03/05/2017 - 16:54
Se perguntar a um estrangeiro, por exemplo um europeu, quais pratos representam o Brasil mundo afora, certamente ouvirá que o churrasco é um deles. Mas, se a pergunta for para um japonês, a resposta será o frango. Hoje, 70% das aves consumidas no país do sol nascente são criadas por aqui. E se a mesma indagação for dirigida a um russo? Não há dúvida de que a carne citada será a suína. Os russos são os maiores importadores do produto, com cerca de 40% do total vendido pelo País. As carnes estão entre os itens mais valorizados no agronegócio porque o setor passou por uma transformação que levou o Brasil a sair da condição de importador de alimentos há cerca de três décadas, para um dos maiores exportadores globais (leia mais na pág. 22). Juntas, as quatro maiores empresas do setor de proteína animal formam um império presente em cerca de 140 países com as suas exportações. No ano passado, JBS, BRF, Marfrig e Minerva faturaram R$ 232,9 bilhões, valor 4,2% acima de 2015.
No ranking elaborado todos os anos pela DINHEIRO RURAL, e publicado em dezembro, no qual constam as 500 Maiores Empresas do Agronegócio, o volume faturado pelas quatro representa cerca de 20% da receita somada de todas as empresas listadas no anuário. Como medida para dimensão do poder de fogo desse quarteto, a receita de 2016 ficou R$ 10 milhões acima do que o governo federal se propôs a gastar com saúde e educação para toda a população brasileira em 2017.
Foi a política implementada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na última década e meia, que tornou o Brasil definitivamente uma nação forte no mercado mundial de proteína animal. As candidatas a globais nacionais também receberam injeções de recursos de fundos de pensão de empresas estatais e de bancos públicos para terem estatura para competir no mercado internacional. Esses investimentos vieram de duas formas: empréstimos subsidiados e compras de ações feitas por esses fundos de pensão e pelo BNDESPar, fundo de participações pertencente ao banco. Segundo Felippe Serigati, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da instituição (GVAgro), a medida teve como base o polêmico modelo desenvolvimentista adotado pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “Para eles, o crescimento do País dependia de criar empresas fortes, capazes de competir entre os gigantes do mercado internacional, em setores importantes da economia, assim como minérios, bebidas e papel e celulose, por exemplo”, diz Serigati.
No caso das carnes, a JBS soube aproveitar rapidamente as linhas de crédito abertas e as parcerias com fundos de investimento para se tornar uma gigante mundial. Criada em 1953, na cidade de Anápolis (GO), por José Batista Sobrinho, a empresa se transformou nas mãos dos filhos José Batista Júnior, Wesley e Joesley, passando a ocupar o posto de maior do mundo em proteína animal. Com capital aberto em bolsa, seu valor de mercado no início de março era de R$ 32,7 bilhões. No ano passado, a receita obtida foi de R$ 170,3 bilhões, 4,5% acima do desempenho de 2015. O processo de internacionalização da JBS começou em 2005 e tomou impulso em 2007, ao adquirir marcas fortes nos mercados em que pretendia ampliar a participação. Com investimentos do BNDES, a JBS apostou em uma agressiva política visando mercados consumidores exigentes. Comprou as americanas Swift e Pilgrim’s Pride nos Estados Unidos, a Seara no Brasil e Moy Park na Europa. Hoje, ela está em 17 países, com 66 unidades de abate de aves, 63 unidades de bovinos, 20 confinamentos, cinco unidades de abate de ovinos e 14 de suínos. Em 2016, seu lucro foi de R$ 376 milhões.
Já a BRF, resultado da fusão da Sadia com a Perdigão em 2009, está entre as gigantes na área de carne suína e de aves. No ano passado, sua receita foi de R$ 33,7 bilhões, valor 4,6% acima de 2015. A BRF mantém 54 fábricas em sete países: Argentina, Brasil, Emirados Árabes Unidos, Holanda, Malásia, Reino Unido e Tailândia. Com o empresário Abilio Diniz na presidência do Conselho de Administração da BRF a partir de 2013, a empresa vem passando por transformações profundas em sua gestão. Por exempo, nos últimos três anos foram investidos R$ 1 bilhão em aquisições e criação de marcas. Não por acaso, de olho em melhorar a sua distribuição em mercados nos quais já era forte, a BRF fez do Oriente Médio seu principal foco, com o investimento de R$ 160 milhões em uma unidade de processamento nos Emirados Árabes Unidos. No ano passado, ela criou a Sadia Halal, voltada ao consumo dos povos muçulmanos. Nessa região, em uma população estimada em 344 milhões de habitantes, cerca de 308 milhões são muçulmanos. “O mercado de varejo é muito concentrado no mundo todo e era preciso criar empresas com tamanho suficiente para ter força de negociação”, afirma Serigati.
O plano de expansão internacional, logicamente, só deu certo graças aos investimentos dessas empresas no aperfeiçoamento na produção, em estratégias bem-sucedidas criadas por seus executivos e em razão da crise econômica mundial, a partir de 2009, que favoreceu a aquisição de ativos no exterior com preços menores. “A conjuntura internacional permitiu a expansão da inserção do Brasil no mundo, que, no caso das carnes, atingiu uma quantidade de compras e a entrada em novos mercados que antes parecia inimaginável”, afirma Serigati. Outros grupos frigoríficos de porte, como o Marfrig e a Minerva Foods, também souberam aproveitar as oportunidades para chegar ao mercado internacional. Não por acaso, no ano passado, alcançaram receitas maiores que em 2015, respectivamente R$ 19 bilhões e R$ 9,5 bilhões. Carlos Marcio Cozendey, subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério de Relações Exteriores, afirma que o esforço das empresas de fato foi fundamental para esse resultado. “Mercado se conquista com preço e qualidade”, diz. “Essas empresas já eram exportadoras importantes, cresceram no Brasil comprando seus concorrentes e depois foram competir com as grandes empresas globais”, afirma Cozendey.
Mas a mudança que permitiu a expansão do produto brasileiro no mercado local e no mundo começou no campo. É o que garante o professor Roberto de Oliveira Roça, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Jaboticabal. “Nos últimos 30 anos tudo mudou”, diz Roça. “Passamos a contar com genética superior, nutrição e sanidade mais avançadas, além de tecnologia no campo.” Avanços nas regras de bem estar animal, que hoje estão disseminadas nas empresas de ponta do setor, promoveram uma mudança progressiva, porém definitiva, na qualidade dos produtos e na forma de produção de animais no campo. “Hoje, temos suínos mais uniformes, abate de aves em metade do tempo que nos anos 1960 e abate humanitário de bovinos”, afirma o professor. “Foi uma evolução progressiva, porém fantástica.”
O avanço do conhecimento no campo acompanhou o crescente desejo do consumidor por um produto de melhor qualidade e a consciência dos produtores de que era preciso e possível fazer mais com menos. Como resultado desse processo, o Brasil passou de um País importador de proteína animal, no anos 1980 para um dos maiores exportadores do mundo nos anos 2000. “Houve um grande esforço dos integrantes da cadeia produtiva e dos governos para que a carne produzida no País tivesse maior qualidade”, diz Rogério Kerber, diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado do Rio Grande do Sul (Sips). A abertura do mercado russo em 2000, que até hoje é o maior importador desse tipo de carne do País, foi um dos principais resultados desta melhora. Mas ainda há um potencial extraordinário a ser explorado pela indústria da carne. Um estudo realizado pela Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex-Brasil) e o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) em 2015, e que vem pautando as iniciativas do governo federal na região, mostra que as maiores oportunidades de expansão estão no país asiático, no setor de carnes. Motivo: uma das principais conclusões do estudo é que os chineses vêem qualidade no produto brasileiro.