07/05/2018 - 10:00
N a segunda-feira, 5 de março, a BRF teria um dia decisivo. Nessa data, o conselho de administração da maior empresa de alimentos do Brasil iria se reunir. Na pauta, a troca de quase todos os conselheiros,inclusive de seu presidente, o empresário Abilio Diniz, que o comanda desde abril de 2013. Mas todos os presentes na reunião foram surpreendidos pela Polícia Federal (PF), que começava, naquela manhã, mais uma fase da Operação Carne Fraca, que investigou diversos frigoríficos em março do ano passado. Batizada de operação Trapaça, o alvo, dessa vez, era exclusivamente a BRF, que era acusada de acobertar casos de presença de Salmonella pullorum, bactéria de alta patogenicidade, em lotes de carne de frango processados entre 2012 e 2015.
O executivo Pedro Farias, que foi presidente da empresa de 2015 a 2017, chegou a ser preso temporariamente para prestar esclarecimentos. Desde o início da operação Trapaça, o valor de mercado da BRF, fruto da fusão da Sadia e Perdigão, derreteu. Até o dia 26 de março, a empresa já havia encolhido R$ 9 bilhões, avaliada em R$ 19,3 bilhões. A reunião que iria escolher um novo conselho de administração também postergou a decisão.
Agora, a mudança no comando deve ocorrer em 26 de abril. Mas a turbulência pela qual a BRF passa não afeta apenas os negócios da companhia, que faturou R$ 33,5 bilhões em 2017. Com dois anos consecutivos de prejuízos, que somam R$ 1,5 bilhão, a maior exportadora de frangos do Brasil está deixando em estado de alerta os integradores de aves e suínos. “Independentemente se vai mudar a diretoria ou não, se cometeram crime no passado ou não, sempre esperamos que a empresa seja transparente com a gente”, afirma o produtor rural Leonel Tidre. “Afinal, precisamos planejar nossos investimentos, que são altos.”
Tidre é um exemplo da importância da BRF para a economia de Santa Catarina. Afinal, tanto a Sadia, como a Perdigão, nasceram no Estado. Avicultor desde os anos 1980, ele possui granjas em Saudades e União do Oeste, dois minúsculos municípios do Oeste catarinense, onde produz 600 mil frangos e 1,7 milhão de ovos, por ano. Divididas em lotes, a cada 60 dias as aves para abate têm um rumo certo.
Elas são enviadas para o município de Concórdia, berço onde nasceu a Sadia em 1944. Por conta de sua história, a unidade industrial é um símbolo da companhia. “A configuração da avicultura se transformou nos últimos tempos” afirma Tidre. “Antes, os produtores que forneciam para a Perdigão, eram Perdigão de coração. Quem era Sadia, era também de coração. Hoje, a BR F ainda não tem uma identidade.” Os 13 mil produtores de aves e suínos cooperados têm enfrentado problemas desde que Abílio Diniz assumiu o conselho de administração, apoiado pela gestora de recursos Tarpon. Pedro de Camargo, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira afirma que a mudança de cultura na empresa não se deu com a fusão de Sadia com Perdigão, mas com a entrada de Diniz. “Ele entrou e mudou tudo com a sua turma”, diz Camargo. “E Diniz tem uma turma arrogante, que achava que não precisava aprender.” Uma das críticas mais ácidas dos produtores é justamente a falta de diálogo da companhia. É o que afirma o produtor Losivanio Luiz de Lorenzi, presidente da Associação Catarinense de Criadores de Suínos. No Estado, há oito mil produtores de suínos, dos quais 6,5 mil são integrados. Na BRF estão 1,6 mil. “Para administrar elos de produção tem de conhecer o setor primário e a BRF enxugou a empresa demitindo pessoas que entendiam o setor”, diz Lorenzi. “Que o momento sirva de lição. É preciso trabalhar em conjunto, do produtor ao acionista.”
Outra crítica à empresa se refere aos insumos. O sucesso da avicultura e da suinocultura se fez com as processadoras de alimentos fornecendo tecnologia, assistência técnica e insumos. Ou seja, a agroindústria tem uma história de contrato horizontal, no qual o modelo de prestador de serviço não pode ser menosprezado. Sadia e Perdigão trabalhavam, historicamente, com grandes estoques de matéria-prima, sendo o milho o principal. Isso dava a elas um enorme poder de barganha junto aos fornecedores e tranquilidade de preço baixo repassado aos integradores. Mas, para diminuir custos, os estoques passaram a ser de 45 dias em vez dos habituais nove meses. O que parecia uma ideal genial na planilha Excel, acabou se tornando uma imensa dor de cabeça. Em 2105, o Brasil exportou um recorde de 30 milhões de toneladas de milho e, por falta de chuva no primeiro semestre de 2016, colheu uma safra menor. Resultado: escassez, preços estratosféricos e uma disparada dos custos de produção da agroindústria. “Eles erraram muito”, afirma Lorenzi. “Em 2016, a BRF comprou milho por R$ 50 a saca, uma alta de mais de 40%.”
Somente Santa Catarina, que possui 18 mil produtores integrados, contando suínos e aves, precisa de 6,5 milhões de toneladas de milho por ano, mas produz apenas 3,5 milhões de toneladas. Nos primeiros meses de 2016, houve picos de preços de R$ 60 a saca de 60 quilos, ante R$ 35 no fim de 2015. Alan Cella, avicultor do município de Chapecó, que entrega por ano 84 mil aves à BRF, afirma que, na época, a ração dos animais chegava atrasada. “Algumas cargas de caminhão, em vez de ter 15 mil quilos contava com apenas quatro mil quilos”, diz ele. “Um dia chegava um pouco, em outro vinha o restante.” Tidre, o integrado da unidade de Concórdia, diz que até hoje os preços recebidos pelos produtores estão defasados. E que as margens diminuíram muito. “Comparando com os anos 1980, ganhamos somente 20% do preço pago”, afirma Tidre. “Hoje, recebemos entre R$ 0,60 e R$ 0,70 por frango entregue.”
Mas essa situação para os produtores, que já não é boa, pode ficar ainda pior. Por conta da Operação Trapaça, foram suspensas as exportações globais das unidades goianas de Mineiros e Rio de Verde, mais a de Carambeí (PR). Em meados de março, por pressão e prevendo uma retaliação da União Europeia, o Ministério da Agricultura suspendeu as vendas dez unidades para esse continente. E Concórdia está na lista. “A Europa tem sido muito crítica do Brasil desde a primeira fase da Operação Carne Fraca. Isso é uma reclamação nossa”, disse o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em um evento na capital paulista, três dias antes de o ministério decidir pelo autoembargo europeu e de enviar uma missão para acalmar os importadores. “Nos momentos de crise a gente precisa de ajuda, de cooperação, e não ser expulsos de dentro de casa”, afirmou Maggi.
De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), as cadeias de suínos e aves têm gerado um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 80 bilhões anuais ao País. Somente as exportações de frango somaram 4,3 milhões de toneladas por US$ 7,2 bilhões em 2017, alta de 5,7% ante 2016. Embora os países árabes sejam os maiores compradores, com US$ 2,6 bilhões no ano passado, a participação europeia não é desprezível. O bloco comprou 323,5 mil toneladas de carne, por US$ 774 milhões. Na última década, os países europeus importaram do Brasil cerca de cinco milhões de toneladas de frango. “Quando houve a Operação Carne Fraca, no ano passado, o bom seria que tivessem resolvido tudo”, diz Turra, presidente da ABPA. “Quem tem responsabilidade para fazer acontecer, seja o Mapa ou a Polícia Federal, tem que fazer logo e mostrar, principalmente em alimentos. Quando se espera, é passada a impressão para o consumidor de que durante todo o tempo houve irregularidades e isso é muito ruim para a avicultura e para a suinocultura.”
Enquanto os integradores da BRF sofrem, as negociações para um novo conselho de administração esquentam nos bastidores. Diniz tentava emplacar um nome mais favorável para dirigir o board. O ex-ministro Luiz Fernando Furlan, um dos herdeiros das famílias fundadoras da empresa, era preferido de Diniz para essa função. Até o dia 26 de abril, os dias prometem ser bem quentes para a BRF.