Um dia depois de receber um “sinal amarelo” do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), pela forma como conduz o enfrentamento da pandemia no País, o presidente Jair Bolsonaro recebeu o deputado para uma conversa no Palácio do Planalto. Após o encontro, Bolsonaro afirmou ter “zero problema” com o aliado, que ajudou a eleger ao comando da casa legislativa.

“Conversei com o Lira e não tem problema nenhum entre nós. Zero problema”, disse Bolsonaro. “Nunca teve nada errado entre nós. Sou velho amigo de Parlamento. Torci por ele e o governo continua tudo normal”, reforçou.

O discurso dúbio de Bolsonaro – que pede união para enfrentar o vírus, mas ao mesmo tempo promove embates com governadores e defende medicamentos sem eficácia – levou o presidente da Câmara a fazer nesta quarta-feira, 24, um alerta ao Palácio do Planalto. Lira disse que o Legislativo não tolerará novos erros por parte do Poder Executivo no enfrentamento da pandemia da covid-19.

“Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o País se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a ser praticados”, disse o deputado na tribuna da Câmara.

A declaração ocorreu horas depois de Lira participar de uma reunião com Bolsonaro e diversos ministros do governo para tratar do combate à covid-19. Também participaram o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Como revelou o Estadão, foi a última tentativa do grupo de convencer o presidente da República a mudar a postura negacionista que prejudica as ações de combate à covid-19.

No encontro, realizado no dia em que o Brasil atingiu a marca de 300 mil mortes pela doença, foi definida a criação de um comitê para coordenar ações de combate à covid-19. Questionado desde ontem, porém, o Palácio do Planalto não informou como atuará nem quem fará parte do grupo.

Ao fim da reunião desta quinta-feira no Planalto, Bolsonaro desceu para acompanhar Lira pessoalmente até o carro e falou rapidamente com jornalistas. Segundo o presidente, durante a conversa, vários assuntos foram abordados, entre eles o combate à pandemia. “O que nós queremos, juntos, é buscar maneiras de contratar mais vacinas. É, na ponta da linha, fazer com que cheguem informações de que vacinas estão sendo aplicadas. É isso que queremos”, disse Bolsonaro. O presidente da Câmara saiu do encontro sem dar declarações.

Alemanha

Mais cedo, ao conversar com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro distorceu uma declaração da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, para se opor a medidas de isolamento social adotadas nos Estados como forma de conter a propagação do vírus. O presidente disse que Merkel cancelou um “lockdown” que haveria no país europeu por entender que as restrições são muito mais graves para a economia.

“Ia ter o lockdown rigoroso lá e ela cancelou e pediu desculpas. Ela falou lá, segundo a imprensa, que os efeitos de fechar tudo é muito mais grave que os efeitos do vírus. Palavras dela”, afirmou o presidente.

Apesar do que disse Bolsonaro, não foi o que a chanceler declarou. Conforme relato da rede alemã Deutsche Welle de rádio e TV, a suspensão das medidas restritivas aconteceu por não terem sido planejadas com antecedência e em razão do curto período para adotá-las. “A ideia (do lockdown) foi um erro. Havia boas razões para optar por ela, mas ela não pode ser implementada suficientemente bem nesse curto período de tempo”, disse Merkel, segundo a rede. “Esse erro é somente meu”, ressaltou a chanceler alemã. “Lamento profundamente e peço desculpas a todos os cidadãos.”

Diferentemente do que disse Bolsonaro, a Alemanha foi um dos primeiros países na Europa a adotar restrições de circulação no ano passado, mas flexibilizou as medidas após os números da doença desacelerarem. No fim do ano, porém, Merkel chegou a adotar ações mais rígidas para evitar aglomerações durante as férias de verão e as festas.

Bolsonaro é crítico a medidas de isolamento social adotadas no Brasil, por decisão de prefeitos e governadores, sem uma estratégia nacional. O presidente chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal para derrubar o toque de recolher determinado na Bahia, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal, mas teve o pedido negado.

Mourão

Na mesma linha de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta quinta-feira, 25, não ver condições para um lockdown nacional. Segundo ele, a medida, discutida várias vezes, seria “impossível” de ser implementada em um País desigual como o Brasil. “Vai ficar só no papel. Julgo que medidas restritivas têm que ficar a cargo de governadores e prefeitos; cada um sabe como está a situação na sua área. E o governo federal tem de dar o apoio necessário, não no caso dessas medidas, mas em termos de recursos financeiros”, completou ao chegar no Palácio do Planalto. Ele não participou do encontro com Lira.

Segundo Mourão, o número de mortes pela covid-19 no País “ultrapassou o limite do bom senso” e o governo trabalha, neste momento, para reduzir o número de casos. “Tem um novo ministro da Saúde, que assumiu o comando ontem, e agora vamos enfrentar o que está aí e tentar de todas as formas diminuir a quantidade de gente contaminada e, obviamente, o número de óbitos, que já ultrapassou o limite do bom senso”, disse o vice-presidente.