17/09/2012 - 21:58
O brasileiro Berry Marttin, filho de um fazendeiro do interior de São Paulo, é o responsável global de agronegócio no conselho de gestão do Rabobank International, criado em 1989, na Holanda, como uma cooperativa bancária de produtores agrícolas. Hoje presente em 47 países, o banco tem ativos da ordem de a 731,7 bilhões, dos quais, no ano passado, a 88 bilhões estavam em carteiras de agronegócio. Formado em administração na Fundação Getulio Vargas e morando em Haia, na Holanda, desde 1990, Marttin fica de olho no Brasil. Em entrevista à DINHEIRO RURAL, ele disse que o País precisa cuidar de sua imagem e que seu principal problema é a falta de mão de obra qualificada. “Logística, com dinheiro, se resolve em cinco anos”, diz Marttin. “Mas formar pessoas leva uma geração.”
DINHEIRO RURAL – Na visão do Rabobank, como o mundo avalia o Brasil?
BERRY MARTTIN – Não há mais dúvidas de que o Brasil vai ser um ator de grande importância para alimentar o planeta. A maneira com que o mundo tem olhado para o País não pode ser subestimada. Nos últimos governos, com os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e agora com a presidenta Dilma Rousseff, houve um esforço gigantesco para trazer a classe média para o consumo. Hoje, o Brasil é realmente um modelo mundial de controle de finanças e tem muito respeito de todo o setor financeiro. O País não é mais visto como um milagre, mas como fruto de uma política macroeconômica consistente. O grande desafio, agora, é administrar as oportunidades abertas ao País. Elas são tantas que, às vezes, é fácil se perder.
DINHEIRO RURAL – Os investimentos de longo prazo no Brasil são compatíveis com as expectativas de crescimento?
MARTTIN – Ainda não. Acho que os estrangeiros precisam entender e se acostumar com o Brasil como um todo. No momento em que isso ocorrer, os investimentos vão aumentar em todos os setores do agronegócio. Nos anos de 1980-1990, os estrangeiros viam apenas oportunidade de crescimento na produção. Essa visão está mudando lentamente para a América Latina, e mais especificamente para o Brasil. Está se criando uma compreensão mundial de que o País deve ser conhecido e entendido na sua grandiosidade.
DINHEIRO RURAL – A logística é o atual grande gargalo do País?
MARTTIN – Não, o grande gargalo do Brasil é a mão de obra qualificada. O grande investimento que o País precisa fazer para o futuro é a capacitação da mão de obra.
DINHEIRO RURAL – E a falta de estradas, portos, aeroportos e armazéns para escoar a produção agrícola?
MARTTIN – É outro problema. A logística pode ser resolvida com dinheiro. Fluxo de capital é uma coisa a ser organizada. Se o problema são aeroportos e estradas, é só colocar dinheiro que em dois ou três anos será resolvido. Mas o fluxo de mão de obra demora uma ou duas gerações para se organizar. Para se formar um engenheiro são necessários 25 anos.
DINHEIRO RURAL – Tratando-se de futuro, a previsão de que os alimentos fiquem cada vez mais caros não cria um cenário ruim no longo prazo?
MARTTIN – É difícil dizer o que é caro. Descontada a inflação do período, na década de 1970 os alimentos eram mais caros que hoje. O que está acontecendo é que os estoques do mundo inteiro estão ficando menores. E, quando os estoques não estão em balanço com a demanda, há aumento de preços. Hoje, os preços médios estão mais altos e mais voláteis na comparação com as décadas de 1980-1990, período em que ficaram bem estáveis. Os preços, que começaram a subir com o boom asiático, têm apresentado oscilações de 30% a 40%.
DINHEIRO RURAL – É possível conviver com isso?
MARTTIN – Há um cenário mundial completamente mudado e o produtor tem de se adaptar. Primeiro, em suas previsões, precisa contar com a volatilidade dos preços agrícolas. Segundo, a demanda vai continuar crescendo mais rapidamente que a oferta. Há um lado bom nisso tudo. Quem produzir vai ter mais retorno e é provável que se sinta incentivado a investir em tecnologia para aumentar a produtividade no campo. O ciclo virtuoso começa a acontecer.
DINHEIRO RURAL – Há uma discussão sem precedentes no mundo sobre sustentabilidade nos processos produtivos. Qual a política do banco para os tomadores de crédito?
MARTTIN – Uma coisa é certa: temos de reconhecer que não há mais terras aráveis em quantidade. Não conseguiremos colocar muito mais terras em produção, em cima do que já existe hoje. O desafio atual dos fazendeiros, que também é o nosso desafio, é como dobrar a produção com menos recursos ambientais. A tecnologia já existe. É possível irrigar por baixo da terra, há satélites para determinar o que e quando plantar e colher no momento certo. O Rabobank apoia os produtores para que eles tenham acesso a técnicas e manejo agrícolas. Mas é preciso que haja vontade da parte deles. O banco tem uma lei: se o produtor não quer mudar, ele não está olhando para o futuro e por isso não interessa à instituição um relacionamento de crédito nesse nível.
DINHEIRO RURAL – Mas parece que não se cobra dos demais países o mesmo comportamento em relação ao meio ambiente que se exige do Brasil.
MARTTIN – O discurso ambiental não é só para o Brasil. O que acontece é que o País tem uma biodiversidade muito grande e as imagens de derrubadas de florestas, que vêm de décadas passadas, foram muito duras e permanecem na cabeça das pessoas. Hoje, o Brasil é um dos mais avançados em questões ambientais, mas o mundo ainda não viu isso. Sempre digo aos líderes do agronegócio do Brasil que eles precisam falar mais sobre o que mudou no País nas duas últimas décadas. Na Europa e nos Estados Unidos, o Brasil ainda é visto como o país da motosserra.
DINHEIRO RURAL – Terras para estrangeiros têm sido tema de discussões acaloradas no Brasil. Como o banco tem visto a questão?
MARTTIN – Para ser bem honesto, nós não somos parte dessa discussão. O que vemos é que no mundo inteiro há essa mesma preocupação em relação às terras. A discussão existe na Nova Zelândia, na Austrália, na África. Acho que o compromisso que deve existir é o de produzir alimentos. Se há pessoas dispostas a investir em um país, dentro das leis, é preciso ter mecanismos de apoio.
DINHEIRO RURAL – Qual a estratégia do banco para crescer em países que podem ser grandes produtores e consumidores de alimentos?
MARTTIN – Nós olhamos o agronegócio como uma cadeia do começo ao fim. Financiamos a produção e, ao mesmo tempo, investimos no atacado por acreditarmos que o consumo aumentará muito. Já abrimos bancos na Índia, China e Indonésia, locais em que haverá um desenvolvimento muito grande no processamento e consumo de alimentos. Também apostamos na expansão das tradings.
DINHEIRO RURAL – Qual o mapa da expansão mundial de alimentos?
MARTTIN – Acreditamos em cinco regiões como grandes celeiros, com capacidade de superávit agrícola para exportação. Esses celeiros estão em parte da Austrália, na região central dos Estados Unidos, na Argentina e no Brasil, mais a região do Mar Morto – especialmente a Rússia e Ucrânia – e na África, numa região em torno do Centro-Sul do continente, incluindo África do Sul, Zâmbia e Quênia. Do outro lado, há regiões que, claramente, vão ter deficit na produção agrícola, especialmente nos países do Sudeste Asiático e na China. Nessas regiões, as terras agricultáveis não são suficientes para produzir para a própria população. Serão, cada vez mais, grandes compradores de alimentos.
DINHEIRO RURAL – Boa parte dessas regiões é tomada por pequenos produtores, um setor de pouca importância para o sistema financeiro. Não é uma contradição?
MARTTIN – Eu acho que o futuro da agricultura não está somente com o grande produtor. O futuro também está no compromisso de trazer o pequeno produtor para o sistema. O caminho, não só na África, mas também no Brasil, são as cooperativas. O próprio Rabobank nasceu da união de pequenos produtores na Holanda. Uma das coisas em que acreditamos é que para ter sucesso – nossa história mostrou isso – os produtores precisam de acesso a meios de pagamento e a financiamento. Crédito, aumento da produção e mercado fazem parte de um mesmo ciclo e é nele que apostamos.