07/08/2021 - 17:00
O texto final do projeto de lei que trata da regularização fundiária, aprovado na terça-feira, 3, pelo plenário da Câmara dos Deputados, sofreu alterações depois de ter sido aprovado pelos parlamentares, mudanças que, segundo especialistas na área ambiental, fragilizam ainda mais o processo de regularização de terras.
Naquele dia votação, o texto final do PL 2633, que passou a ser conhecido com o “PL da Grilagem”, afirmava que uma das exigências para se fazer a regularização de ocupações é possui o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo.
Esse cadastro, ao estar “ativo”, serve para apontar que a área não tem sobreposição com terras da União, unidades de conservação ambiental ou terras indígenas. Ocorre que nesta quinta-feira, 5, quando o texto final foi publicado, essa exigência foi alterada, sendo substituída apenas pela exigência de que o requerente apresente sua “inscrição no CAR”.
“Fizeram uma jogada, achando que ninguém ia ver. É uma mudança absurda. Vamos demonstrar que ela tem um efeito muito grande”, disse à reportagem o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). “É normal ter que acertar a redação final de um texto depois da votação, mas não se pode mudar o mérito do que foi votado. Com o que fizeram, retiraram os filtros do CAR que avaliam sobreposição de áreas. Estamos recorrendo à secretaria da mesa para pedir uma reconsideração disso. Se a mesa não atender, entraremos com medida judicial.”
Aprovado pela Câmara, o texto deve seguir agora para análise do Senado. Para ambientalistas, a fragilidade na alteração é grave, pelo fato de que, em muitas áreas da Amazônia, por exemplo, é comum a situação em que há diversos requerentes para o mesmo espaço, com entrada no sistema do CAR.
O texto final do PL foi apresentado por seu relator, o deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM). A reportagem questionou o parlamentar sobre as razões da mudança no texto após a aprovação. Por meio de mensagem, ele limitou-se a informar que “a mudança foi proposta pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) e aceita, porque o termo “CAR ATIVO” não existe, é uma redundância”.
“O correto é ‘INSCRIÇÃO NO CAR’”, afirmou Saraiva. Ocorre que a afirmação foi desmentida por Molon, que é reconhecido por sua posição de defesa ao meio ambiente. “Em momento algum sugeri ou concordei com a supressão da palavra ‘ativo’. Ao contrário, o último texto que enviei para ele como sugestão para o trecho continha a expressão “CAR ativo”.
O projeto de lei que mexe com a regularização fundiária de terras da União permite que esses processos sejam realizados por autodeclaração, ou seja, sem vistoria presencial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ambientalistas e críticos ao PL afirmam que, da forma como está, o projeto abre caminho à regularização de grandes áreas ocupadas ilegalmente por grileiros e desmatadores, permitindo dar a criminosos ambientais o título das propriedades.
O presidente Jair Bolsonaro já havia editado uma medida provisória, a MP da Grilagem, em dezembro de 2019, mas a medida caducou e não foi votada após seus 120 dias de validade. O texto que agora foi aprovado estabelece a ampliação de quatro para seis módulos fiscais no tamanho de imóveis que podem ser regularizados por meio de autodeclaração. O módulo fiscal é uma unidade em hectare definida pelo Incra para cada município do país, que varia de 5 a 110 hectares, conforme o Estado.
A regularização de terras por meio de autodeclaração é baseada em informações fornecidas pelos próprios ocupantes do imóvel rural, sem a necessidade de uma inspeção de campo ou vistoria de autoridades no local.
Esse processo de declaração existe desde 2009, com a criação do programa Terra Legal, do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sem a vistoria presencial para propriedades maiores, bastará a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental.
Ambientalistas afirmam que o projeto pode, em um segundo momento, revisar o marco temporal de 2008 e aumentar o tamanho das terras ocupadas passíveis de regularização.
Do lado do governo, o argumento e de que, com títulos das terras, agricultores teriam segurança jurídica e poderiam ter acesso a crédito, bem como comercializar produtos com notas fiscais. Os apoiadores da proposta também sustentam que a matéria vai combater o desmatamento porque dará um “CPF” à propriedade e permitirá a fiscalização.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.