A Frente Ética Contra a Corrupção da Câmara dos Deputados promove, nesta quinta-feira, 23, o primeiro debate no Congresso sobre as emendas de relator-geral após o Estadão revelar uma série de irregularidades envolvendo este instrumento, que é a base do chamado orçamento secreto.

Com R$ 37 bilhões reservados nos orçamentos de 2020 e 2021, somados, essas emendas provocam impactos que precisam ser amplamente discutidos, segundo a deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), que presidirá o evento. “Este seminário irá apresentar os pontos sensíveis deste tipo de emenda, como a falta de transparência, dificuldade de fiscalização e ausência de critérios técnicos”, disse Adriana.

O evento da Câmara, nesta manhã, reúne nomes como a professora da Fundação Getúlio Vargas e a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Elida Graziane; o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, Felipe Salto, e o fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco. Também participam o secretário-geral de Controle Externo do TCU, Leonardo Albernaz, e o advogado e professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP Heleno Taveira Torres.

Como o Estadão tem publicado desde maio, essas emendas têm sido distribuídas pelo governo para deputados e senadores destinarem a municípios de sua escolha e sem transparência, descumprindo a Lei de Diretrizes Orçamentárias, em troca de apoio no Congresso. A multiplicação das verbas que os parlamentares podem controlar fortalece a base do governo, pavimenta o caminho da reeleição de aliados e drena recursos que poderiam estar sendo usados em políticas públicas estruturantes e de interesse universal.

O Estadão revelou e explicou em detalhes o esquema em que o dinheiro público é destinado por meio de ofícios de acordo com cotas previamente combinadas em acertos políticos de bastidores. Além da compra de tratores com sobrepreço, no escândalo que ficou conhecido também como “tratoraço”, as reportagens já demonstraram casos de conflito de interesses e violações à Lei de Acesso à Informação para impedir que os documentos venham a público, sob supervisão política do Planalto. Apesar disso, ainda não são conhecidos os parlamentares solicitantes do repasse de mais de R$ 30 bilhões entre 2020 e 2021.

“As emendas de relator RP9 não têm compromisso com a qualidade do gasto público, porque são feitas sem qualquer correlação com o planejamento setorial das políticas públicas. Na verdade, tais emendas são direcionadas subjetiva e opacamente em busca de impactar o curto prazo eleitoral de alguns agentes políticos próximos do Executivo”, disse ao Estadão Élida Graziane, uma das debatedoras do evento.

Na visão de Gil Castello Branco, as emendas de relator-geral, da forma como vêm sendo usadas, “ferem os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e publicidade”. “Representam uma fraude à democracia, distorcem as políticas públicas e espelham uma relação promíscua entre o Executivo e o Legislativo”, afirmou o fundador do Contas Abertas.

A deputada Adriana Ventura disse que “o Orçamento deve servir o povo e não a vontades e interesses individuais”: “Quando não priorizamos a população e seus direitos, o Orçamento coloca-se acima da Constituição tornando-se ilegítimo e imoral”.