O tempo estava encoberto, e os raios do sol apareciam apenas quando o movimento das nuvens permitia. O clima umbroso e a paisagem cercada por árvores ajudavam a compor o cenário perfeito para uma batalha ou para uma bela caçada, na outrora Idade Média. No entanto, a cena do cavalo imponente e do cavaleiro com arco e flecha em punho não está mais em séculos passados, ela surge em pleno século 21 embalada, nesse panorama, apenas pelo espírito esportivo, na chácara do Rosário, localizada na cidade de Itu, no interior de São Paulo, distante 100 quilômetros da capital. Nesse local, propriedade de sua família, o cavaleiro paulista Fernando Almeida Prado pratica e dá aulas semanais de arquearia montada. Segundo Almeida Prado, que é também criador de mangalarga, a sensação ao se praticar o esporte, de entrada ainda recente no Brasil, é de poder e força. “Acredito que os guerreiros medievais eram tomados por esses sentimentos, quando derrubavam um inimigo ou alimentavam sua tribo com uma caça”, diz. Para ele, a condução do animal lhe basta para despertar a sensação de poder. “Só para começar, o arqueiro precisa cavalgar sem segurar as rédeas do cavalo.”

ORIENTE MÉDIO: o arqueiro Fernando Almeida Prado (em ação na chácara do Rosário) recebeu o troféu entregue pelo rei Abdullah II, em Amã, na Jordânia

Trata-se de um esporte milenar. A arquearia montada surgiu nas estepes da Eurásia, na borda oriental da Europa, e na Ásia, há mais de 2.500 anos. Muitos povos da Antiguidade ficaram conhecidos por seus grandes cavaleiros e arqueiros, como os citas, hunos, mongóis, magiares e avaros. “Todos esses povos tinham um estilo de vida intimamente ligado ao cavalo, o que tornava o deslocamento pela estepe mais rápido, a caça mais eficiente e o exército mais combativo”, diz Almeida Prado. Outros povos, ainda que não fossem tão dependentes do cavalo, utilizavam arqueiros montados em seus exércitos, justamente para ganhar mais força. “Entre eles estavam os chineses, os romanos, os persas e os japoneses.”

Almeida Prado começou a praticar a arquearia em 2008 e com apenas três anos no esporte já conquistou o 14º lugar no torneio Al Faris, realizado em junho deste ano, em Amã, na Jordânia, no Oriente Médio. Para mostrar que o Brasil também entende de combate e domínio, ou pelo menos que já entendeu, Prado optou por representar o País trajado como um bandeirante. “A minha referência é a história da chácara do Rosário, construída em 1756”, diz. A arquitetura típica do casario do período dos desbravadores do interior brasileiro está preservada, tal como foi construída na época em que a propriedade chamava-se Engenho Grande e era uma das maiores produtoras de açúcar da província de São Paulo.

 

A história do jogo

A arquearia montada surgiu como maneira de preservar as antigas habilidades equestres do povo da Mongólia, quando ela se tornou independente, em 1921. De lá para cá, de acordo com o professor Fernando Almeida Prado, o esporte foi ganhando adeptos. No início da década de 1980, o governo da Coreia do Sul começou a estimular as artes marciais a cavalo, também como uma forma de preservação cultural. “Nesses dois países, o arco e a flecha chegaram para ficar”, diz. Além da Coreia do Sul e da Mongólia, atualmente existem associações de arquearia montada na Europa e nos Estados Unidos, que promovem campeonatos, seguindo regras estabelecidas nos estilos húngaro e coreano. Na Hungria, a arquearia tem sua origem nas invasões dos povos bárbaros, mas suas regras também foram criadas na década de 1980.

 

A competição da qual Almeida Prado participou em Amã, organizada pelo rei Abdullah II bin Al-Hussein, teve por objetivo promover o esporte, que também é pouco conhecido naquele país. Na competição, o arqueiro brasileiro conquistou um troféu na modalidade tiro húngaro, na qual os competidores disparam em três alvos, um a cada 30 metros de corrida. Na disputa estavam 31 atletas de mais de 15 países. “Para uma primeira prova, e ainda internacional, acho que tive um bom desempenho”, diz Almeida Prado. Além do estilo tiro húngaro, o campeonato contou com provas em estilo coreano, dividido em três etapas com, respectivamente, um, dois e cinco alvos em cada uma delas, e o estilo turco, no qual o cavaleiro deve acertar um alvo, a sete metros de altura. Nessa modalidade, o cavaleiro deve galopar em círculo, até acertar o alvo. “São movimentos semelhantes aos utilizados na Idade Média”, diz. Os alvos, no caso, poderiam ser um inimigo ou uma caça.

Os acessórios da montaria

A arquearia montada requer, além do cavalo, que pode custar entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, o arco, cujo valor pode variar de R$ 250 a R$ 1,5 mil, entre o modelo nacional e o importado, e as flechas, entre R$ 20 e R$ 50. A aljava, uma espécie de coldre para carregar as flechas, tem o custo muito variado em função do material de que é fabricada – se artesanal, um modelo básico custa em média R$ 400.

Para Almeida Prado, foram as diferentes maneiras de competir, e a habilidade que se desenvolve com o arco e a flecha, que despertaram seu interesse pelo esporte. “Desde criança ando a cavalo”, diz. “Nasci nesse meio.” Ele conta que o avô começou a criar mangalarga no fim dos anos 1940 e que hoje, com o pai Raul Sampaio de Almeida Prado, continua a tradição familiar na chácara de Itu. Na sua opinião, o mangalarga casou muito bem com o esporte, que conheceu em 2008, em Ubatuba, no litoral paulista. “A raça é perfeita para a arquearia montada.” A história do mangalarga, de acordo com Almeida Prado, remete a trabalhos realizados em fazendas e às caçadas, atividades que proporcionaram agilidade e equilíbrio ao animal. “O cavalo não pode se assustar e tem de ter um galope regular, que não dispare”, diz. Na análise de Almeida Prado, outras raças que se enquadram nos quesitos comportamentais para a arquearia montada são o mangalarga marchador e o crioulo.