02/08/2021 - 17:11
O processo de disrupção do sistema bancário brasileiro, com a adoção de novas tecnologias, é o primeiro passo para diminuir o elevado nível de concentração do setor no Brasil – hoje, os cinco maiores bancos detêm uma fatia superior a 80% do mercado. Além do Pix, que caiu nas graças do consumidor, novas ferramentas como a duplicata eletrônica, o cadastro positivo e agora o Open Banking – previsto para o mês que vem – têm potencial de aumentar a concorrência e turbinar o volume de crédito no País.
Alguns cálculos do mercado apontam para um crescimento de 30% no volume de empréstimos e financiamentos concedidos. Mas, ao contrário do Pix, os avanços serão graduais, ao longo de dois a três anos. Para alguns especialistas, o setor está iniciando uma década de grandes transformações e uma revolução no crédito – uma das áreas mais carentes do sistema financeiro nacional.
Enquanto o crédito no Brasil representa 64% do Produto Interno Bruto (PIB), na China é de 165%; no Japão, 176%; e nos Estados Unidos, 191%. Ou seja, há um mercado extenso para ser explorado. “Estão sendo criadas condições para promover uma verdadeira revolução no financiamento das empresas brasileiras”, diz o economista Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe).
O mecanismo que deve provocar mudanças mais significativas no mercado é o Open Banking, já usado em outras partes do mundo. Basicamente, trata-se do compartilhamento de informações entre as instituições financeiras. Com essa abertura, qualquer banco poderá ter o histórico do cliente, com a vida financeira e os hábitos diários de cada um, o que permitiria uma oferta maior de crédito para a população.
“A expectativa é que o Open Banking elimine intermediários e barreiras competitivas. Isso vai colocar todo mundo no mesmo ringue”, diz o diretor da área bancária da consultoria Roland Berger, João Bragança. Na avaliação dele, em dois ou três anos o País deverá ver uma mudança no market share do setor por causa dessa inovação.
Queda de receita
Isso implicaria redução de rentabilidade para os grandes bancos. O cálculo da Roland Berger aponta para uma queda de até R$ 110 bilhões de receitas dos grandes bancos com a implementação do Open Banking e entrada de novas instituições no mercado. De acordo com o trabalho da Roland Berger, o acesso a mais informações permitirá que novos entrantes consigam refinar suas ofertas de portfólios e até os seus modelos de risco de crédito.
O diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain, não acredita nessa perda calculada pela Roland Berger. Isso porque os grandes bancos estão trabalhando na estruturação de novos produtos para apresentar ao mercado no dia seguinte ao lançamento do Open Banking, previsto para 10 de agosto. “Alguns já têm produtos prontos para serem lançados.”
Para o diretor financeiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Renan Schaefer, o Open Banking vai chegar para o consumidor em forma de mais competição, novos produtos financeiros, mais crédito, taxas de juros menores e novas garantias.
“As PMEs (pequenas e médias empresas), por exemplo, envolvem um mercado que sempre foi negligenciado pelos grandes bancos. As fintechs podem ajudar a melhorar o ambiente de negócios.” Na avaliação dele, por causa da assimetria de informações, hoje essas empresas são atendidas com produtos financeiros que não são adequados ao perfil delas. Isso quando são atendidas.
A presidente da Captalys, Margot Greenman, acredita que os benefícios para os clientes virão ao longo da implementação do Open Banking, cujo cronograma continua ao longo do ano. Cada fase vai acrescentar uma nova funcionalidade, a exemplo do que vem ocorrendo com o Pix. Em agosto, haverá o compartilhamento de dados de contas e cartões de crédito. Depois, será possível compartilhar propostas (de serviços ou produtos). E, por fim, qualquer dado financeiro.
“O mercado de crédito no Brasil representa um terço de mercados desenvolvidos. Isso significa que pode crescer 3 vezes”, diz Margot. “O problema é que o País tem o maior custo de crédito do mundo. A disparidade com outros mercado é muito grande.”
O presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital, Rafael Pereira, cofundador da fintech de crédito Open, concorda. Segundo ele, a penetração do crédito nas famílias brasileiras é baixa, em torno de 40% da renda, enquanto em outros países chega a 100%. “No Brasil, as famílias usam pouco crédito.”
Baixa competição
Além do Open Banking, a possibilidade de expansão do crédito pode ser explicada pela queda da taxa Selic para os menores patamares da história – hoje, em 4,25% ao ano. Apesar disso, com baixa competição, as taxas cobradas do consumidor ainda são uma das maiores do mundo. O que pode mudar a partir de agora.
O economista Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), destaca que uma das medidas com capacidade para elevar o volume de credito para empresas é a duplicata eletrônica, que praticamente elimina o risco de fraude e dá mais credibilidade ao processo.
“Com a duplicata eletrônica, há agentes que vão acompanhar o processo desde a emissão da nota fiscal e da duplicata até o uso do documento como garantia”, diz Rocca. Com a duplicata de papel, a empresa poderia apresentar o mesmo documento em mais de uma instituição, o que aumentava o risco da operação.
A maior transparência do documento digital dará ao recebível inúmeras possibilidades de antecipação, como a compra dos papéis por fundos de investimentos e a venda em mercado secundário. Tudo isso resulta em maior oferta de crédito.
O sistema de antecipação de desconto de duplicatas, no entanto, ainda está sendo estruturado. Segundo o diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain, neste momento o setor está definindo junto com o Banco Central como será a infraestrutura deste novo modelo, que é bastante complexa. “Digamos que isso tudo ainda está na prancheta. Ainda não começamos a obra e deve demorar cerca de um ano para começar a operação.”
Outro fator que deve aumentar a concorrência, segundo Rocca, é o surgimento de novas fintechs. Segundo dados da plataforma de inovação Distrito, o Brasil tem hoje 1.211 fintechs – 40 a mais do que em dezembro de 2020. Desse total, 174 são fintechs voltadas para o mercado de crédito, que é a segunda categoria com maior número de empresas, atrás apenas do segmento de meios de pagamento (181). A maior parte das fintechs de crédito é, de fato, de oferta de empréstimo. Mas há uma série de empresas de marketplace que reúnem um conjunto de linhas de crédito numa única plataforma.
Na avaliação do diretor financeiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Renan Schaefer, o Brasil tem uma grande oportunidade de criar uma grande disrupção no mercado de crédito, com produtos inovadores e maior competição entre as instituições. “O Open Banking, por exemplo trará grandes benefícios para o mercado. A expectativa é que o crédito avance entre 10% e 30% em relação ao volume atual de crédito do País.”
Com as inovações regulatórias, o presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital, Rafael Pereira, cofundador da fintech de crédito Open, vê o mesmo potencial de universalização que a privatização trouxe para a telefonia, com a portabilidade. Para ele, o sistema financeiro ficou muito elitista ao longo dos anos e excluiu muita gente por causa das tarifas elevadas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.