03/08/2017 - 8:01
Em 2017, o setor agropecuário deve bater mais um recorde em seu Valor Bruto de Produção (VBP), métrica usada para dimensionar a riqueza que circula nas propriedades rurais do País. A previsão da Secretaria de Política Agrícola (SPA), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é a de que o campo movimente R$ 546,3 bilhões até o fim deste ano. Se nada mudar até lá, será o maior valor das últimas 27 safras agrícolas. Visto pelo ângulo da produção, o cenário, que parece animador para os negócios, não encontra a mesma ressonância no Plano Agrícola e Pecuário 2017/2018. Lançado no início do mês passado, o governo anunciou recursos da ordem de R$ 190,2 bilhões em crédito disponível ao produtor destinado ao cultivo de alimentos e à produção de animais, como bovinos, aves e suínos. Mas parte desse dinheiro prometido ao agronegócio pode ser obra de ficção. “Receio que o governo não consiga dispor desse valor total”, diz o executivo Arlindo Moura, CEO do grupo Terra Santa, empresa que faturou R$ 733 milhões no ano passado com o plantio de 186 mil hectares no Estado de Mato Grosso. “Na safra anterior, o governo não cumpriu o que anunciou. Nesta safra, em função da economia e de problemas políticos, pode ser que aconteça de novo.” Os recursos foram divididos em R$ 149,2 bilhões para crédito a juros controlados, R$ 39,1 bilhões para crédito a juros livres,R$ 1,4 bilhão ao apoio à comercialização e R$ 550 milhões para o seguro rural. As taxas de juros anuais são de 8,5% para custeio, 7,5% para investimento e 6,5% para armazenagem e inovação tecnológica.
Embora o volume dos recursos e a diminuição de juros sejam considerados aquém do que os produtores necessitam para plantar e criar animais, Neri Geller, secretário de Política Agrícola do atual governo e ex-ministro do Mapa no ano de 2014, no governo da ex-presidente petista Dilma Rousseff, vê com bons olhos o resultado do plano. “O setor deve crescer este ano”, afirma Geller. “No programa de armazenagem, o volume destinado foi maior e a taxa de juros caiu de 8,5% para 6,5%. O Moderfrota foi ampliado de R$ 5 bilhões para R$ 9,2 bilhões.” Aliás, o setor de armazenagem foi um dos poucos a comemorar.
“Sim, a taxa de juros deve animar o setor”, diz Olivier Colas, vice-presidente da gaúcha Kepler Weber, grupo de soluções para armazéns que está em processo de venda para a americana AGCO por cerca de R$ 578 milhões. Para José Mário Schreiner, vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e presidente da Federação da Agricultura de Goiás, é necessário garantir que o dinheiro chegue às mãos dos produtores. “Além das altas taxas de juros, há dificuldade de acesso ao crédito”, afirma Schreiner. “E mais, há reciprocidade exigida pelo banco para atender o produtor, o que entendo como venda casada.”
Para Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), os recursos anunciados são de fato mínimos: para a necessidade de crédito no campo, o valor deveria ser muito superior. “Deveria ser o dobro, no mínimo. Precisamos de recursos da ordem de R$ 460 bilhões”, afirma o executivo. “Mas, se pegarmos o volume disponível para o Plano Safra 2015/2016, de R$ 183 bilhões e corrigi-lo pela inflação de 3,19% entre julho de 2016 e maio de 2017, segundo o IBGE, o plano atual fica um pouco abaixo desse valor.” Para Cornacchioni, assim como tem sido levantado com frequência por analistas e lideranças do setor, o campo precisa de outros mecanismos no mercado de capital, além do Plano Safra.
Uma das incoerências para o agronegócio empresarial é o modelo adotado. De acordo com Moura, do Terra Santa, o plano é enganoso no sentido de que os recursos com juros livres não deveriam ser apresentados como parte de sua estratégia. “A cada ano, menos produtores têm acesso aos juros controlados”, afirma ele. O Terra Santa é um exemplo. Como o custeio é de R$ 600 milhões, e o limite máximo de contratação é de R$ 3 milhões por produtor, a empresa coloca na balança se a burocracia do processo compensa a tomada de crédito. “Por conta dessa dificuldade, apenas um terço dos produtores de grãos utilizam recursos controlados para custeio”, diz Moura.
Para Colas, da Kepler Weber, mais do que a burocracia, a grande incógnita é não ter uma posição clara de como vai se comportar o setor bancário. “Não sabemos se os bancos serão menos conservadores este ano”, afirma o vice-presidente da Kepler Weber. No ano passado, por exemplo, o governo liberou R$ 1,4 bilhão ao Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), mas apenas R$ 600 milhões foram utilizados, valor equivalente a 42,8%. “Com uma safra recorde, como está acontecendo novamente, o que o setor mais precisa é fazer investimentos em armazenagem”, diz Colas.
Uma das principais barreiras à utilização do crédito são as taxas de juros. Para Schreiner, a queda de até 2% em relação ao plano anterior ficou abaixo da esperada e o setor deve sofrer com as taxas reais (leia mais na pág. 60). “Juros de 8,5% com a inflação de 4% na safra, eu diria que os juros reais de 4,5% são quase agiotagem”, afirma Schreiner. “Havíamos pedido 6,5% para os grandes produtores. Para os médios, pedimos 5,5%, mas saiu 7,5%.” Aliás, o governo não atendeu nenhum pedido dos produtores em relação aos juros. No caso do programa Agricultura de Baixo Carbono (Programa ABC) e para armazenagem, a demanda era para até 4,5%, mas a taxa ficou em 7,5% no ABC e em 6,5% para o setor de armazéns. Desde que o plano foi apresentado, Geller tem afirmado insistentemente que o governo não tinha outra saída, por causa da economia em queda. “O volume necessário para a safra está contemplado, mesmo porque não adianta ser exorbitante e o setor não aplicar”, afirma Geller. “Tem que ser coerente com os recursos.”
O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, atual coordenador do GVAgro, da Fundação Getúlio Vargas, é uma das vozes mais ativas do setor. Ele tem insistido muito para que o governo adote a ideia de um Plano Plurianual para o setor. “O modelo (plurianual) ajudaria os produtores a se programarem ao longo dos anos”, afirma Rodrigues. Ele não é o único entusiasta da ideia que é uma das reivindicações do agroneócio há alguns anos. Schreiner acredita que um plano de quatro ou cinco anos seria ideal para o campo. “O problema do plano anual é que tudo paralisa”, diz ele. Para Rodrigues, nesse momento estão dadas as condições de avançar nesse projeto porque o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, pode ser uma voz de peso na adoção do modelo. “Falta estabilidade ao produtor, já que por definição a agricultura é instável”, afirma Rodrigues. “Mas o ministro sabe e conhece tudo isso e sabe o que pode ser planejado.” O fato é que a medida simples na forma não é de fácil aplicação. A cada ano, para obter os recursos ao Plano Safra, o Mapa realiza uma queda de braço com o Banco Central e com vários setores ministeriais, entre eles a Fazenda e o Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. “No plano anual nunca sabemos ao certo o que virá”, afirma Geller. “Como seria então no caso de um plano plurianual?”
Agricultura familiar planejada
As políticas adotadas servem para orientar as aplicações de recursos nos próximos três anos
A agricultura familiar responde por sete em cada dez postos de trabalho no campo. São quatro milhões de famílias, o equivalente a 84% dos estabelecimentos rurais, de acordo com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead). Mas, ao contrário do Plano Safra para médios e grandes produtores, no modelo de Plano Safra da Agricultura Familiar o planejamento apresentado é para o período de 2017/2018 a 2019/2020. Por período estão programados R$ 30 bilhões por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O valor foi igual ao do período anterior. Para José Ricardo Roseno, secretário da Sead, o valor deve ser suficiente. “Acreditamos que o ano agrícola 2016/2017 chegará a R$ 23 bilhões contratados”, afirma ele. Os juros variam de 2,5% ao ano, como ocorre para as culturas que integram a cesta básica, entre elas o feijão, por exemplo, até o máximo de 5,5% no caso de energia renovável, como a cana-de-açúcar.