09/09/2021 - 20:51
Na quinta sessão de julgamento da tese de “marco temporal” da demarcação de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF), em pouco mais de três semanas, somente o ministro Edson Fachin conseguiu registrar integralmente seu voto favorável aos povos originários, que motivou comemorações no acampamento “Luta Pela Vida’, onde cerca de mil indígenas aguardam desde o dia 22 de agosto, em Brasília, a decisão dos ministros.
O julgamento está previsto para ser retomado na próxima terça-feira, 14. Nesta data, o Supremo chegará ao vigésimo dia de análise da tese de marco temporal, ainda sem definição clara de maioria.
Relator do caso, o ministro Edson Fachin votou contra o reconhecimento da constitucionalidade da tese. Em pouco mais de uma hora e meia para ler a fundamentação do voto de mais de 100 páginas, ele foi enfático ao resumir que “a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas”.
A tese do marco temporal funciona como uma linha de corte ao sugerir que uma terra só pode ser demarcada se ficar comprovado que os indígenas estavam naquele território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Caso seja validado pelo STF, o entendimento poderá comprometer mais de 300 processos que aguardam na fila para demarcação, como indicam dados do monitoramento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União (DOU).
O ministro Kassio Nunes Marques chegou a iniciar a leitura do seu voto, mas pediu ao presidente do STF, Luiz Fux, que autorizasse a conclusão na próxima sessão, prevista para terça-feira, 14, para que não haja interrupção enquanto explicita o mérito da decisão. Até o momento, Nunes Marques ateve-se a fazer uma introdução, que seguiu em partes o relatório do ministro Fachin.
“A assistência precária oferecida pelo Estado, pressionada ante a crescente onda de invasões, obriga as comunidades a enfrentarem, elas mesmas, o avanço de garimpeiros e grileiros. Assim, para manter as referências culturais, os indígenas são obrigados a viver em constante movimento de resistência”, afirmou Nunes Marques.
Em defesa das reivindicações indígenas, Fachin declarou que a Constituição reconhece como “permanente’ o “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos’ preservados por essas comunidades. O relator elencou a Constituição Federal de 1934 e outros dispositivos jurídicos com balizadores da consagração da posse sobre terras tradicionais às comunidades originárias. Neste sentido, o ministro frisou que a Constituição de 1988 foi um “marco relevante’ no reconhecimento do direito dos indígenas à terra, mas não o primeiro
“Os direitos das comunidades indígenas, à luz da Constituição, constituem direitos fundamentais que garantem a manutenção das condições de existência e vida digna dos índios”, afirmou. “A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
As sessões iniciais do julgamento da tese ficaram restritas a sustentações orais de 39 representantes de indígenas, agricultores e sindicatos ligados ao agronegócio, que divergiram frontalmente na compreensão da melhor decisão a ser adotada pelo Supremo.
Advogados ligados a agropecuaristas alegaram que o eventual reconhecimento de que o marco temporal é inconstitucional causará insegurança jurídica. Na outra ponta, os defensores dos indígenas argumentam que a fixação de data para reivindicar terras levará centenas de povos originários a perderem territórios que ocupam há séculos e a passarem por um novo processo de violência e marginalização.
“Não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé. No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais”, observou Fachin. “Não há segurança jurídica maior do que seguir a Constituição”.