01/02/2008 - 0:00
Na primeira semana de dezembro, o ministro da Agricultura da Itália, Paolo de Castro, passou pelo Brasil para uma visita rápida, mas produtiva. Na pasta trouxe propostas de lutar pela certificação da carne pelo Brasil e apoio no relacionamento com a Comunidade Européia. Mas Castro tinha como objetivo principal discutir a balança comercial – claro que favorável à Itália, sob a argumentação de que aquele país compra muito mais do que vende para o Brasil. Leia os principais trechos da entrevista exclusiva que o ministro italiano deu para a DINHEIRO RURAL.
RURAL – Por que somente agora a decisão de se aproximar do Brasil, justamente neste momento em que o País tem passado por várias dificuldades de relacionamento comercial com os países da União Européia?
PAOLO DE CASTRO – Estou vindo da Argentina, onde estive pela segunda vez, também para realizar acordos comerciais. Esta é a minha primeira viagem ao Brasil. Sei que deveria ter vindo antes, mas não foi possível por conta de uma série de compromissos que assumi. Por outro lado, ministros brasileiros e governadores têm ido com freqüência à Europa para discutir acordos comerciais. Por isso, considero o nosso diálogo em andamento. A minha vinda, na verdade, tem outros motivos e a maior parte deles diz respeito a negócios de médio e longo prazo.
RURAL – A Itália pretende incrementar os acordos comerciais com o Brasil, já que, hoje, vocês compram mais produtos brasileiros do que nosso país compra produtos italianos.
CASTRO – É exatamente isso. Nós temos várias décadas de um processo de imigração de muito sucesso, intercâmbio cultural de primeira qualidade e muitos negócios bilaterais, e certamente negócios de muito sucesso, nas áreas industriais e comerciais, mas também no segmento do agronegócio e dos alimentos. Mas hoje, da forma com que está configurada, a balança não está pendendo como deveria para o lado da Itália. Compramos muito mais produtos brasileiros do que o Brasil compra produtos italianos. E é por isso que queremos que mude: os brasileiros precisam comprar mais produtos italianos, e não estou falando somente das pastas que vocês importam, porque essa é somente uma mínima parte do que produzimos. Veja, por exemplo, o setor de alimentos. A balança comercial entre os nossos países é altamente desfavorável à Itália. A Itália foi o quinto mercado das exportações do agronegócio brasileiro em 2006. Enquanto compramos US$ 2,1 bilhões no ano passado, a Itália vendeu ao Brasil somente US$ 165 milhões de produtos.
RURAL – Mas qual é o seu objetivo, no final das contas?
CASTRO – No plano geral, a nossa meta é de que o mercado brasileiro importe cerca de US$ 200 milhões por ano, em um médio prazo, para que a relação se torne mais justa para o nosso lado, para a Itália. E, como já disse, o nosso negócio não é exportar somente as tradicionais massas italianas, porque isso eu mesmo já vi aqui, nos seus supermercados, que o Brasil tem muito. E, você sabe, nós importamos também grandes quantidades do seu País. Não se esqueça que, hoje, a Itália importa do Brasil mais de 40% de todo o leite que consome. Para quem não sabe, cerca de 50% de toda a carne que importamos é brasileira, e 90% da soja também é brasileira. Só queremos, como disse anteriormente, que haja uma relação comercial mais justa.
“Taxas de 35% sobre o preço do vinho inibem a importação de produtos italianos pelo Brasil”
RURAL – Mas, então, o que falta para que essa relação se torne, como o sr. falou, mais justa para a Itália?
CASTRO – Precisamos com urgência que caiam as barreiras criadas pelo governo brasileiro sobre produtos alimentícios que limitam a entrada dos produtos italianos no mercado do seu país. Não é justa essa sobretaxação. Ainda mais quando estão em discussão os setores mais dinâmicos da cadeia, como vinho, macarrão, molhos, azeite de oliva e embutidos. Você sabe muito bem, a Itália é conhecida principalmente por esses produtos. Por que, então, sobretaxá- los? As taxas de importação de produtos alimentícios, como vinho e massas, que chegam a até 35%, inibem as exportações da Itália para o mercado brasileiro. A Itália pode ser porta-voz do Brasil na Europa, mas é preciso que o Brasil também demonstre maior atenção com nossos problemas.
RURAL – Mas, ministro, o que fazer então, nessa negociação, com o Mercosul e os tratados existentes anteriormente?
CASTRO – Mas você acha que é justo o vinho argentino chegar ao Brasil quase sem impostos e os nossos vinhos, extremamente mais caros? O que reivindicamos é somente isso: igualdade de condições. E, ao mesmo tempo, incrementar a uma tarifa justa também a venda dos alimentos que compõem a dieta mediterrânea, propagados na cultura italiana e destacados pelos benefícios à saúde. Tudo isso fará parte também das conversas que teremos na Itália em abril deste ano com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando haverá a continuidade dessas tratativas iniciadas agora. Começamos um processo que, esperamos, será muito profícuo e rentável para ambos os lados, tanto para o Brasil quanto para a Itália.
RURAL – Hoje a Europa ainda resiste a comprar carne brasileira. E justamente neste momento o sr. negociou a importação de carne bovina de Santa Catarina. Afinal, esta é uma questão política ou agrícola?
CASTRO – Achamos que podemos ajudar em muito o Brasil diante da Comunidade Européia para transpor esse momento difícil que vive, apesar de sabermos que está melhorando. Para isso, no entanto, é fundamental que o seu país seja rigoroso, como nós somos, com a qualidade de higiene e saúde. Não é mais possível abrir mão disso. Não podemos mais, no que diz respeito à produção de carne, no mundo, abrir mão de um padrão de qualidade, de um padrão de verificação que possa nos garantir uma certificação única, compreensível em qualquer idioma. É isso que o Brasil precisa entender: certificação é a palavra. E nós queremos, sim, ajudar o País a conquistar a sua certificação porque somente dessa forma poderá negociar sua carne com outros países, sendo detentor de um selo de qualidade indiscutível.
RURAL – Essa é a visão que a Itália tem atualmente, que o Brasil precisa de ajuda diante da Comunidade Européia? Não seria excessivamente paternalista esse posicionamento?
CASTRO – Achamos, sim, que o Brasil precisa de ajuda, e quem não precisa? E não considero isso paternalismo. Se o País não precisasse de ajuda, não estaria com os problemas que enfrenta na Europa e na Rússia para vender a sua carne, principalmente no que diz respeito ao controle do gado e também em relação à qualidade do seu produto. Achamos que temos muito o que ensinar justamente para ajudar o seu país a ter essa certificação – que fará com que o Brasil e seus produtos sejam aceitos em todo o mundo. Vocês precisam entender que isso será bom para todos porque tudo no mundo funciona de acordo com uma métrica, uma unidade para que possamos nos balizar e ter constância de entrega. E vamos começar o nosso empenho pelo Estado de Santa Catarina. Vamos apoiar integralmente e ajudar na implantação do novo Projeto de Rastreabilidade dos Bovinos e Bubalinos em Santa Catarina (SRBov-SC), lançado naquele Estado pelo governador Luiz Henrique – o projeto de identificação do rebanho deverá ocorrer até o fim de junho de 2008 para os cerca de 3,5 milhões de bovinos e bubalinos de Santa Catarina, declarado pela Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) zona livre de febre aftosa sem vacinação. E também já acertamos a importação de bovinos vivos para a Itália. Hoje, além do Brasil, compramos carne da Alemanha, França e Polônia. E, dependendo das tratativas, que poderiam levar a zero a tarifa de importação de um animal vivo, poderemos comprar até 200 mil cabeças de gado – um número bastante considerável inclusive para os nossos padrões. E o que significa isso? Acho que se trata de uma grande demonstração de confiança de nossa parte no trabalho feito pelos catarinenses. E isso sem contar o incremento das relações comerciais no setor de máquinas agrícolas, que é um setor muito tradicional para nós.
“Quando Lula visitar a Itália, em abril, daremos continuidade ao diálogo que foi iniciado agora”
RURAL – A Itália é um dos países do mundo que mais “exportaram” imigrantes, seja para os Estados Unidos, seja para o Brasil. E com os imigrantes vieram a sua cultura e seus hábitos. O que fazer com produtos reconhecidamente italianos produzidos fora da Itália, como panetones e passatas e molhos de tomate? Como se faz a proteção dessa propriedade intelectual?
CASTRO – Sete em cada dez panetones e “pandori” exportados aos Estados Unidos não respeitam as normas de produção e a nossa tradição. Sete em cada dez norte-americanos que compram um panetone “em estilo italiano” adquirem uma imitação barata. Estamos estudando quais maneiras temos para proteger os panetones italianos, inclusive levar o caso à Organização Mundial do Comércio. Não podemos permitir que os imitadores usem um nome que os vincule a um território que não é deles. De certo modo, estão zombando dos consumidores – todos os anos são produzidos aproximadamente 117 milhões de panetones e bolos pandoro, com um valor equivalente a cerca de 580 milhões de euros (ou US$ 850 milhões), e, pela lei italiana, eles precisam ser produzidos de acordo com regras rígidas de confeiteiros, usando apenas manteiga e levedo de cerveja.
RURAL – E a Itália também vive o frisson dos biocombustíveis? Além disso há planos de parceria entre as empresas italianas e as brasileiras no que diz respeito a esse assunto?
CASTRO – De certa forma, sim, vivemos um boom, como todo o planeta vive. E acho cabível, porque compreendemos a importância do etanol para o mundo, principalmente, como um combustível mais limpo, mais ecologicamente viável para ser utilizado em larga escala. Por isso várias empresas do setor energético italiano estão com muito interesse nesse assunto, se movimentando, conversando e procurando novos negócios para poder investir. Ainda mais no programa brasileiro dos biocombustíveis porque vocês já se mostraram um dos grandes nesse setor. E acho que isso é fundamental para nós, porque a Itália e os italianos devem estar inseridos nesse contexto, porque é um contexto de modernidade que provoca uma discussão sobre o futuro do lugar em que vivemos. E certamente por isso esse é um dos motivos dessa minha primeira viagem ao Brasil.