10/04/2018 - 10:00
No município de Maracaju (MS), a cerca de 160 quilômetros da capital Campo Grande, um rancho coberto de sapé deu nome à fazenda Sapé Agro, comprada por Sebastião e Ozória Alves Corrêa, em 1930. Quase oito décadas depois, a atual propriedade passou por uma revolução na criação de gado, incorporando a produção de grãos, de cana-de-açúcar e também de gado de leite. “Nossa transformação foi um desafio e aconteceu junto com a região, que também passou por um processo de evolução do agronegócio”, diz Eduardo Riedel, 48 anos, terceira geração de herdeiros e um dos sócios do negócio.“Para mudar, escolhemos o caminho da alta tecnologia na pecuária e na diversificação das atividades.”
Na pecuária de corte, o gado da Sapé Agro é abatido aos 15 meses de idade, os machos com 21 arrobas de peso e as fêmeas com 17 arrobas. Na média do País, os animais vão para o frigorífico com três anos ou mais de idade, na maioria dos casos.
É por essa razão que o gado de Riedel vale ouro no mercado de exportação, sendo disputado pela indústria frigorífica. A boa notícia é que Riedel, que já foi presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Famasul) e hoje é secretário de Governo e Gestão Estratégica de Mato Grosso do Sul, não está sozinho nessa empreitada.
O modelo de um boi pronto para o abate, com até 24 meses de idade e 19 arrobas de peso, é o objetivo de um grupo de 320 empresários do campo, reunidos na Associação Sul-mato-grossense de Produtores de Novilho Precoce (ASPNP), entidade que, neste ano, completa duas décadas. Hoje, o grupo abate 180 mil novilhos precoces por ano, a partir de um rebanho de cerca de um milhão de animais.
O exemplo da entidade poderia servir de modelo para transformar a pecuária nacional. Segundo dados da consultoria Agroconsult, se os 36,9 milhões de bovinos abatidos no País estivessem sob a responsabilidade da ASPNP, seriam produzidas 15,4 milhões de toneladas de carcaças bovina, medida que leva em conta carne e ossos, 68,4% acima da produção atual.
Só para efeito de comparação, os EUA, maior produtor global, processam acima de 10 milhões de toneladas de carne desde a década de 1970. Hoje, são 11,4 milhões de toneøladas, com um rebanho de 92 milhões de bovinos. O rebanho brasileiro tem cerca de 218 milhões de animais.
Para o grupo que está mudando a história da pecuária em Mato Grosso do Sul, uma atividade de ciclo longo em que os resultados demoram a aparecer, a principal vantagem do associativismo está no acesso à oportunidade de negócios exclusivos. O núcleo de pecuaristas é fornecedor de cortes especiais para redes de varejo, entre elas a francesa Carrefour e a americana Walmart.
Além das redes varejistas, a melhoria de processos tem levado os produtores mais facilmente ao mercado externo. No ano passado, as exportações do Estado foram de 138,3 mil toneladas de carne, por US$ 557,9 milhões, figurando em quinto lugar no País. Mas elas podem ser maiores, se depender de produtores como Sérgio Pedrossian Cortada Abrantes, da fazenda Nova Campina, no município de Jaraguari. “A fazenda tem acessado o mercado de carne premium, com um trabalho focado em genética nelore e angus”, diz Abrantes. “Investimos no novilho porque o mercado exige.” A fazenda de 2,6 mil hectares, produz por ano 1,1 mil toneladas de carne, exclusivamente destinada à Cota Hiton para a Europa. O bônus chega a ser cerca de R$ 80 por animal, bem acima de 10% sobre a arroba commodity.
Para o produtor Nedson Rodrigues Pereira, dono da fazenda Cachoeirão, no município de Bandeirantes, e que também é o presidente da ASPNP, o novilho de qualidade se transformou em marca registrada da bovinocultura de corte sul-mato-grossense. “Ganhamos fama de produzir a melhor carne do País”, diz ele. Não por acaso, a Sapé e a Bandeirantes já ficaram em primeiro lugar na categoria Fazenda Sustentável do prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL. A primeira ganhou o prêmio em 2017. A segunda, em 2013. “O próximo passo do núcleo é criar um selo para certificar a produção do grupo”, afirma Pereira.
Essa estratégia também servirá para atrair mais criadores para o núcleo, que hoje tem 450 propriedades monitoradas. No Estado, há 902 fazendas que produzem novilhos precoces. Isso porque a ASPNP nasceu de uma política pública do início da década de 1990, praticada em vários Estados. Na época, os governos passaram a renunciar ao Imposto sobre o Comércio de Mercadorias e Serviço (ICMS), visando a incentivar a produção de carne de qualidade e a modernização da indústria frigorífica.
Estados como São Paulo, Goiás e Minas Gerais tiveram grupos fortíssimos à época, mas que não sobreviveram ao fim do incentivo. Mato Grosso do Sul foi o único que manteve a política. No ano passado, a renúncia fiscal foi de R$ 23 milhões. De acordo com o economista Jaime Verruck, secretário de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul (Semagro), o governo tem apertado as regras para conceder o incentivo, mas não vai abrir mão dessa política.
Na cartilha estão 35 itens a serem cumpridos, como o mapeamento da propriedade, recuperação de pastos e armazenagem segura de medicamentos, entre outros. “Além de produzir uma boa arroba, o produtor precisa agora provar que é sustentável”, diz Verruck. No ano passado, em todo o Estado, foram abatidos 369,8 mil novilhos com incentivo fiscal, volume que representa 26% do total levado aos frigoríficos. O Mato Grosso do Sul possui o terceiro maior rebanho do País, com 21,8 milhões de bovinos, segundo o IBGE. O Valor Bruto da Produção (VBP) da pecuária de corte é o segundo maior do campo, representando R$ 7,4 bilhões em 2017, atrás apenas da soja.
VIRADA Na Sapé Agro, a arroba de boi gordo foi vendida à média de R$ 153 no ano passado, valor 10% acima da média nacional. Para Riedel, o pulo do gato não está nesse valor, mas sim na liberação de área ocupada pela intensificação da pecuária. A ela estão destinados apenas 350 hectares de pastos, área equivalente a 6,3% da fazenda. Foi isso que abriu espaço para as lavouras de soja e milho, hoje com 3,9 mil hectares, que representam 71% da área. No ano passado, a receita foi de R$ 24 milhões, evidentemente com a maior parte vinda da agricultura.
De acordo com Artur Falcette, CEO da Sapé, o casamento perfeito de agricultura com pecuária intensiva vai render ainda mais frutos. Hoje, na minúscula área dedicada ao ciclo completo da pecuária está um rebanho de 1,8 mil animais que geram 600 bovinos com engorda em confinamento e que vão para o abate todos os anos. A meta em dois anos é apertar ainda mais o ciclo, com 2,1 mil animais na fazenda e um abate de 800 novilhos. “É por isso que o nosso mantra sempre esteve no ciclo curto para a pecuária, para liberar área aos grãos”, diz Falcette. “A produção de carne de qualidade é consequência desse sistema modificado para ser cada vez mais eficiente.”
Na fazenda Três Muchachas, no município de Bandeirantes, e que também faz parte da ASPNP, a conta é na ponta do lápis. A propriedade que pertence a Higino Hernandes Neto, pecuarista dos mais tradicionais do Estado, possui 1,6 mil hectares e abate 2,4 mil novilhos, engordados em confinamento. No ano passado, o ganho por arroba foi de R$ 137, somando o incentivo pelo novilho precoce e o recebimento de bônus para animais destinados à exportação de carne para a Europa, pagos por frigoríficos da região. Sem esses incentivos, a fazenda venderia a arroba por R$ 126,51, preço médio da região, segundo o veterinário Gabriel Junqueira, gerente da Três Muchachas e genro de Hernandes Neto.
A fazenda entrou no projeto do novilho precoce em 2015. No ano passado, faturou R$ 5,6 milhões. “Passamos para outro nível de produção”, afirma Hernandes Neto, que há 20 anos se dedica à criação de bezerros na região do Pantanal. “Com o novilho precoce, faturamos mais”, diz Junqueira. “O bônus vem com o planejamento da atividade.”
É neste ponto que a ASPNP ajuda o produtor, ao propor o cumprimento de uma série de regras na administração do negócio. Na cartilha da entidade estão 101 normas baseadas nos protocolo de Boas Práticas Agrícolas, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Hoje, 60 fazendas já estão adequadas e a meta é que em cinco anos todas cumpram o total das exigências. Para o agrônomo Ezequiel Rodrigues do Valle, diretor de sustentabilidade da ASPNP e pesquisador da Embrapa Gado de Corte, seguir regras é o que faz a diferença no negócio. Isso porque nunca foi intenção da ASPNP reinventar a roda. “A tecnologia e as normas existem, mas muitos produtores têm dificuldades em aplicá-las, muitas vezes por desconhecimento”, diz Valle. “A entidade facilita o caminho, mostrando que não é difícil fazer as adequações necessárias nas fazendas.”
Entre as normas estão, por exemplo, a proteção de nascentes e de margens de rios, a segurança do trabalho e a capacitação dos peões com cursos de boas práticas agrícolas. Na criação, entre as regras está poupar os animas de estresse, como falta de água ou alimento; de danos ao couro e à carcaça do animal e ter todos os medicamentos registrados.
Além disso, a propriedade pode ser visitada por um técnico da entidade a qualquer momento. “Hoje, para ficar na atividade, o produtor tem de ser muito bom em todos os aspectos da criação”, afirma Valle. Para Pereira, presidente da entidade, é a qualidade das boas práticas que pode abrir caminho para o almejado selo de certificação da produção de novilhos em larguíssima escala. “Vai ser nesse momento, com um grande número de produtores, que podemos oficializar o selo de produção sustentável”, diz ele. “E o Mato Grosso do Sul vai ser o primeiro no País a chegar lá.”