Professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), o historiador Adriano de Freixo avalia que a cooptação das forças estaduais pelo bolsonarismo representa risco de ruptura democrática. Em entrevista, ele diz estar em curso um processo de “bolsonarização das polícias” que não se converte em aprimoramento da política pública de segurança.

Como avalia a ocupação, por policiais militares, de postos-chave do governo federal?

Essa grande participação de integrantes das forças de segurança no governo – ao lado da forte e crescente presença de militares das três Forças Armadas – se insere no que eu chamo de processo de “bolsonarização” das polícias, que tem como um de seus aspectos centrais a tentativa do presidente de se aproximar das forças de segurança, instrumentalizando-as para seu projeto político. Ao mesmo tempo, procura monopolizar para si o discurso e a agenda da segurança pública – um dos calcanhares de Aquiles das esquerdas -, tema de forte impacto junto à opinião pública.

Esses acenos ajudam de alguma maneira a política de segurança pública?

Ajudam o presidente a tentar monopolizar o discurso da segurança pública, colocando em seus adversários políticos – notadamente os do campo progressista – a pecha de “defensores de bandidos” e demonizando a defesa dos Direitos Humanos, elementos recorrentes em sua retórica ao longo de toda sua trajetória política, mas sem nenhum grande efeito prático. A política de segurança pública do governo federal é extremamente falha – a adoção de medidas que flexibilizam a compra e a posse de armas como uma questão central para a segurança pública é um bom exemplo disto – e a articulação com os governos estaduais é bastante deficiente. No fim das contas, o que parece restar é só uma retórica fortemente punitivista – bem ao gosto da base do bolsonarismo.

As condições de trabalho de policiais impedem que governadores exerçam o pleno comando sobre as tropas?

É inegável que várias das reivindicações das corporações policiais são legítimas – em especial as de cunho salarial – e que esse é um forte ponto de atrito com os governadores. Mas, por si só, não explica alguns sinais preocupantes que observamos em setores das polícias estaduais. Não se pode ignorar que lideranças da categoria identificadas com o bolsonarismo tiveram papel de destaque e contribuíram bastante para a radicalização – até o limite do confronto – desses movimentos reivindicatórios, conseguindo, em certa medida, instrumentalizá-los politicamente. Assim, a possibilidade de rebeliões pontuais contra ordens de governadores da oposição é algo que começa a ser bastante palpável. E isso se constitui em uma séria ameaça à já fragilizada democracia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.