04/06/2018 - 10:00
O Brasil é um dos maiores consumidores globais de sementes e de agroquímicos. No mundo, esses setores movimentam US$ 65 bilhões e US$ 11 bilhões, por ano, respectivamente. Mas são segmentos que, nos últimos anos, têm passado por um profundo processo de fusões e de aquisições, nunca visto no agronegócio. Como é o caso das americanas Dow AgroSciences e DuPont, que se uniram para criar a DowDupont, empresa avaliada em quase US$ 150 bilhões. Sua divisão agrícola, que será uma empresa independente a partir de junho de 2019, foi batizada de Corteva Agriscience, com sede em Wilmigton, no Estado de Delaware. As operações no Brasil estão nas mãos de Roberto Hun, 50 anos, um executivo experiente que já passou por bancos como ABN Amro Bank, da Holanda, e Royal Bank, no Canadá, e por empresas como a a montadora Autolatina (fusão da Volks com a Ford) e a administradora de cartões de crédito Credicard. Na DuPont, Hun estava desde 1995. “Na agricultura ainda há muito espaço para crescer”, diz ele. “As empresas são atraídas, justamente, pelo tamanho do mercado brasileiro e por oportunidades.” Nesta entrevista para a DINHEIRO RURAL, ele fala de política para o setor, de tecnologias e de desafios.
DINHEIRO RURAL – O que o sr. tem a dizer sobre defensivos agrícolas que já foram abolidos em outras partes do mundo, mas que continuam a ser vendidos no Brasil?
ROBERTO HUN – O Brasil é um dos mercados mais criteriosos em legislação para defensivos agrícolas. O processo brasileiro é baseado em pesquisa e informação. Nós temos órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, além do Ministério da Agricultura e Pecuária, que buscam todas as informações para ajudar a regular o mercado. E não só para as moléculas existentes, como também na aprovação de novos princípios ativos.
RURAL – Como informar o consumidor, que está no final da cadeia, sobre o papel dos defensivos agrícolas na produção de alimentos?
HUN – Se eu tivesse que explicar de uma forma didática, diria que o defensivo é o remédio da planta, que ele atende as necessidades para que uma planta cresça e se desenvolva. O importante é saber como usar bem um remédio. Nós estamos comprometidos em criar uma nova imagem perante o consumidor e vamos fazer isso.
RURAL – Como será a atuação nessa cadeia da informação?
HUN – Queremos melhorar o diálogo com o consumidor de alimentos para que ele entenda os desafios da produção, da pressão de pragas que existem no ambiente tropical. Para isso, vamos realizar mesas de discussão para esclarecer as dúvidas e as preocupações do público final e mostrar as alternativas que existem no mercado para a sua proteção. Esse diálogo é importante para levar informação a toda a cadeia, para mostrar o propósito da companhia nas parcerias com a sociedade.
RURAL – De que maneira esse diálogo deve acontecer?
HUN – Serão painéis de discussões, conversas com ativistas e organizações não governamentais e também com o governo. Para nós, será muito importante ter um papel, uma cadeira nessas mesas. Como Dow e DuPont, nosso foco era muito forte no cliente, nos parceiros comerciais, como cooperativas, distribuidores e produtores. Por isso, se tomada toda a cadeia, tivemos uma presença menor. Agora, queremos estar mais próximos do consumidor de alimentos.
RURAL – Qual o papel da informação no segmento de agroquímicos?
HUN – É fundamental o trabalho de comunicação. É importante investir em tecnologia, mas se isso ficar escondido em casa ninguém vai se beneficiar desse investimento. Por isso, é preciso ter equipes fortes para promover as experiências em áreas de plantio, realizadas para demonstrar os benefícios da genética, de novos híbridos de milho, de novas variedades de soja, de novos fungicidas para o controle da ferrugem asiática, por exemplo. São dados que mostram a performance no campo, porque toda a genética de sementes tem sido desenvolvida para a realidade do mercado brasileiro.
RURAL – O produtor tem feito a lição de casa de forma correta ao usar um agroquímico?
HUN – O Brasil até se diferencia como um dos países de maior índice de recuperação das embalagens vazias de defensivos utilizados do campo. Esse é um dos exemplos positivos. Mas na parte de aplicação ainda é importante o trabalho de educação, de preservação das tecnologias e de rotação de produtos. É preciso um manejo correto para evitar o desenvolvimento de resistência aos defensivos. Nessa questão, vale destacar o esforço conjunto dos produtores, das empresas e dos canais de distribuição para orientar sobre a utilização de produtos.
RURAL – Mas os produtos piratas ainda são uma forte realidade no campo.
HUN – Os defensivos ou as sementes ilegais representam um perigo para a agricultura. Eles colocam em risco a saúde e a segurança dos agricultores, além de prejudicar o crescimento econômico do País. O uso desses produtos também afeta a inovação e a capacidade de continuar o desenvolvimento dos negócios desses setores. E contribui para a perda de plantios e do rendimento, pela origem desconhecida do produto. Atualmente, trabalhamos com produtores e associações do setor para coibir o comércio de produtos ilegais. O caminho são os treinamentos e o desenvolvimento de programas de apoio aos agricultores, além da vigilância e proteção de direitos de propriedade intelectual.
RURAL – Entre os desafios de manejo, a deriva, que é a dispersão de agroquímicos durante a sua aplicação, ainda é uma fronteira a ser vencida?
HUN – Já há tecnologia que garante uma precisão maior na aplicação de defensivos agrícolas e pode ajudar a melhorar a eficiência para reduzir o impacto da deriva, que é o desvio de produtos. Por exemplo, herbicidas com gotas maiores e com maior peso fazem com que o produto atinja somente a área aplicada. Mas, além disso, é preciso considerar as condições climáticas, como temperatura, vento e umidade relativa do ar no momento da aplicação. O equipamento utilizado também conta, como o tipo, as regulagens e velocidade de aplicação.
RURAL – Por que o agronegócio brasileiro continua sendo um desafio gigante para as empresas, embora boa parte já atue por aqui há muito tempo, como era o caso de Dow e DuPont, agora Corteva?
HUN – As empresas são atraídas, cada vez mais, justamente pelo tamanho do mercado brasileiro e pelas oportunidades. E as oportunidades para que o País possa ser o celeiro do mundo têm aumentado. O Brasil possui um enorme potencial porque a área dedicada à agricultura ainda pode crescer muito. Há muitas áreas de pastagens a serem convertidas para a agricultura de uma maneira bastante sustentável. Mas o ambiente é de muitos desafios de manejo. A pressão de pragas e de doenças nos cultivos é grande, situação distinta de um mercado como o americano. Lá, a temporada de cultivo bem marcada por um inverno com neve ajuda muito os produtores a controlar o ambiente.
RURAL – Como o sr. enxerga o futuro dos setores de sementes e de defensivos ?
HUN – Eles se tornarão cada vez mais complementares. Apostamos nisso. A biotecnologia e a proteção de cultivos são ferramentas para ganhos de produtividade e de gerenciamento de riscos na lavoura. Enxergo um futuro próximo em que todos os desenvolvimentos de produtos e de oferta ao mercado estarão atrelados a serviços digitais muito robustos. Eles serão capazes de gerar tomadas de decisão mais precisas no dia a dia do agricultor, por meio de softwares que conectem o forte conhecimento técnico das equipes das empresas do setor com a inovação avançada em biotecnologias, moléculas, germoplasmas e maquinários agrícolas.
RURAL – O senhor acredita nas políticas para esses dois setores?
HUN – Reconheço os esforços das autoridades para modernizar as legislações relevantes para a agricultura. Acho que a cadeia produtiva entende que as reformas da Lei de Proteção de Cultivares e do Marco Regulatório dos Defensivos Agrícolas são importantes e necessárias. Autoridades, produtores, indústria e outros atores vêm discutindo esses temas de maneira organizada. No entanto, são legislações complexas que exigem reflexões profundas para que as decisões sejam positivas para todos os elos do setor agrícola.
RURAL – Qual o peso das pesquisas para a companhia que nasce da fusão DowDuPont?
HUN – A Corteva mundial está comprometida com 10% de seu faturamento global para pesquisa e desenvolvimento de produtos. No ano passado foram US$ 1,4 bilhão, do total de US$ 14,3 bilhões da receita de 2017 da divisão agrícola DowDuPont. E também está comprometida com a introdução de quatro mil novos produtos até o fim de 2020. Somente no Brasil são dez centros de pesquisa e laboratórios para soja, milho, sorgo, pastagem, cana-de-açúcar e hortifruti.
RURAL – O que o Brasil representa para a Corteva?
HUN – O Brasil é fundamental para o futuro da companhia porque ele já é o maior faturamento fora dos Estados Unidos. No ano passado, do faturamento global, a América Latina registrou uma receita de cerca de US$ 3 bilhões, incluindo o Brasil.