O Brasil fortaleceu na Organização Mundial do Comércio (OMC) sua posição mais ao centro em relação à questão sobre a quebra de patentes de vacinas contra covid-19. Na prática, o País indicou que está disposto a iniciar uma negociação sobre a suspensão durante a pandemia, o que indica uma mudança de postura sobre o tema. Essa alteração é importante, mas ao mesmo tempo tênue, já que a linha de defesa principal brasileira é a de buscar transferência tecnológica, mantendo a preservação dos interesses das empresas que investiram na busca de um imunizante.

As ações diplomáticas – principalmente quando revelam um desvio de rota – costumam ser feitas de forma muito paulatina. E uma das principais preocupações do Itamaraty é a de que recaia sobre o País a pecha de que é uma nação que não respeita contratos. Por isso, o trabalho diplomático no Congresso para evitar uma ação unilateral do Brasil sobre o tema também tem sido feito de forma incisiva nas últimas semanas.

A decisão do Brasil de evitar negociações nesse sentido era vista com crítica por alguns agentes do terceiro setor. A avaliação era a de que o País não contribuía para que o assunto avançasse dentro da OMC e era um dos poucos entre os emergentes a não apoiarem esse caminho.

“O Brasil está pronto para iniciar negociações baseadas em texto sobre a dispensa das disposições do TRIPS (sigla em inglês referente ao acordo que regula propriedade intelectual durante a pandemia). Vamos nos envolver de forma aberta e construtiva em tais discussões visando resultados tangíveis no menor prazo possível”, disse nesta terça-feira, 8, o embaixador Alexandre Parola, no primeiro dia de reunião do Conselho, que continua nesta quarta-feira (9).

Nesse discurso, o representante do Brasil na OMC considerou que o governo brasileiro está “profundamente comprometido” em fornecer soluções dentro da estrutura da Organização para apoiar os esforços globais para acabar com a pandemia. “Não existe uma fórmula simples para enfrentar a ampla gama de desafios envolvidos no desenvolvimento, fabricação e distribuição de vacinas e terapêuticas em todo o mundo”, ponderou Parola, acrescentando que reforça a necessidade de haver uma solução “holística” para o caso.

O embaixador comentou que o Brasil tem trabalhado em diferentes frentes para construir uma estrutura robusta de comércio e saúde para a OMC, que lide com os diversos desafios de uma forma abrangente. “E continuamos abertos a outras propostas que possam contribuir para melhorar ainda mais as ferramentas disponíveis na OMC para responder às crises de saúde”, enfatizou.

Ele disse também que é preciso que os países saiam da atual pandemia mais bem preparados para as próximas. E observou que há muita assimetria no mundo para o enfrentamento do surto. “Esse desequilíbrio é algo que devemos abordar com urgência”, alertou, mencionando que a produção de medicamentos e vacinas está muito concentrada em algumas partes do mundo. “Esta pandemia provou que isso precisa mudar.”

Parola ressaltou que é preciso disseminar o conhecimento que se tem hoje na área da saúde para aumentar o nível de preparação do mundo para ameaças futuras. O Itamaraty argumentou ainda que as discussões no conselho Trips ficaram praticamente apenas com foco na proteção de patentes e apenas “marginalmente” trataram da transmissão de tecnologia e know-how. Para o Brasil, essa transmissão pode “não fluir automaticamente para fabricantes potenciais de vacinas e terapêuticas uma vez que os direitos de patentes sejam licenciados ou renunciados”.

“Gostaríamos de ver discussões mais aprofundadas sobre a operacionalização deste importante aspecto prático, que é fundamental para o sucesso de uma estratégia de isenção de patentes”, sugeriu. “Também estamos interessados em soluções que preservem a transparência e um nível suficiente de segurança jurídica para as partes interessadas, de modo que não atrapalhemos injustificadamente os esforços de colaboração.”

Brics

Nos últimos meses, Índia e África do Sul passaram a liderar um bloco de países em desenvolvimento que pedem na OMC a suspensão de patentes das vacinas. Os Estados Unidos surpreenderam recentemente ao dizerem que estão dispostos a apoiarem essa medida, mas algumas ressalvas foram colocadas. Há preocupações no Brasil, por exemplo, sobre o tempo dessa suspensão, que não foi especificada, e há a avaliação de que deve ocorrer apenas enquanto a pandemia existir, e também sobre os insumos sobre os quais recairá. Há uma expectativa de que Índia e África do Sul apresentem uma nova proposta sobre o tema com mais informações a respeito dessas questões. Não há, no entanto, um prazo específico para que os países entreguem o relatório à OMC.

Com a adesão de China e Rússia à proposta, apenas o Brasil está fora desse apoio dentro do grupo dos Brics (formado exatamente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O acordo Trips e as leis domésticas já são suficientes, na avaliação do Itamaraty, para que haja quebra de patentes, caso seja necessário dentro de um momento extraordinário. Apesar de a pandemia poder ser classificada como tal, a avaliação interna é a de que a falta de insumos se dá pela baixa capacidade do setor privado de oferecer vacinas, e não necessariamente por questões de monopólio de produção.