30/05/2017 - 17:51
O Vale do Silício (Silicon Valley, em inglês), nos Estados Unidos, é uma região pródiga em produzir tecnologias, como as da Apple, Google, Facebook, IBM, Intel e tantas outras. Mas ela não está apenas em bits, drives e chips. A alta tecnologia também se espraia na engenharia de alimentos e vem mostrando ao mundo que o futuro reserva formas diversas na produção de proteína animal, muito além da criação e do abate. Em março deste ano, mais uma startup, a Memphis Meats, de São Francisco, na Califórnia, apresentou um feito poucas vezes visto no mundo: mostrou as primeiras carnes de frango e de pato, obtidas em seu laboratório, a chamada carne cultivada, sem que nenhum animal fosse abatido. “Acho que entramos para a história”, disse o cardiologista Uma Valeti, CEO da startup em sua rede social de vídeos. A Memphis Meats, que já havia apresentado ao mundo almôndegas de carne bovina no ano passado, não está sozinha nesse movimento tecnológico. Atualmente, várias startups do Vale do Silício e em outras partes do mundo, geralmente financiadas por fundos de capital de risco e aceleradoras, entraram com tudo nesse mercado. Como a holandesa Mosa Meat, que foi a pioneira nessa seara. Em 2013, foi ela que apresentou ao mundo o primeiro hambúrguer de carne bovina cultivada. “Este deve ser o futuro das fazendas de pecuária”, diz o médico Mark Post, professor de fisiologia cardiovascular da Universidade de Maastricht, na Holanda, e co-fundador da Mosa Meat. Somam-se a elas a israelense Supermeat, que em 2016 foi a pioneira na produção de carne de frango, e as americanas Beyond Meat, com a carne vegetal; a Perfect Day, com produtos lácteos; a Gelcor, com gelatina, e a Clara Foods, com ovos.
As startups estão se formando diante de um terreno fértil, gigantesco e bilionário, que vai se abrindo mundialmente, junto com o novo conceito de produção de proteína animal: a carne cultivada ou carne limpa (do inglês, clean meat). Através do cultivo de células-tronco, de misturas de proteínas vegetais ou mesmo fórmulas híbridas, com o uso de proteínas animal e vegetal para a obtenção de leite, as empresas querem parte de um mercado que chega a movimentar US$ 750 bilhões por ano, no caso da carne bovina. No leite, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), as exportações de produtos lácteos movimentam cerca de US$ 75 bilhões anuais. Como esses negócios tendem a crescer, a corrida é acelerada para participar desses mercados lá na frente. Mas não tão distante com se poderia imaginar. Criada em setembro de 2015, a Memphis Meats quer oferecer suas carnes para o mercado consumidor até 2021. “Para isso, precisamos otimizar a nossa produção”, diz Valeti. Seis fundos aportaram na startup U$ 3 milhões, entre eles o Fifty Years, Indie Bio, NewCrop, New Crop Capital e o SOSV.
Com exceção da Beyond Meat, as carnes bovina e de frango são autenticamente de origem animal, provenientes do cultivo de células-tronco em laboratório. Na Memphis Meats, o custo de um quilo de filé de frango, por exemplo, não sai por menos de US$ 19,8 mil. No entanto Valeti afirma que, em pouco tempo, será possível trazer o valor para a realidade dos supermercados americanos, em cerca de US$ 7,1 por quilo. Já a Mosa, que começou a produzir hambúrgueres de cerca de 200 gramas a um custo inicial de US$ 332 mil, hoje estima um custo de US$ 11. Para o pesquisador, é a redução do custo de produção que vai dar o empurrão necessário para que a tecnologia avance sobre a produção de proteína animal. “Com apenas uma célula, posso produzir dez mil toneladas de carne”, afirma ele. Ou seja, seria necessário cultivar 6,2 mil células-tronco para produzir o volume previsto para o consumo mundial de carne bovina deste ano, de 61,6 milhões de toneladas, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, em inglês). O volume equivale ao abate de cerca de 300 milhões de animais.
Os próximos passos da indústria, segundo são os testes de segurança desses alimentos juntos aos órgãos internacionais. Entre eles o Codex Alimentarius, normas visando a saúde humana, seguidas por 170 países. “Passada essa etapa, acredito que até 2020 estaremos no mercado”, diz Post. A Perfect Day, fundada em 2014, e que desenvolve leite e produtos lácteos, como iogurte e manteiga a partir de misturas de proteínas vegetais e animais, em um biorreator, está mais adiantada. “Estamos negociando com três das maiores empresas de laticínios do planeta, sobre potenciais colaborações”, disse o bioquímico Ryan Pandya, co-fundador e CEO da empresa, durante a conferência Rethink Food, organizada pelo Instituto Culinário da América (CIA, em inglês), no final de 2016. “Eu não vejo um mundo sem os produtores de leite, mas queremos reproduzir exatamente o que acontece no úbere da vaca.”