10/07/2017 - 8:00
No interior de São Paulo, sete usinas de cana-de-açúcar se interligam por distâncias de, no máximo, 50 quilômetros. Elas formam uma rede de processamento de matéria-prima que recebeu 19,8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra 2016/2017. No ciclo 2017/2018, o volume vai passar de 20 milhões de toneladas, embora a área permaneça a mesma. São gigantescos 300 mil hectares cultivados, para produzir 1,6 milhão de toneladas de açúcar, 63,6 milhões de litros de etanol e 1.017 gigawatts de energia para a rede elétrica nacional. Em 2015, essas usinas faturaram R$ 10,2 bilhões.
O dados de 2016, que serão anunciados neste mês, ainda devem apresentar as receitas em franca ascensão. A certeza vem de um fato: essa estrutura produtiva, que pertence à cooperativa francesa Tereos, tem passado por processos de refinamento de gestão do negócio que estão dando fôlego extra para a companhia. “O Brasil é estratégico para a Tereos”, diz Jacyr da Silva Costa Filho, diretor da Região Brasil desde meados de 2013, cargo que faz parte da diretoria global do grupo. “A Tereos é a terceira maior produtora de açúcar do mundo e é muito difícil projetar o futuro sem contar com o potencial de expansão do Brasil, porque ele é muito grande.” Em receita, a Tereos está entre os três maiores grupos sucroenergéticos do País, atrás da Copersucar, pool de cerca de 50 usinas, e da Raízen, joint venture entre o empresário Rubens Ometto e a americana Shell. A filial brasileira representa 25% das receitas do grupo francês.
O Brasil possui hoje 8,8 milhões de hectares de lavouras de cana-de-açúcar. Esse mar verde é maior que a área de países ricos como a Áustria, com uma economia baseada em serviços, ou como os Emirados Árabes, dono de 6% das reservas mundiais de petróleo. Aqui, a plantação de cana é concentrada na região Centro-Sul, que compreende os Estados de São Paulo, onde está a maior produção, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Na safra 2017/2018, o Centro-Sul vai processar 585 milhões de toneladas de cana, quase três vezes mais se comparado ao que se fazia há duas décadas. Mas, embora o setor seja gigante, nas últimas safras as usinas vêm sofrendo com a produtividade em queda. Nesta safra, por exemplo, por causa da substituição de velhos canaviais, o que significa plantas jovens no campo, a moagem das usinas deve recuar cerca de 3,5%, de acordo com a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). Como enfrentar esse cenário? “É ter foco na operação”, diz Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro e membro do Conselho Nacional de Política Energética, órgão de assessoramento da Presidência da República para a formulação de políticas e diretrizes de energia. “É o que ocorre na operação que determina como vai ser o futuro da usina. Isso pode mostrar quais empresas se superam e seguem em frente.” Desde a crise econômica de 2008, das 437 usinas que operavam no País, 82 foram fechadas por não resistirem às políticas públicas adotadas para o setor. Essas usinas não devem retornar ao mercado. Às que sobreviveram, restou investir em produtividade para seguir crescendo. “É o aumento da eficiência que tem levado ao saneamento causado pela crise”, afirma Nastari. “Os investimentos no setor não ficaram zerados nesse período.” A Tereos é o melhor exemplo disso.
As últimas duas safras de cana testemunharam grandes mudanças na companhia. A maior delas foi a compra da parte da Petrobras, que detinha 49% da Tereos. Com o novo Plano de Negócios e Gestão 2017/2021, a estatal anunciou a saída integral do setor de produção de biocombustíveis. No início deste ano, a Tereos investiu R$ 700 milhões e comprou a participação da Petrobras, antes que algum aventureiro o fizesse. De acordo com Costa Filho, essa é uma característica do grupo: investir onde enxerga oportunidades. No final da década de 1980, a Tereos foi a primeira a apostar no Leste Europeu, depois da queda do Muro de Berlim. Hoje, do total de 49 unidades industriais no mundo, três usinas estão na República Tcheca e uma, na Romênia. Em 2000, a Tereos também foi o primeiro grupo estrangeiro que investiu no setor de cana-de-açúcar no País, em uma parceria com a Cosan. Na época, quatro usinas formavam a Franco-Brasil Açúcar e Álcool (FBA), que em 2010 se transformou na Raízen. “Agora, com a compra da parte da Petrobras, adicionamos mais de nove milhões de toneladas de cana no nosso portfólio”, afirma Costa Filho. “Isso mostra a nossa confiança no setor e a capacidade de consolidarmos o investimento, produzindo mais e reduzindo custos”. No mundo, a cooperativa francesa, com 12 mil cooperados naquele país, faturou e 4,2 bilhões em 2015 e deve apresentar os dados de 2016 próximos de E 5 bilhões. A produção de açúcar, amidos e adoçantes também está na Europa, na África e na Ásia. No Brasil, é recente um projeto no município de Palmital (SP), para produzir amido de mandioca. Todo o grupo processa 44 milhões de toneladas de matérias-primas por ano, a partir do cultivo de uma área de um milhão de hectares, que inclui ainda beterraba, trigo, milho e batata, além de alfafa para ração animal. Somente em açúcar, a produção global é de 3,5 milhões de toneladas por ano. Para manter as operações, emprega 24 mil pessoas.
OPERAÇÃO O atual modelo de gestão brasileira da Tereos começou a ser resenhado em 2011, quando Costa Filho ainda ocupava o cargo de presidente da companhia. Hoje, ele não tem mais o papel de executivo, mas de estrategista do negócio. Foi a partir de 2013, com um CEO para cada unidade de negócio, cana e amido, que a equipe de gerentes iniciou um jogo focado em mudar processos.
Uma das figuras centrais desse movimento é o agrônomo Jaime José Stupiello, diretor agrícola, um profundo conhecedor e estudioso do potencial da cana-de-açúcar. Não por acaso, é ele que representa a Tereos no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), além de fazer parte do conselho técnico da fabricante de máquinas agrícolas John Deere para opinar sobre ajustes e mudanças em equipamentos. Na empresa, ele é o responsável pelo projeto Tereos 120, justamente para elevar a produtividade dos canaviais através do ajuste de máquinas e do uso racional de insumos. Nos últimos dois anos, o custo do plantio da cana saiu de R$ 8 mil o hectare, para R$ 6,3 mil, uma redução de 21%. “Mas podemos ir além”, diz Stupiello. “Já chegamos a ter produtividade de 90 toneladas de cana por hectare, na época do corte manual”, diz. Foi a mecanização acelerada dos últimos anos, mais rápida que a curva de aprendizagem, que ajudou a derrubar a produtividade. O mesmo ocorreu no País. Em São Paulo, por exemplo, a produtividade média do Estado foi de 77 toneladas por hectare, bem abaixo da subsidiária francesa. “Na Tereos, a produtividade está estagnada na faixa de 80 toneladas a 85 toneladas há alguns anos”, afirma Stupiello. “Agora, a meta é elevar a produção para a casa dos três dígitos.” No laboratório da companhia, sua equipe multiplica 30 novas variedades da planta, por ano. Em média, dez apresentam algum potencial. As que precisam ser testadas vão para o campo, plantadas manualmente. “É o que podemos fazer, enquanto a grande revolução do setor não chega”, afirma. Para ele, as tão sonhadas sementes de cana vão dar o grande salto agronômico no setor, como acontece nas culturas de soje e milho. A Tereos investe nessa inovação, apoiando as pesquisas do CTC. “Acredito que em três anos a tecnologia estará pronta.”
Nas operações industriais, a companhia também passou medir com lupa o desempenho. Para Raul Guaragna, diretor de operações industriais, não deixar que a matéria-prima se perca no processo significa dinheiro no bolso. “A eficiência industrial é fundamental”, afirma Guaragna. “Tirar o máximo de açúcar da cana mexe nos resultados da indústria.” Com o planejamento de 19 projetos de ajustes nas colhedeiras, caminhões, caldeiras e processos industriais, na safra 2015/2016 a Tereos ganhou R$ 12 milhões.
Na safra passada, foram R$ 11 milhões, dos quais R$ 7 milhões vieram do ganho de eficiência de um único projeto de ATR (sigla para Açúcar Total Recuperável). “Cada 1% de açúcar que eu recupero a mais, significa um adicional de até R$ 40 milhões na receita anual da Tereos”, afirma Guaragna. “Por isso é preciso atenção a todos os detalhes da operação, do caminhão à caldeira.” Em relação a equipamentos, por exemplo, a empresa possui um parque avaliado em R$ 300 milhões. São 800 equipamentos pesados, entre caminhões, colhedeiras, tratores e plantadeiras, e mais três mil implementos, de pulverizadores a drones. No ano passado, foram compradas 28 colhedeiras mais eficientes, para baixar o parque de 112 unidades para 100 unidades. “Estamos caminhando para 800 milhões de toneladas de cana colhida nesta safra e não podemos parar”, afirma o executivo.
O que leva o Brasil a ser competitivo para as empresas é justamente ajustar processos. Pedro Barreto Fernandes, diretor do Itaú BBA e especialista no setor de cana-de-açúcar, diz que as maiores mudanças de performance têm ocorrido naquelas em que o centro passa a ser a produção. “O Brasil é atrativo pelos baixos custos e as usinas que vieram se ajustando têm conseguido resultados”, diz Fernandes. “Há três safras, o cenário era de preços depreciados no setor. Na safra passada eles se estabilizaram e neste ciclo, as usinas que investiram têm tido retorno.” No ano passado, por exemplo, a saca de 50 quilos de açúcar cristal custava R$ 100 no mercado atacadista paulista, o maior preço desde 2003. De acordo com o executivo, a Tereos é um dos grupos que estão se saindo muito bem, em meio a não mais do que 50 empresas do setor.
A costura de todo o processo da cadeia produtiva vem passando pelas mãos do diretor Carlos Martins Simões Júnior, diretor da cadeia de suprimentos, e pelo gerente de planejamento André Margoto, 32 anos, engenheiro de alimentos. Simões Júnior está na empresa há um ano, depois de trabalhar por uma década no setor de celulose, na Fibria, e outra década na Raízen. Margoto, que começou como estagiário na Tereos em 2008, é uma espécie de “professor Pardal” do ramo da Tecnologia da Informação. Desde 2011, é dele a concepção de um software de planejamento transversal que envolve toda a empresa, utilizando o conceito chamado Sales and Operations Planning (S&OP, na sigla em inglês), que trocando em miúdos significa ligar as operações de campo com a demanda do setor comercial. Chamado de Otimizador de Cenários de Negócios, o software, por exemplo, sabe onde determinada lavoura de cana está, de que tipo ela é, como deve ser moída, a distância relativa entre as usinas. Dentro das indústrias, conhece cada equipamento e suas capacidades. No comercial, sabe a lotação dos armazéns, as demandas dos clientes, os contratos fechados e os custos. “O software pode me dar uma orientação do tipo, pegue tal cana, processe naquela usina e não venda agora, mas daqui a três meses para determinado cliente”, afirma Margoto. “O programa já não é mais uma experiência, ele pode ajudar matematicamente na tomada de decisão.” Para Simões Filho, o sistema não poderia ter sido implantado há dois anos, porque não existiam os processos e nem a mentalidade madura da equipe. “E não é somente na Tereos”, afirma ele. “O agronegócio vem em uma jornada de amadurecimento de gestão do negócio desde 2005, mais precisamente nos últimos dez anos.”
Para Costa Filho, a transformação da Tereos é fundamental para sua missão na empresa. “Mais de 40% do nosso faturamento vem açúcar. O mercado global cresce anualmente entre dois milhões de toneladas e quatro milhões”, afirma ele. “O Brasil vai pegar parte desse mercado e nós estamos aqui. Além de acreditarmos que o País não vai perder o que já conquistou, que é o maior programa de biocombustíveis do mundo, reconhecido e invejado internacionalmente.” O Brasil vem produzido nas últimas safras em torno de 40 milhões de toneladas de açúcar e não tem concorrente. O segundo maior produtor é a Índia, com cerca de 23 a 28 milhões de toneladas. Costa Filho todos os meses desembarca em Paris para longas reuniões com a diretoria global da Tereos. Ele é o único diretor global que está fora da França. “A Tereos é uma cooperativa, que é dona de uma empresa no Brasil”, afirma ele. “Por conta dessa origem, prevalece a crença de que juntando forças é possível ir em frente. É nisso que apostamos.”
O “Waze da cana”
A Tereos tem no Brasil sete mil funcionários. Os programas de desenvolvimento profissional vêm ajudando a descobrir talentos como Sidney Antonio dos Santos, do departamento técnico, onde a equipe monitora todas as usinas. Santos tem 34 anos, já cursou a faculdade de engenharia elétrica e está fazendo agronomia. Mas, na empresa ele é conhecido como o criador do “Guarani Rota Certa”, um programa para smartphone no qual está todo o mapeamento dos canaviais. Na verdade, na Tereos Santos é conhecido como o criador do “Waze da Cana”, em referência ao aplicativo de trânsito e navegação. “Se a gente precisa ir a algum canavial, ou se chega um caminhoneiro que não conhece o caminho, é só ligar o aplicativo”, diz ele. “Está na palma da mão.” Santos está na empresa há 12 anos e ganhou um prêmio de inovação em 2014. Filho de colhedores de laranja na região, ele começou cortando cana na Tereos. “Eu sempre quis estudar e crescer na profissão”, diz ele. “Acho que estou no caminho.”