12/03/2018 - 10:00
Neste mês, os gaúchos começam a colheita da safra 2017/2018 de maçã fuji, uma das variedades mais populares dessa fruta no País. O volume esperado para a safra é de 200 mil toneladas de frutas mais vistosas e saborosas que no ciclo anterior. Em outubro do ano passado, como tem ocorrido todos os anos na época da florada das macieiras, a maior parte dos produtores alugou colmeias para garantir a polinização. “A maçã depende da polinização cruzada entre duas variedades diferentes”, afirma o engenheiro agrônomo José Maria Reckziegel, que cultiva 165 hectares de macieiras no município de Vacaria. “E são as abelhas que carregam o pólen de uma flor para outra, para ocorrer a fecundação do fruto.” O aluguel das colmeias não é barato, mas garante o negócio. Nesta safra, os produtores pagaram até R$ 85 por caixa, com uma média de 40 mil abelhas. A produção apícola tem um importante papel na polinização de lavouras como maçãs, citros, café e florestas nativas. Mas nem tudo são flores e doçura nesse setor, hoje ameaçado pelo uso incorreto de defensivos agrícolas.
O tema já entrou na pauta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que reconhece o inseto como um fator de sustentabilidade do meio ambiente, além de ser fonte de renda. Segundo o órgão, as abelhas são responsáveis por cerca de um terço da produção de alimentos. Isso porque com cerca de 70% das culturas agrícolas dependem de polinizadores. Entre elas, além da maçã, estão a laranja, uva, melão, café, algodão. Nas lavouras, o serviço global de polinização é estimado em US$ 54 bilhões anuais. Além disso, o mel, principal produto das abelhas, tem lugar garantido na alimentação, na cosmética e na fabricação de medicamentos em todo o mundo. No Brasil, os dados mais recentes mostram que em 2016 foram produzidas 39,6 mil toneladas de mel, segundo o IBGE. O volume equivale a uma receita de R$ 470,5 milhões. Boa parte desse mel vai para o mercado externo. Em 2017, a venda de 27 mil toneladas de mel rendeu US$ 121,2 milhões, valor 31,7% acima de 2016, de acordo com a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel. Os Estados Unidos foram o principal destino, com 23,3 mil toneladas por US$ 104 milhões.
Para a sobrevivência desses insetos do bem, alguns projetos começam a ganhar espaço em um setor considerado essencial em políticas de socorro às abelhas. Em outubro do ano passado, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), junto com 14 indústrias de defensivos agrícolas, criou o Compromisso 2020. Entre as empresas estão a Arysta Lifescience, a Syngenta, a Basf, a Bayer Crop Science, a Dow AgroSciences, a FMC Química e a Ourofino Química.
A primeira ação escolhida pelo grupo foi a revitalização do Projeto Colmeia Viva, idealizado pelo Sindiveg em 2014. “A proposta do Compromisso 2020 é capacitar as equipes de vendas das empresas signatárias e sensibilizar para o tema a sua rede de distribuição de produtos”, afirma Paula Arigoni, coordenadora do projeto no Sindiveg. “Vamos implantar um plano nacional de informações sobre abelhas e polinizadores a esses agentes, por meio de parcerias com entidades da agricultura, da apicultura e de defensivos.”
Neste ano, os alvos do Colmeia Viva são os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Em 2019, serão incluídos Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia e Goiás. O programa tem como principal ferramenta o Mapeamento de Abelhas Participativo, que começou a ser feito há dois anos pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pela Universidade Federal de São Carlos (SP). Esse mapa, que começa ser compilado, dará a base para o plano nacional do Sindiveg. Dados preliminares desse mapeamento inédito, após o acompanhamento de colmeias e da morte de abelhas no Estado de São Paulo, mostram o caminho a seguir. De acordo com o professor Osmar Malaspina, da Unesp, que é um dos responsáveis pelo estudo, a maioria das perdas de colmeias tem sido por aplicação errada de defensivos agrícolas e por desrespeito à legislação ambiental. “Nas áreas de preservação permanente e de matas, por exemplo, é preciso guardar uma distância de 250 metros para a aplicação de produtos”, diz Malaspina. “Se o apicultor coloca colmeias nessas áreas, as abelhas acabam morrendo.”
No caso da multinacional de origem suíça Syngenta, que hoje pertence à China National Chemical (ChemChina), para se adequar ao Colmeia Viva, a equipe de vendas vai passar por treinamentos para demonstrar aos agricultores e distribuidores de seus produtos como as boas práticas de aplicação de defensivos podem contribuir para manter as colmeias vivas. “A companhia investe em várias iniciativas para conscientizar sobre a importância de fomentar a coexistência pacífica entre apicultura e agricultura”, afirma Valter Brunner, diretor de Sustentabilidade Latam e Brasil da empresa. “É preciso valorizar o papel dos polinizadores das lavouras.” Além do Colmeia Viva, a Syngenta também é uma das patrocinadoras do Projeto Colmeias, criado pela gigante Fibria, uma das maiores processadoras mundiais de celulose. A ação envolve associações e cooperativas de apicultores dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Bahia, com o objetivo de qualificar produtores de mel. Desde a sua criação foram investidos R$ 40 milhões, incluindo infraestrutura de produção de mel e beneficiamento de seus subprodutos, como geleia real, própolis, balas e pólen. A meta é gerar emprego e renda na cadeia produtiva do mel de eucalipto e de mata nativa nas comunidades do entorno das plantações dessa árvore. De acordo com Fausto Camargo, gerente geral de sustentabilidade da Fibria, o projeto tem base no uso de novas tecnologias. Entre elas está o melhoramento genético de abelhas rainhas. Outra meta é fazer com que todo produtor de mel desenvolva um plano de negócios e gerencie a sua execução, visando o aumento de renda. “Esse guarda-chuva é grande e cabe muita gente embaixo”, afirma Camargo. “Seu custo é baixo, até R$ 300 anuais por família, e o rendimento mensal de cada uma pode chegar a R$ 4 mil.”
O Colmeias, que foi criado há 15 anos em Capão Bonito, no sul de São Paulo, depois se espalhou para outros Estados. Hoje, são exatos 1.112 apicultores no projeto, com um excelente desempenho produtivo. O grupo conseguiu chegar à média de 57 quilos de mel por colmeia ao ano, o triplo da média nacional. Em 2017, a produção foi de 2,3 mil toneladas, sendo 30% de mel orgânico. Do total, 960 toneladas foram exportadas. “Todo trâmite desse negócio é feito através das associações e das cooperativas”, afirma Camargo. “Nenhum centavo passa pela Fibria, que atua apenas no apoio à gestão e à produção.”