29/08/2021 - 17:06
Em meio a 14,8 milhões de brasileiros desempregados – a maior marca desde o início da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2012 -, há setores que estão contratando e vivem uma realidade completamente diferente da que predomina no País. Na construção, faltam pedreiros, azulejistas e outros trabalhadores para funções básicas. No campo, há leilão de salários para admitir vaqueiros e operadores de máquinas. E, com o avanço da digitalização, empresas de logística e tecnologia viraram grandes demandantes de mão de obra.
Os bolsões de aquecimento do mercado de trabalho com e sem carteira assinada estão concentrados em praticamente três de dez setores – agropecuária, construção e serviços prestados a empresas -, revela um estudo feito pela consultoria IDados, a pedido do Estadão, com base na PNAD Contínua. Em maio deste ano, a construção empregava quase 12% a mais do que em maio de 2020, o auge da crise sanitária. Em seguida, vem a agropecuária, com avanço de cerca de 10% no pessoal ocupado. Por fim, estão os serviços prestados a empresas, com crescimento perto de 6%.
“É uma recuperação frágil do mercado de trabalho, já que muitos setores hoje não têm aumento na ocupação em relação ao auge da crise, em maio de 2020”, afirma Bruno Ottoni, economista da consultoria e responsável pelo estudo. Ele ressalta que cinco setores têm queda da ocupação e dois – emprego doméstico e indústria – permanecem estáveis na comparação com maio de 2020. Também em relação ao período pré-pandemia, maio de 2019, quando o desemprego era alto, a maioria dos segmentos continua com o nível de ocupação no vermelho.
Pesquisa da firma de consultoria e auditoria PwC Brasil, feita com 62 empresas de 16 segmentos entre outubro de 2020 e março de 2021, atesta esse resultado. A enquete revelou que 79% das companhias ampliaram os quadros, com crescimento de até 30% nas contrações, puxadas pelo agronegócio e tecnologia. “O resultado surpreendeu positivamente, quando a gente vê os índices de desemprego tão elevados”, diz Flávia Fernandes, sócia da PwC.
Campo. Impulsionada pelo boom das commodities, a ocupação na agropecuária hoje supera o auge da crise e é maior do que antes da pandemia. Atualmente, há 8,7 milhões trabalhadores no campo e a ocupação cresce por sete meses seguidos.
“Com o aumento da cotação da soja e do boi, produtores estão ampliando as safras e os rebanhos. Isso aumentou muito a procura por mão de obra, inclusive com leilão de salários e crescimento da rotatividade”, afirma Jaqueline Lubaski, sócia da consultoria de RH Destrave Desenvolvimento.
Há 25 anos atendendo a grandes empresas do agronegócio, ela não havia presenciado um aumento generalizado da procura por trabalhadores: do gerente ao vaqueiro. “Estamos desesperados porque não temos vaqueiros nem capataz.”
Um ano atrás, o salário de um capataz no Centro-Oeste estava em R$ 2,5 mil, com moradia, água, luz, internet. Hoje, Jaqueline conta que oferece R$ 3,5 mil, mais vale alimentação de R$ 618, e não consegue contratar.
Sem parar. O quadro se repete na construção, especialmente na capital paulista. Empreiteiras de São Paulo – que virou um grande canteiro de obras na pandemia -, enfrentam a falta de pedreiros, encanadores, eletricistas, conta o vice-presidente de Relações Institucionais do Sinduscon-SP, Yorki Estefan. A demanda está sendo puxada pelo aumento dos lançamentos, que foi de 183% no primeiro semestre deste ano ante 2020.
“Hoje, precisamos de dez pintores e não encontramos”, afirma Gilvan Delgado, dono da empreiteira Atacama. Para suprir a falta, ele contratou Marcos Paulo Viana, de 33 anos, que veio do setor de panificação, sem experiência na construção.
O reflexo dessa escassez já bateu nos salários. “O dissídio dos trabalhadores em maio foi por volta de 7% e estamos tendo de pagar 15%”, diz Mario Rocha, CEO da construtora Rocontec. Com os prêmios, Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo, conta que há pedreiro tirando R$ 8 mil, enquanto o piso é de R$ 2.030.
Outro setor com alta na ocupação é o de serviços prestados às empresas, que inclui logística, serviços financeiros online e tecnologia da informação. No primeiro semestre, foram feitas 100 milhões de compras online, segundo o Ebit-Nielsen. E, por trás de cada transação, há uma massa de trabalhadores.
O Mercado Livre, por exemplo, um dos gigantes do setor, vai ter recorde de admissões neste ano. Fechou 2020 com 4,9 mil empregados diretos, hoje tem 10 mil e vai encerrar 2021 com 16 mil. “Crescemos muito as contratações por conta de logística, tecnologia e serviços financeiros”, diz Patrícia Monteiro, diretora de People.
Brasileiro troca de área para ter emprego
Mesmo sem qualificação adequada, trabalhadores são forçados a mudar de ramo em busca de ocupação. Setores que perderam o brilho por causa da pandemia, como comércio e serviços, são trocados pela construção, comércio online e o agronegócio.
A troca foi detectada por empregadores na hora em que recebem os currículos dos candidatos. Diante da escassez de mão de obra qualificada, investir na formação tem sido uma das saídas para preencher as vagas.
“Aumentou a migração de trabalhadores de outras áreas para construção”, afirma Gilvan Delgado, dono da empreiteira Atacama. Com déficit de mão de obra, ele contratou Marcos Paulo Viana, de 33 anos, que desde os 16 trabalhava na microempresa de panificação do pai. Inclusive, carregava no currículo só cursos desse setor.
O negócio de pão de forma integral, vendido a pequenos comércios e diretamente a consumidores, não foi para a frente quando veio a pandemia. A microempresa fechou e Viana encontrou na construção civil uma nova oportunidade.
Um ano atrás, quando começou na empreiteira, não tinha conhecimento da área. No início, trabalhava como ajudante em diversas funções para aprender. Hoje, coordena os serviços operacionais, como encarregado do controle de qualidade.
“Entrei na empreiteira achando que iria sair rápido, que seria algo transitório, mas fui aprendendo, evoluindo e crescendo”, diz. Na construção, Viana ganha quase o dobro do que tirava na panificação e planeja fazer um curso técnico na área ou até uma faculdade de Engenharia.
Esse também é o plano de Jacqueline Torres, de 27 anos. Formada em Administração, desde maio ela trabalha na área de saída de mercadorias no centro de distribuição do Mercado Livre, em Cajamar (SP). Pretende cursar uma pós graduação em logística, tema que entrou para o seu radar faz três meses.
Durante oito anos, Jacqueline foi funcionária de uma loja de calçados da rua 25 de Março, tradicional polo do comércio atacadista. “Cuidava da parte administrativa e vendia.”
Apesar do bom salário, Jacqueline decidiu procurar outro emprego, porque se via estagnada. Em 2019, conseguiu uma vaga na área de tecnologia de outra companhia, mas com a pandemia foi demitida. Depois de quase um ano procurando uma ocupação, foi admitida em março de 2021 na área de marketing de uma empresa de alimentos. Mas logo apareceu a chance de trabalhar no Mercado Livre.
Hoje, ela coordena uma equipe de 75 pessoas, gerenciando desde a separação do pedido até a saída da mercadoria. Ganha o dobro do que recebia no último emprego e 20% a mais em relação ao salário do comércio tradicional. “Tive de aprender tudo desde o começo, foi muito rápido”, afirma. Há três meses na empresa, ela diz que parece que está há um ano, diante da carga de novos conhecimentos.
“Treinamos e formamos pessoas”, diz Patrícia Monteiro, diretora de People do Mercado Livre. Para serviços de logística, a diretora conta que tem admitido trabalhadores vindos de outros setores que não vão bem.
Mudança. Após quatro anos como motorista de ônibus em Piraju, interior de São Paulo, Antônio Márcio Sanches, de 41 anos, fez uma manobra radical: trocou o transporte coletivo pelo trator.
Com a pandemia, as viagens de ônibus diminuíram, e ele teve o contrato suspenso. Passou a receber o auxílio do governo, e a renda caiu. “Com a pandemia, ficou enrolado e sai por conta.”
Sanches conhecia o produtor rural e zootecnista Miguel Abdalla e aceitou o desafio de mudar de ramo. Pouco mais de um mês, começou a pilotar trator e colheitadeira. Decidiu ir para o agronegócio em busca de um ganho maior e conseguiu. “Tiro cerca de 50% a mais do que ganhava como motorista.”
Além da receita maior como autônomo, ele diz que o ambiente de trabalho no campo é mais sossegado. Cursando o ensino fundamental, Sanches quer fazer um curso técnico para pilotar máquina agrícola, assim como fez para dirigir ônibus.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.