01/11/2007 - 0:00
Marcos Jank
O engenheiro agrônomo Marcos Jank não brinca em serviço. Nem bem chegou à Unica, entidade do setor sucroalcooleiro, e passou a carregar duas bandeiras: a geração de energia a partir da cana e a internacionalização do setor. Além disso, uma de suas principais bandeiras é a questão da sustentabilidade: “Por meio do protocolo agroambiental, antecipamos em sete anos o prazo de eliminação da queima de cana no Estado de São Paulo. Mais de 60 usinas já aderiram”, diz ele. Leia, a seguir, sua entrevista à DINHEIRO RURAL.
DINHEIRO RURAL – O Brasil está deixando de ser o país do futebol para se tornar o país do etanol?
Marcos Jank – Existe uma mudança estrutural acontecendo no mundo que decorre das preocupações com o aquecimento global, que leva os governos a buscar alternativas de combustíveis renováveis. Isso coincide com a alta do petróleo. Acabou o petróleo barato. Estamos falando de preços bem acima de US$ 60 o barril, o que abre espaço para biocombustível. O Brasil é o único país que tem 25% de álcool misturado à gasolina e temos distribuição de álcool hidratado em todos os postos de gasolina do País. A frota nova de veículo é 90% flex. Temos uma experiência muito maior que o resto do mundo e trabalhamos com a melhor planta. Há uma diferença muito grande entre fazer álcool de cana e de milho, trigo ou beterraba. A cana tem o dobro de produtividade. São oito mil litros por hectare contra três mil no milho e o balanço energético é cinco vezes melhor. Países como os Estados Unidos também querem depender menos do petróleo. E, como o presidente Lula tem dito, hoje 20 países no mundo que têm petróleo abastecem 200 países. Se desenvolvermos os biocombustíveis, podemos ter mais de 100 países abastecendo 200. Isso mudaria o mundo.
“Lula tem dito, com razão, que hoje 20 países que têm petróleo abastecem os outros 200”
DR – A estimativa da Unica é de 36 bilhões de litros na safra 2012/2013. Contando com um consumo interno de 24 bilhões, qual é a estratégia para os 12 bilhões de litros de etanol que sobrariam?
Jank – No curto prazo, você tem desequilíbrios de oferta e demanda. Estamos em um momento histórico de preços baixos, tanto de açúcar como de álcool. Este mercado mundial que a gente está querendo não se consolidou porque surge um terceiro problema. Por um lado, questões ambientais e energéticas levam os países a buscarem a saída dos renováveis. Por outro, o mercado dos biocombustíveis é muito protegido. Europa, EUA e Japão têm tarifas altíssimas e querem desenvolver etanol com seus próprios produtores: os americanos com milho e a Europa com trigo e beterraba. Isso faz com que o mercado de etanol seja muito pequeno. Conseqüência: sobra álcool no Brasil, que podia ser exportado, e o preço cai. Neste ano e no ano que vem, a gente prevê rentabilidade baixa no setor. Por isso, precisamos abrir o mercado mundial, consolidar o etanol como commodity global.
DR – E o que tem sido feito neste sentido?
Jank – A gente tem contado com a ajuda espetacular do presidente Lula, que nas duas últimas viagens falou de etanol boa parte do seu tempo, seja na América Central, seja nos países escandinavos. Mas ainda não convenceu os países de que o etanol deveria ser uma commodity global e não uma commodity nacional. Para os EUA, além de fazer etanol de milho, seria ótimo se considerassem a possibilidade de importar etanol do Brasil, da África e de outros países em desenvolvimento.
DR – Então, como abrir novos mercados?
Jank – Com a presença full-time lá fora. Vem daí a decisão de abrir três escritórios no Exterior. Já abrimos um em Washington e vamos abrir ainda este ano em Bruxelas e, no ano que vem, em Tóquio. Vamos ter, na verdade, umas dez pessoas nossas para defender a indústria da cana-de-açúcar, as vantagens da energia da cana-de-açúcar na Europa, nos EUA e na Ásia.Vamos agir junto ao Legislativo, Executivo, ONGs, setor privado, mídia. Por isso, estamos nos internacionalizando.
DR – Quais as novas fronteiras da cana?
Jank – Usamos apenas um terço da cana-de-açúcar, que é o caule. Dois terços da planta seriam o bagaço e futuramente a palha da cana, que hoje vai embora com a queima. As usinas são auto-suficientes em energia graças ao vapor gerado pelo bagaço em caldeiras de baixa pressão. O que vamos fazer nos próximos anos é trocar estas caldeiras por outras de alta pressão e trazer 50% da palha para a usina, pois o corte vai ser mecânico. Se nós conseguirmos utilizar 75% do bagaço e 50% da palha para gerar energia, teremos condições de gerar eletricidade para 15% das necessidades do Brasil, o que equivaleria em 2015 a uma Itaipu, cerca de 10 mil megawatts. Mas para isso ocorrer, além da troca das caldeiras, é preciso que haja precificação da biomassa, conexão da energia na rede elétrica. É uma nova cultura, não é mais aquela da barragem lá longe, mas a cultura de 350 plantas que podem gerar eletricidade no coração do sistema elétrico.
DR – Como está esta questão?
Jank – Estamos em intensas discussões com os órgãos reguladores. Há uma demanda de eletricidade que precisa ser comprada pelo Estado para não ter apagão em 2010, 2011 e 2012. Para que esta energia surja, a alternativa mais rápida e ambientalmente limpa é a biomassa da cana. Estamos fazendo todo esforço para iniciar esta conversão de caldeira agora, porque leva dois anos para elas serem entregues e instaladas. Teríamos que fazer isso nos próximos seis meses a um ano, para que em 2010 o setor possa gerar pelo menos 3 mil megawatts. Nós achamos que essa fronteira vai acontecer, mas isso depende de regulação da política pública. O potencial já está em campo, não precisa ser implementado, pois o bagaço e a palha estarão lá de qualquer jeito pela expansão do setor.
DR – Há um projeto em discussão que daria à Agência Nacional de Petróleo poder para regular o setor…
Jank – Nós entendemos que o álcool é combustível e tem que ser regulado, mas não pode ser a mesma regulação do petróleo porque a estrutura do mercado de etanol é diferente. O petróleo é monopólio da Petrobras, já o álcool é um setor de alta concorrência, não se pode aplicar a mesma regra. Estamos buscando uma regra adequada. O projeto não foi do nosso agrado, mas avançamos nas conversas com a ministra Dilma, que tem se demonstrado sensível para fazer algo que seja bom para a sociedade. Existe a questão da lei do álcool e as medidas para viabilizar a eletricidade num curto prazo. Estamos conversando sobre mecanismos de precificação da bioeletricidade e toda a questão está relacionada com o fato de você não produzir bioeletricidade o ano inteiro. Você produz quando tem bagaço, que é durante a safra, que coincide com os meses de seca, quando os rios estão baixos. Isso diminui o risco de blecaute. Estamos levando isso para a discussão e pedindo a agilização do licenciamento ambiental das usinas.
DR – A Unica tem focado muito no protocolo agroambiental. Por quê?
Jank – Sustentabilidade é uma das preocupações da Unica. Existe uma pressão crescente, que já passou pela soja, pelo boi, sobre questões ambientais e sociais ligadas ao plantio da cana. Nessa área, tivemos uma ação de êxito que foi o protocolo agroambiental de São Paulo, onde antecipamos o prazo para a eliminação da queima da cana em sete anos, de 2021 para 2014. Já temos mais de 60 usinas que aderiram ao protocolo. Obviamente, quando você elimina a queima, está tendo ganhos ambientais extraordinários. Vai poder usar bagaço e palha e reduzir as emissões de gases poluentes. Vai transformar fumaça e fuligem em luz.
DR – E o custo social?
Jank – São 180 mil cortadores de cana que vão perder este emprego. Por isso, vamos anunciar um grande programa de recolocação de mão-de-obra. Ao mesmo tempo que vamos perder 180 mil cortadores em São Paulo, geraremos 50 mil empregos em colheita e plantio mecânico, passando de 15 mil para 65 mil, e pelo menos 20 mil empregos na indústria sucroalcooleira. Vamos gerar emprego novo para 70 mil pessoas. Este é o esforço do setor para qualificar a mão-de-obra. Hoje já existe um boom de procura por tratorista, caldeireiro e operador de máquinas.
“Colocar o álcool sob a ANP não nos agrada e já levamos nosso problema à ministra Dilma Rousseff”
DR – Vocês têm investido na imagem do setor?
Jank – Entendemos que o setor precisa se comunicar melhor com a sociedade. Hoje, temos uma imagem positiva do álcool no Brasil e no mundo, mas ainda existe preconceito contra o produtor. Por isso, lançamos a primeira campanha de rádio e tevê da história do setor.
Uma campanha maciça, principalmente em rádio, que combate alguns mitos e crendices.
DR – Quais tipos de mitos e crendices?
Jank – O mito de que ao expandir a cana você prejudica a produção de alimentos. Isso é absolutamente falso. Sabemos que a cana no Brasil teve um enorme crescimento nos últimos 20 anos, de 100 milhões de toneladas para quase 500 milhões, mas cresceram outros alimentos.
Agora, somos um país de café, cana, milho, algodão, soja, suínos, aves, leite, etc. O Brasil diversificou muito o uso da terra. É uma inverdade quem acha que vamos voltar a ser uma monocultura de cana. Na verdade, estamos diversificando uma área que era extremamente concentrada em pastos e soja. Vamos comunicar dados de universidades que mostram que é possível expandir a cana e, ao mesmo tempo, crescer na produção de carne bovina, leite, milho e algodão.
DR – Como é a produtividade da cana?
Jank – Em oito mil litros por hectare, mas com a hidrólise do bagaço e com as variedades transgênicas que estão vindo, nós podemos chegar a 14 mil litros por hectare. O crescimento da cana vai depender da produtividade.
DR – Há quem não acredite que o etanol possa substituir o petróleo, já que os fertilizantes usados na lavoura são de origem fóssil…
Jank – Toda a agricultura usa fósseis: o combustível, os fertilizantes. Mas a conversão de energia fóssil em energia renovável na cana é de 1 para 8.4. Então para cada unidade de energia fóssil que entra na produção de cana, a gente consegue gerar mais de oito unidades de energia renovável. É uma conta fantástica. O milho é 1 para 1.4. Sem contar que o etanol de cana reduz as emissões de gases de efeito estufa nos automóveis em até 80%.
DR – O setor sucroalcooleiro nacional tem atraído multinacionais e fundos estrangeiros..
Jank – A internacionalização é um fenômeno global. Faz parte tanto a vinda de estrangeiros para cá como a saída de nossos grupos para outros países. Das 80 novas plantas que estão sendo feitas, 80% é capital brasileiro. Não está havendo uma desnacionalização.