A criação de cursos de Direito a distância, ainda inéditos no País, avançou nas últimas semanas após o Ministério da Educação concluir a avaliação de propostas das faculdades. Esses processos estavam travados havia anos no sistema de liberação de cursos e enfrentavam resistência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que vê na expansão de graduações em Direito risco de “estelionato educacional”. Por outro lado, há pressão de instituições particulares, interessadas em mais uma fatia do mercado.

Pelo menos 11 instituições particulares de ensino superior divulgaram nos últimos dias que suas propostas de cursos de Direito EAD foram avaliadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia vinculada ao MEC. Os pedidos de autorização de cursos foram feitos nos últimos quatro anos, mas não andavam no MEC e sequer haviam passado por avaliação. Agora, chegam a uma etapa mais adiantada do processo.

Hoje, no Brasil, não há cursos de Direito EAD, embora as graduações online em outras áreas, como Licenciaturas, estejam em expansão. Entidades ligadas ao setor calculam que há cerca de 300 pedidos de cursos de Direito EAD no MEC. Uma série de avaliações dos processos abertos em 2017 foi concluída em julho deste ano.

Uma mudança do MEC no modelo de verificação contribuiu para acelerar o processo. Desde abril deste ano, em função da pandemia, avaliações para novos cursos são feitas virtualmente: os avaliadores fazem entrevistas online e verificam instalações das faculdades por meio de câmeras, o que dispensa viagens. Para faculdades ouvidas pela reportagem, porém, o principal motivo para o andamento dos processos foi uma intenção política no governo federal de permitir cursos de Direito EAD, contrariando o conselho de classe.

“A maior demanda hoje é no Direito”, diz Paulo Chanan, diretor de Regulação do Centro Universitário Maurício de Nassau (Uninassau). O curso de Direito EAD da Uninassau foi um dos avaliados no mês passado pelo Inep – o processo corria desde 2017, segundo Chanan, mas só agora andou. A expectativa das instituições é de conseguir matricular os novos alunos no início do ano que vem.

Último aval

A liberação para que as instituições abram processo seletivo e façam matrícula de estudantes ainda depende de autorização final do MEC, com publicação no Diário Oficial da União. No processo, a OAB é ouvida para emitir parecer sobre os cursos, mas apenas em caráter opinativo. A OAB informou que recebeu 14 pedidos de autorização de cursos de Direito na modalidade a distância, mas não deu detalhes. O órgão ressaltou que o MEC “não tem adotado os pareceres que a OAB emite”. No ano passado, a Ordem foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o que chamou de “sanha de autorizações” de cursos, mas o andamento do pedido foi negado.

Questionada agora sobre a intenção de judicializar a oferta de graduações a distância, a OAB informou que “está analisando a situação para avaliar novas medidas”. O órgão afirma que ações na pandemia não devem ser “mais uma forma de facilitar a expansão desenfreada de cursos de qualidade duvidosa”. Também destaca que antes de discutir a expansão do ensino jurídico a distância, “o País deve preocupar-se com a baixa qualidade dos já existentes, muitos deles um verdadeiro estelionato educacional”.

O Brasil é um dos países com maior número de advogados do mundo e tem mais de 1,8 mil cursos de Direito, com cerca de 350 mil vagas anuais. Para Benhur Gaio, reitor do Centro Universitário Internacional (Uninter), há demanda de jovens que moram longe de centros urbanos ou que trabalham durante todo o dia. Ele diz que havia um “bloqueio sistemático” aos cursos de Direito EAD – o que não se justifica pela natureza da graduação, majoritariamente teórica. “É um dos mais fáceis de se trabalhar a distância.” Em julho, a Uninter recebeu avaliação máxima do Inep para a oferta do seu curso de Direito EAD.

Perfil

As graduações em Direito EAD terão demanda principalmente de estudantes mais velhos, já formados em uma primeira graduação, na avaliação de José Roberto Covac, diretor jurídico do Semesp, entidade que representa mantenedoras do ensino superior privado no Brasil. Pró-reitor da Fundação Getulio Vargas (FGV), maior faculdade de Direito do País, Antonio Freitas diz que o EAD deve ser uma “segunda alternativa para quando não há a oportunidade do ensino presencial”.

Ele afirma não ver razão legítima para que o curso de Direito não seja EAD, “uma vez que os cursos assemelhados como Administração, Economia e até Engenharia e Medicina já podem ser EAD”. Na FGV, no entanto, não há intenção de abrir cursos de Direito EAD em curto e médio prazos, segundo Freitas.

MEC e Inep

Procurado para comentar o andamento de processos relacionados aos cursos de Direito online, nem o MEC nem o Inep, responsável pela avaliação, se manifestaram. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.