10/09/2018 - 10:00
Cerca de 20 toneladas de batata são embarcadas quase todos os dias na fazenda Campo Vitória, em Vargem Grande do Sul, no interior paulista, rumo à capital. Com o caminhão carregado, o trajeto de pouco mais de 220 quilômetros leva três horas para ser percorrido. Mas nada se compara ao momento de descarregar a carga. “Posso levar até um dia inteiro para isso”, diz o produtor Carlos Aberto de Oliveira Filho, 66 anos, dono da Campo Vitória. “Essa é a realidade de quem abastece o principal entreposto da maior cidade do País”. Oliveira Filho se refere ao Entreposto Terminal São Paulo (ETSP), administrado pela Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado (Ceagesp), empresa pública federal no âmbito da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A Ceagesp, como é mais conhecido o ETSP, está localizada na zona Oeste da capital paulista, em uma área equivalente ao tamanho de 70 campos de futebol e muito valorizada no mercado imobiliário. Há alguns anos está, também, no centro de uma acalorada discussão sobre o futuro da distribuição de alimentos para 14 milhões de paulistanos: permanecer ou não dentro do tumultuado espaço urbano. Mas, no caso de Oliveira Filho, ele não quer mais participar dessas discussões: dentro de quatro anos as suas batatas não mais seguirão para a Ceagesp, mas para o Novo Entreposto de São Paulo (Nesp), um projeto que começa a ser implantado na zona Norte da capital. A promessa é de um descarregamento de cargas que não ultrapasse 30 minutos de espera.
Isso porque, enquanto vários grupos de interesse na gestão de um novo entreposto permanecem em compasso de espera, o Nesp começa a sair do papel, mesmo com indefinições. Concorrem com ele a Companhia Paulista de Desenvolvimento (CPD), a Ideal Partners e a Fral Consultoria. Todas são empresas gestoras de projetos de infraestrutura e serviços públicos. Quem cruzará primeiro a linha de chegada? Está em jogo o comando da maior unidade de abastecimento do País. No ano passado, 3,3 milhões de toneladas de produtos passaram pela Ceagesp, resultando uma movimentação financeira de R$ 7,9 bilhões (confira no quadro acima o ranking dos dez maiores entrepostos do País).
Os quatro projetos paulistanos são as primeiras incursões da iniciativa privada em um setor que está nas mãos do governo federal desde a década de 1960, com a criação das primeiras Centrais Estaduais de Abastecimento (Ceasas). Hoje são 60 unidades, das quais 14 estão no Estado de São Paulo. Embora tenham movimentado R$ 38,3 bilhões no ano passado, esses empreendimentos têm enfrentado grandes desafios na modernização da gestão da segurança alimentar, como uma maior eficiência logística e de relacionamento com produtores e consumidores. Os entrepostos são os principais centros de venda direta da produção agrícola do País, entregando ao mercado frutas, hortaliças, flores, castanhas, cereais, peixes, frutos do mar, ovos, além de laticínios e carnes bovina, suína e de aves.
Para o economista Jorge Luiz Andrade da Silva, diretor de Operações e Abastecimento da Conab, todas as propostas de mudança do entreposto paulista são boas e têm capacidade para firmar um convênio de gestão com o governo. “São projetos que poderão tirar o grande atraso que são as Ceasas hoje no País”, diz Silva. “Além de representar uma vitrine para outras iniciativas nos demais Estados.” Não é por acaso a transferência da gestão da Ceagesp para a iniciativa privada. Isso porque, embora a Ceagesp ocupe uma área avaliada em cerca de R$ 5 bilhões, ela vem acumulando prejuízos milionários e tem se tornado um fardo para a gestão pública. Nos dois últimos anos, o resultado das operações registra um prejuízo de R$ 32,8 milhões. “Não há gestão alguma que possa mudar isso”, diz Silva. “O ideal mesmo é que ela mude para outro lugar.” O processo de escolha de um novo espaço está na pauta do governo desde 2016 (confira a agenda do Nesp no quadro ao lado). E ela será uma decisão conjunta entre a Conab e a prefeitura de São Paulo. “Acredito que até o início de 2019 essa decisão esteja tomada”, afirma Silva.
Hoje, três mil atacadistas e varejistas de alimentos ocupam o espaço do Ceagesp, pagando um aluguel de cerca de R$ 120 por metro quadrado. Sérgio Benassi, 65 anos, empresário do setor de distribuição, produtor de frutas em Jarinú (SP) e presidente do Nesp, diz que uma das principais metas do projeto é refinar os processos de gestão. “Queremos revolucionar o sistema de abastecimento do País”, diz ele. “Por isso vamos construir o mais moderno entreposto da América Latina.” No caso do preço do metro alugado, embora não haja um valor definido, Benassi afirma que ele será menor. E explica o motivo. O Nesp é formado por um grupo de 357 empresários, todos distribuidores da Ceagesp. Eles respondem por metade da movimentação de mercadorias do entreposto e são os maiores interessados em baixar custos.
Para competir pela gestão do novo entreposto, do total de associados ao Nesp, 238 acionistas bancaram R$ 274 milhões para comprar um terreno de quatro milhões de metros quadrados e para desenvolver o projeto arquitetônico. Até 2022 serão investidos um total de R$ 1,5 bilhão, incluindo as obras de acesso viário ao entreposto, segundo João Barossi, 49 anos, produtor rural e diretor administrativo do Nesp. “É o projeto que vai virar a nossa página, nos livrando de tudo que nos atrasa hoje.” A obra começa no ano que vem, assim que for finalizado o Estudo de Impacto de Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima). A meta do grupo, com os trabalhos adiantados, é convencer o governo de que o Nesp é a melhor escolha para ser o novo entreposto paulistano. “Mas, se isso não acontecer, mesmo assim vamos por em funcionamento o nosso projeto”, diz Benassi. “Seremos mais uma alternativa de distribuição.”
Da área total comprada pelo Nesp nas proximidades do anel viário, que interliga importantes rodovias do Estado, o empreendimento deve ocupar 1,6 milhão metros quadrados, sendo 751 mil metros quadrados de área construída. O projeto contempla nove pavilhões para o comércio de alimentos, com túneis que interligam esses pavilhões, além de uma área de estocagem de produtos no subsolo, segundo o executivo Antonio Augusto Verucci, diretor de logística do Nesp. “Todos os fluxos de trânsito serão separados”, diz Verucci. “Não cruzarão pelo mesmo caminho quem for descarregar ou comprar produtos”. São 1,7 mil vagas exclusivas para carga e descarga, e consta no projeto um terminal ferroviário para ser construído mais para a frente. “Estudamos os cinco mais importantes centros de distribuição de alimentos na Espanha, Itália e França, e trouxemos o que melhor se encaixa à realidade brasileira”, diz Benassi.” No futuro, o espaço poderá abrigar até unidades de moagem e de armazenamento de cereais. “Temos muito espaço para isso”, afirma Benassi. Com essa estrutura, a estimativa é passe pelo Nesp 4,6 milhões de toneladas e que gere negócios da ordem de R$ 11 bilhões, 40% a mais do que é vendido hoje na Ceagesp.
Por conta dessas facilidades na pauta, o produtor Oliveira Filho, da Campo Vitória foi um dos primeiros acionistas do Nesp. Isso porque, além das batatas, ele produz grãos como soja, milho e feijão em São Paulo e em Minas Gerais, além de gado, em Goiás. São nove propriedades que ocupam 1,8 mil hectares. Para ele, seria um grande negócio entregar toda a sua produção, sem mais se sujeitar à precariedade da Ceagesp. No caso das batatas, por exemplo, até o fim do ano ele deve colher 17,5 mil toneladas. “Há 20 anos vendo diretamente minha produção na Ceagesp”, afirma Oliveira Filho. “No Nesp, acho que poderemos contar com um espaço melhor organizado e com muita tecnologia.” Para o produtor de frutas Valentin Appolari, 53 anos, o Nesp poderá resgatar o seu negócio como distribuidor na Ceagesp. Dono da fazenda Miraiá, de 220 hectares em Paranapanema (SP), Appolari cultiva laranja, tangerina, caqui e pêssego e vende no entreposto paulista. “Mas há varejistas que preferem ir até a propriedade para comprar a produção”, diz Appolari. “E também há quem prefira se abastecer no Ceasa de Contagem (MG) do que entrar na Ceagesp.”