04/06/2018 - 10:00
No dia 25 deste mês, a fazenda São Matheus, localizada em Selvíria, município onde o Mato Grosso do Sul faz divisa com São Paulo, promove um dia de campo para receber produtores da região. O evento, na 11ª edição, servirá para mostrar como a propriedade tem aplicado as tecnologias mais adequadas à Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF), um conjunto de arranjos produtivos que já ocupa 14,6 milhões de hectares no País, mas que tem potencial para chegar a 19,3 milhões de hectares até 2020. “Com a integração da lavoura com a pecuária nos tornamos especialistas em recuperar solo”, diz o agrônomo Mateus Arantes, CEO da fazenda São Matheus e um dos quatro herdeiros do negócio. “Nessa tarefa não importa quanto vamos produzir, mas quanto de recurso vai sobrar no bolso.” A São Matheus, de origem pecuária, cria e engorda gado nelore em 575 hectares, e planta soja e milho em 840 hectares. No ano passado, o lucro com a venda da soja foi de R$ 1,9 mil por hectare. Já, no setor de engorda, atingiu R$ 1,3 mil por hectare. Na cria, R$ 1 mil por hectare. Neste ano, com um cenário econômico mais favorável, a expectativa é de R$ 2,1 mil na soja, R$ 1,9 mil na engorda e R$ 1,3 mil na cria. Arantes acredita que, na safra de 2019, o lucro com a engorda do gado já será superior ao cultivo de soja: R$ 2.560 por hectare, contra R$ 2.480. Só para comparação, o lucro médio da pecuária em uma área de solo degradado é de R$ 45 por hectare.
O Brasil possui 172 milhões de hectares de pastos destinados à alimentação dos animais, dos quais apenas 20% não estariam degradados, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os demais possuem de uma leve perda da capacidade de recuperação natural até o estágio de solo descoberto e tomado por plantas daninhas. Para Paulo Herrmann, presidente da fabricante americana de máquinas agrícolas John Deere Brasil, o País precisa rapidamente de talentos especializados em difundir como os produtores podem usar a ILPF e tirar proveito dessa técnica. “Nós precisamos fabricar gente conectada em sistemas integrados, porque a ILPF é a grande revolução em curso”, diz Herrmann. “Mas o produtor que quer fazer ILPF na sua propriedade vai procurar quem?”
A pergunta de Herrmann começou a ser respondida no início do mês passado. No dia 4 de abril, na sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Rede ILPF foi formalizada como uma associação para atuar em parcerias público-privadas. Estão no foco pesquisas, educação e o fomento de sistemas, a partir de recursos captados no mercado. A Rede ILPF existe desde 2012, mas não contemplava essa possibilidade. Não por acaso, o banco Bradesco, uma das maiores instituições financeiras do País, aderiu ao projeto imediatamente (leia mais na pág. 42). O banco se juntou a outros participantes que já estavam desde o início do projeto, como a John Deere, a paranaense Cocamar Cooperativa Agroindustrial e a Syngenta, empresa de biotecnologias que no ano passado ficou entre as primeiras colocadas no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL na categoria Agronegócio Direto. “A ILPF se insere na bioeconomia global e pode atrair investidores de todo o mundo”, diz Maurício Lopes, presidente da Embrapa. “Os países que demandam por alimentos, como os europeus e os asiáticos, querem criar vínculos fortes com os países provedores. Os recursos disponíves no mercado estão na casa do trilhão de dólares.”
Mais gente qualificada para gerir a agropecuária pode significar também um salto qualitativo na ILPF. Herrmann diz que no futuro a sigla deve ganhar outras letras, como E, C e A. Será possível e viável promover metodologias que dêem suporte para mensurar o valor da energia, do carbono e da água no sistema ILPF. “Em uma lavoura, a métrica de avaliação não será mais sacos de sementes por hectare, mas unidades de semente por hectare”, diz ele. “Nós vamos redesenhar processos e por isso é preciso tecnologia e gente.” A cooperativa Cocamar, com 14 mil cooperados, vem fazendo a lição de casa. Em seu quadro de 110 técnicos que atuam nas propriedades, 25 agrônomos e zootecnistas já são especializados em ILPF. “O conhecimento é importante porque nós precisamos domar uma área de difícil manejo”, diz Luiz Lourenço, presidente da Cocamar. Ele se refere ao Arenito Caiuá, região do noroeste paranaense formada por 107 municípios com uma característica comum: são de terras arenosas e pobres em nutrientes. A área é de 3,2 milhões de hectares, o equivalente a 16% do Estado e quase toda ocupada por pastagens. É nessa região, onde há uma grande quantidade de cooperados, que a Cocamar está incentivando o uso da ILPF. Atualmente, estão no sistema 200 pecuaristas, donos de 100 mil hectares, dos quais 32,5 mil hectares têm cultivo de soja e 55 mil hectares, de aveia. “São ilhas de prosperidade num mar de ineficiência”, diz Lourenço. “Precisamos inverter essa lógica.”
Para Júlio César dos Reis, pesquisador da unidade Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop (MT), isso vai ocorrer quando o produtor enxergar valor no negócio. Reis é um dos pesquisadores de um grupo que há quatro anos estuda a viabilidade econômica nos sistemas ILPF, a partir de experimentos em nove fazendas de Mato Grosso. O estudo tende a ser nacional, com a incorporação dos demais Estados no chamado Projeto Eco, que há dois anos começou a ser esboçado por 17 unidades da Embrapa.
Uma das fazendas que será integrada ao estudo é a Santa Brígida, em Ipameri, no sul de Goiás, também de origem pecuária. A propriedade de cerca de mil hectares pertence à produtora Marize Porto Costa, hoje considerada um dos modelos de maior eficiência em ILPF. O resultado operacional líquido do sistema na Santa Brígida, valor que sobra no final do processo, foi R$ 3.962 por hectare na última safra. Para comparar, o lucro operacional na área de pecuária foi de R$ 1.698 por hectare. “Tenho praticado tudo o que a Embrapa recomenda”, diz Marize.
“A fazenda está nas mãos dessa inteligência desenvolvida e que serve para uma infinidade de produtores.” No mês passado, em 5 de abril, um dia após a criação da associação Rede ILPF, Marize recebeu produtores de todo o País para um dia de campo.
Participaram do evento 1,2 mil pessoas, como grupo da Cocamar, além de produtores de diversos portes. Entre os grandes estava o agrônomo José Leandro Peres, da fazenda Pontal, em Nova Guarita (MT), dono de 8,5 mil hectares. Mas, dessa área, 54% são de mata nativa, que ele não pode, por lei, desmatar. A produção está em 3,8 mil hectares, dos quais 900 hectares estão no sistema integrado de boi, soja e milho, desde 2004. Na safra 2017/2018, a receita foi de R$ 9,9 milhões, com R$ 2.573 por hectare na área produtiva. “Sem a integração minha receita seria muito menor”, diz Peres. “Todo o esforço para aperfeiçoar o sistema agrega valor ao negócio.”
Na ponta dos pequenos produtores estava o carioca Filippo Letta, de 25 anos. A família de Filippo é dona de uma área minúscula. São 12 hectares herdados do avô, localizados no Recreio dos Bandeirantes, quase dentro da cidade do Rio de Janeiro. Mensalmente, Letta produz 30,8 mil litros de água de coco, três mil litros de leite de vaca e de cabra, 1,5 mil ovos de galinha caipira e três mil quilos de lenha de eucalipto. Para vender os produtos a pequenos comerciantes nas imediações da propriedade, Letta criou a marca Ah Pashto. A renda mensal é de R$ 170 mil, que ele espera ver maior quando conseguir montar um sistema de venda direta ao consumidor. “Acredito que exploramos os sistemas integrados ainda na superfície das oportunidades”, diz ele. “Na prática, já está mais do que provado que regenerar a terra traz lucro. Mas é preciso avançar.”