23/05/2021 - 7:30
O filósofo Andrés Bruzzone vive seu segundo confronto com a armadilha da polarização na política. Brasileiro nascido na Argentina, nutre desgosto pela divisão que se aprofundou nos anos de kirchnerismo no país vizinho, a partir da década de 2000. Ele diz que vê, há pelo menos cinco anos, o mesmo ocorrer no Brasil. “Perdemos nuances, estamos entre branco e preto, doença ou saúde, não tem meio-termo”, disse ao Estadão o autor do recém-lançado Ciberpopulismo, um ensaio sobre o uso da tecnologia e das redes sociais pela extrema direita.
O tom do seu livro parece pessimista. O sr. diz que expectativas frustradas explicam o surgimento da onda populista à direita, mas os movimentos democráticos ainda não têm uma resposta para isso. Ou têm?
Acho que a democracia está encontrando mecanismos para se proteger, mas não sou otimista. Votamos com três órgãos do corpo. Com o coração – nos identificamos com uma pessoa, um partido. Com o cérebro, fazemos escolhas racionais. Essas duas coisas funcionam, mas o populismo age no terceiro órgão: a tripa, as entranhas. O populismo apela de maneira mais intensa para paixões negativas. As redes sociais são muito mais eficazes para odiar do que para gostar. Há mais haters do que lovers. Quando se juntam esses dois fenômenos – das mídias digitais e do populismo – e os dois apontam para ódio, frustrações e canalização do medo, é muito difícil fugir da armadilha.
O ciberpopulismo é apenas o uso da tecnologia para promover a polarização, a mesma que já vimos no século 20, ou há mais do que isso?
Ele nasce desse encontro entre o populismo tradicional e a tecnologia. Mas provoca uma mudança estrutural. Primeiro se aproveita de mudanças nos sistemas de meios de comunicação e de partidos e, ao mesmo tempo, acentua essas mudanças estruturais. Não é, provavelmente, um fenômeno provisório e, sim, algo que está instalado. A democracia vai precisar lidar com esse encontro do populismo com as possibilidades que a tecnologia coloca à disposição dos especialistas em campanhas políticas.
Mais comunicação é um problema para a democracia?
É um paradoxo. Por enquanto, o maior acesso a informações está enfraquecendo e ameaçando as democracias. Mas não deveria. Acredito que o que está faltando é o poder fiscalizador do Estado, a regulamentação dos processos de produção e distribuição de informações. Não acho que seja sustentável, hoje, que uma desregulação total seja positiva.
O sr. cita no livro o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que diz que o populismo de esquerda não tem chance de alcançar o apelo populista da direita. O sr. concorda?
Não concordo com nenhum prognóstico tão taxativo. No Brasil, vemos um momento muito preocupante, mas também interessante. A esquerda está aprendendo a usar redes, vemos isso no cotidiano. E vem aí uma eleição que vai ser pautada pelos sistemas digitais de construção de discurso. Cabe a cada um apostar a favor ou contra Tony Blair. (A eleição) terá, claramente, uma dinâmica de ciberpopulismo. Será uma polarização extrema, na qual quem eu odeio será tão importante quanto quem eu amo. O Brasil vai viver essas polarizações sobrepostas.
Em um cenário conflagrado como esse, o “centro democrático” ou a “terceira via” perdem?
Estão fora do jogo – o que é muito triste. Perdemos nuances, estamos entre branco e preto, entre doença ou saúde, não tem meio-termo. É muito ruim para a democracia.
Existe alguma saída para a armadilha do ciberpopulismo?
Diria que somente com um acordo muito claro das forças democráticas. Acho que um pacto democrático seria a única saída para essa armadilha. Havendo esse pacto entre as forças de esquerda e direita democráticas, dá para deixar de fora os antidemocráticos. É preciso fomentar o diálogo. Tem alguém querendo tacar fogo no circo, não podemos deixar. Se o circo queimar, estamos todos incinerados.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.