09/10/2017 - 8:00
É muito difícil chegar a uma cidade no interior e não encontrar no centro alguns empreendimentos que sustentam o comércio local. Fazem parte os mercadinhos, as farmácias, as padarias e também as revendas de produtos agropecuários. Em um Brasil de alma rural, são elas que atendem a maior parte dos produtores, vendendo medicamentos, defensivos, rações, fertilizantes, sementes e até serviços. Esse setor movimentou R$ 70 bilhões no ano passado, ficando muito próximo das farmácias, que faturaram R$ 85,3 bilhões, ou das padarias, com R$ 87 bilhões. Mas nos últimos anos, assim como tem ocorrido com diversos setores da economia, a distribuição de insumos agropecuários, ou agrorrevendas, como elas são chamadas, também têm passado por um processo de concentração. “Uma das principais tendências do setor é a internacionalização”, diz Marcelo Prado, diretor da MPrado Consultoria, de Uberlândia (MG). “A chegada de grandes grupos internacionais, como as empresas de insumos e as tradings, e de fundos de investimentos estrangeiros, é uma realidade.” Isso não ocorre por acaso. A receita total do setor de insumos, que emprega 87,2 mil pessoas, foi de R$ 109,7 bilhões em 2016, incluindo nessa conta o comércio direto entre fabricantes e produtores e as vendas nas cooperativas.
Um exemplo de fundo private equity (em inglês, ativos privados) que está de olho nas agrorrevendas é o Aqua Capital, com sede em São Paulo. Mantido por investidores dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia e da América Latina, o fundo já investiu R$ 500 milhões no País, nos últimos seis anos, em setores como fertilizantes, piscicultura e vinho. “A distribuição de insumos agropecuários está começando um processo de consolidação mais profissional e tecnológica”, afirma o argentino Sebastian Popik, 45 anos, fundador e CEO do fundo. No ano passado, o Aqua Capital comprou parte dos negócios da Rural Brasil, de Jataí (GO), dona de 12 lojas e uma unidade de recebimento de grãos. Em junho desse ano, foi a vez da Agro100, de Londrina (PR). Com 24 revendas e 12 unidades de recebimento, a empresa fatura R$ 1 bilhão por ano, atuando em vários Estados. Popik acredita que essa receita possa ser triplicada em seis anos. Somente em 2017, já foram abertas mais três lojas. Já a Rural Brasil, também com investimentos em novas lojas, e que no ano passado faturou R$ 900 milhões, deve entrar na casa do bilhão neste ano. Nos dois casos, 60% da receita vêm da venda de insumos e 40% da originação de grãos. “Estamos abertos para novas parcerias, porque temos muito capital disponível”, afirma Popik. Em 2016, o fundo obteve uma receita de R$ 3,3 bilhões, com previsão de crescer 25% ao ano.
O processo de internacionalização das agrorrevendas começou em 2012, com a fusão da japonesa Mitsubishi com a trading Ceagro, que nasceu como revenda de insumos e que hoje conta com 13 lojas. Em 2015, ocorreram mais três grandes negócios. A indiana UPL comprou 50% do grupo SinAgro, de Primavera do Leste (MT), com 12 revendas e sete armazéns. A chinesa Hunan Dakang Pasture Farming, unidade do grupo Shanghai Pengxin Group adquiriu 54% da Belagrícola, de Londrina (PR), com 55 lojas. Já a japonesa Sumitomo, com forte atuação no setor de mineração e energia, levou 65% dos negócios da Agro Amazônia, com sede em Cuiabá. São 30 lojas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará, Tocantins e Rondônia. Roberto Motta, sócio dos japoneses e vice-presidente da empresa, diz que ainda há espaço para crescer comprando empresas e abrindo novas lojas. A Agro Amazônia saiu de uma receita de R$ 550 milhões, no ano da fusão, para R$ 1 bilhão neste ano. “Vamos crescer na agricultura e na pecuária, em Estados que têm vocação nessas atividades”, afirma Motta.
Para Demetrius Luis Franchiosi, consultor empresarial do comitê de finanças da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), entidade que reúne 1,4 mil revendas que faturaram R$ 47,4 bilhões em 2016, e que é proprietário da Agro Partner, de São João da Boa Vista (SP), o interesse dos fundos estrangeiros por esse tipo de negócio se dá
em função da originação de grãos. Parte das revendas faz operações de barter (do inglês, troca), utilizadas pelos produtores como custeio de safra. A atenção está voltada para as que têm silos próprios e mesas de negociação. “Essas despertam maior interesse, em especial do investidor asiático”, afirma Franchiosi. “O mercado está aquecido e as commodities são um investimento seguro.” Não por acaso, no ano passado, a chinesa Hunan Dakang voltou às compras. Levou 57,6% da Fiagril Ltda., parte da holding Fiagril Participações, em Lucas do Rio Verde (MT), até então controlada por seu fundador, o produtor Marino Franz (leia mais na pág. 40). São 12 lojas e a trading de grãos. De acordo com Prado, o processo vai continuar no ritmo do crescimento do agronegócio. “Cerca de 20 fundos estão buscando oportunidades de investimento na distribuição”, diz ele. “Para sobreviverem, algumas revendas de porte pequeno terão que se fundir ou encontrar um nicho de mercado, oferecendo serviços para preservar a sua competitividade.”
É exatamente o que está fazendo o grupo que reúne as 20 principais revendas de médio porte do Estado de Mato Grosso, com receita anual de até R$ 500 milhões cada. Para não perder o bonde da história, as agrorrevendas estão buscando alternativas para enfrentar a concorrência acirrada e se manter nesse cobiçado setor. Eles criaram a Agrirede, uma empresa que reunirá suas associadas em uma mesma gestão. A nova companhia deve estrear no mercado a 2018. Para Gilson Provenssi, presidente do Conselho Estadual das Associações de Revendas e Produtos Agropecuários do Estado Mato Grosso (Ceapa), e dono da Agrovale e da Agrovence, com lojas em Campo Verde e Primavera do Leste (MT), só há duas possibilidades no mercado: ou as revendas vendem o capital ou fazem parcerias para formar uma grande empresa. “Criamos uma empresa de grande porte, nos moldes de uma joint venture”, diz Provenssi. “O cenário é bastante desafiador, porque os negócios do setor estão concentrados em grandes distribuidores, além das cooperativas e da venda direta ao produtor, dois instrumentos que vêm crescendo.” No momento, a Agrirede está padronizando os seus processos, definindo as normas de crédito e de governança corporativa para colocar o pé na estrada.