do mundo, tem base intelectual. Não se resume só aos rapazes da internet que fazem os memes. Só que esses conceitos foram colocados no debate público da bolha da direita no Brasil como se fossem moderados e exemplos do conservadorismo e do liberalismo tradicionais.
Até que ponto as redes sociais favorecem o crescimento desses grupos extremistas?
Favorecem bastante. As redes sociais amplificam tudo. Há uma sedução pelos likes. Quando um político como o deputado Daniel Silveira faz um vídeo xingando uma pessoa, ele viraliza. Isso atrai muita gente, especialmente quem está no anonimato, quem tem ressentimentos e quem não se acha representado dentro do processo político.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.