04/06/2018 - 10:00
N a manhã do dia 9 de abril, quando a brasileira Marfrig Global Foods, uma das maiores empresas de proteína animal do mundo, anunciou a compra do controle da americana National Beef, frigorífico com sede em Kansas City, a notícia pegou o setor do agronegócio de surpresa. Mas o negócio fechado por US$ 969 milhões com a holding de investimentos americana Leucadia National Corporation, dona da empresa, caiu como uma luva nos planos da Marfrig, empresa que faturou R$ 19 bilhões no ano passado. “A compra da National Beef reflete a nossa estratégia de crescimento sustentável”, disse Marcos Molina, fundador e presidente do Conselho de Administração da Marfrig, em um comunicado ao mercado. Nas mãos da brasileira ficarão 51% das ações da National Beef. A Leucadia manterá 31% e o restante será da associação de produtores americanos US Premium Beef e demais acionistas. Com a aquisição, a Marfrig torna-se a segunda maior companhia de carne bovina do mundo, com faturamento consolidado de RS 43,3 bilhões, atrás apenas da conterrânea JBS, da família Batista, com receita de R$ 163,2 bilhões.
A National Beef comercializa carne in natura, pratos prontos à base de carne bovina e suína, couro e produtos derivados de carne. Nas suas duas unidades de processamento localizadas em Dodge City e Liberal, no Estado de Kansas, ela abate 12 mil cabeças de gado por dia ou 13% da capacidade do mercado americano, sendo a quarta maior do país. Com a compra, o abate global da Marfrig passa a 35 mil bovinos por dia. A operação, de acordo com Molina, atende a dois propósitos, ao mesmo tempo em que coloca toda a força da Marfrig na sua especialidade: o abate e a venda de carne bovina. O primeiro objetivo é diminuir a dívida de US$ 2,4 bilhões, o equivalente a 4,55 vezes a sua geração de caixa.
Com o negócio, ela cai para 3,35 vezes. Nesse item, os planos da Marfrig são também o de vender a americana Keystone Foods, fornecedora do McDonald’s nos Estados Unidos e especializada em carne de frango. No processo para reduzir o endividamento, a Marfrig já se desfez também de outros ativos, como a Seara para a JBS, por R$ 5,8 bilhões em 2013. Dois anos depois foi a vez da irlandesa Moy Park seguir o mesmo caminho, por US$ 1,5 bilhão. O segundo motivo para Molina comprar a National Beef é o de abrir o mercado japonês para a venda de carne bovina. Especializada nesse segmento, a companhia americana exporta para 40 países, como Japão e Coreia do Sul, mercados atualmente fechados ao produto brasileiro e que pagam um valor mais alto pela carne. O preço médio da tonelada de carne bovina exportada pelo País foi de US$ 4,1 mil. Quando compravam do Brasil, esses países pagavamUS$ 4,9 mil.
Segundo Martín Secco, CEO da Marfrig, a ideia é usar o conhecimento de mercado que a National Beef detém para conquistar os japoneses a partir das unidades de abate da Marfrig no Uruguai. “A National Beef já comercializa com o Japão há 20 anos e conhece a preferência dos consumidores aos produtos e a raça animal mais apreciada por eles, além das boas práticas na produção industrial e de segurança alimentar”, diz Secco. “Neste ano, o Japão abrirá as portas para a carne uruguaia e isso nos interessa.” A Marfrig possui quatro frigoríficos no Uruguai e espera a habilitação dessas unidades para exportar ao mercado japonês até o fim deste ano. Para Lygia Pimentel, sócia e diretora da consultoria Agrifatto, a compra da Marfrig também é importante para a imagem do Brasil no exterior, já que seus produtos podem ser um exemplo da qualidade da carne nacional. “Pode ser uma porta de entrada se a Marfrig fizer uma boa gestão”, diz Lygia. “Os importadores de países que não são clientes podem se interessar em uma carne vinda diretamente do Brasil.”
Para a consultora da Agrifatto, outra consequência é a diluição dos riscos em diferentes mercados. “A JBS já tinha operações nos Estados Unidos e na América do Sul”, diz ela. No ano passado, a empresa dos irmãos Batista vendeu por US$ 300 milhões suas operações na Argentina, Paraguai e Uruguai para a Minerva Foods. A Marfrig, com a
compra, faz o caminho da diversificação de mercado.
Para fechar a compra da National Beef, a Marfrig ainda precisa do aval de seu segundo maior acionista, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNES), que possui 33,7% da empresa, o que não deve ser problema. Mas ainda há uma barreira a ser transposta. Uma semana depois do anúncio do acordo da aquisição, o Comitê de Agricultura do Senado dos Estados Unidos solicitou a revisão da proposta à Comissão de Investimentos Estrangeiros como forma de salvaguardar empresas americanas do controle estrangeiro. Apesar de a Marfrig não aparecer nos escândalos da Operação Carne Fraca, isto foi usado como pretexto para o pedido de revisão.
O fato é que a operação não é a primeira tentativa de uma empresa brasileira comprar a National Beef. Em 2008, a JBS tentou adquirir a companhia americana, mas o governo dos Estados Unidos vetou o negócio. Para Secco, isso não deverá ser uma barreira. “É algo usual esse tipo pedido quando há uma venda a capitais estrangeiros”, diz o executivo. “Eles alegam preocupação com a segurança alimentar no país, mas é um argumento muito pobre. O importante é que não há risco algum à operação entre as duas partes.”