28/10/2021 - 12:41
A 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 2ª Vara de Pirajuí (SP) que condenou o Estado pela perda da visão de uma paciente, após a administração pública não cumprir decisão liminar que determinava a realização de cirurgia oftalmológica em caráter de urgência. Débora Senra, de 50 anos, sofreu um deslocamento de retina no ano de 2014. Após procurar ajuda médica foi orientada a realizar uma cirurgia de emergência como tratamento curativo.
“No ano 2014 eu sofri deslocamento de retina. Acordei e só vi alguns pontos pretos na minha vista. Procurei o oftalmologista de imediato e ele me orientou que eu precisava operar com urgência senão eu ia perder minha vista. Na época para fazer essa cirurgia no particular ficaria muito caro e eu não tinha condições e ainda não tenho”, relatou Débora ao Estadão.
A paciente informou que a ideia de procurar a Justiça, em busca de uma liminar para a realização da cirurgia, partiu de um amigo de seu marido. A liminar foi concedida, mas segundo Débora a cirurgia nunca foi agendada.
“O juiz assinou (a liminar), só que o pedido não foi encaminhado e por esse motivo não foi realizada a cirurgia na minha vista. Eu perdi a visão do olho esquerdo. Entrei em uma depressão muito forte. Muito difícil de falar até porque as lembranças são difíceis”, disse.
De acordo com os autos, foi proferida ordem judicial determinando procedimento cirúrgico que evitasse o descolamento da retina no olho esquerdo de paciente. De acordo com laudo pericial, a perda da visão é decorrente da não realização da cirurgia. A advogada Maria Laura Barros Khouri, que defende Débora, explica que o processo de indenização contra o Estado foi iniciado em 2017, mas só agora a decisão foi dada.
“Os problemas começaram em 2014, quando ela teve o deslocamento de retina, os médicos que acompanharam indicaram a cirurgia de emergência como tratamento curativo e, mesmo com o encaminhamento em mãos, a Débora não conseguia agendar o procedimento cirúrgico. Daí ela partiu para o âmbito judicial, com uma ação de obrigação de fazer, e ela conseguiu a tutela antecipada de urgência, porém o Estado nunca agendou a cirurgia. Então não deu tempo. Ela acabou perdendo a visão por isso, em 2014. Ingressamos com o processo de indenização em 2017”, contou.
Os danos morais do processo foram fixados em R$ 50 mil e alterados para R$ 60 mil em segunda instância, considerando os juros e a correção monetária. Já os danos estéticos ficaram no valor de R$ 10 mil. A advogada Maria Laura afirma que houve uma omissão do Estado e que por isso foi necessário provar o dolo já que “a responsabilidade civil passou a ser subjetiva”.
“A dificuldade do processo foi em relação ao comprovar os requisitos da responsabilidade subjetiva do Estado já que estamos de frente a uma omissão dele. Outro ponto também foi em relação ao dano estético. O laudo não configurou o dano estético e conseguimos fazer provas dessas alegações. A gente lutou bastante nesse processo. Bem maior que a saúde e a vida não há”, afirmou.
Segundo o relator da apelação, desembargador Souza Meirelles, “ocorreu omissão antijurídica imputável ao Estado, pois havia um dever imposto judicialmente para que agisse em determinado sentido, porém, de forma negligente, omitiu-se e não realizou o que lhe havia sido imposto […] A gravidade está configurada, pois não fosse o suficiente o dever constitucional do Estado em assegurar aos cidadãos o direito à saúde (art. 196), a apelante recusou-se a obedecer à última instituição que poderia preservar o direito fundamental da autora, que é o Poder Judiciário”.
Sobre os danos morais, o relator afirmou que “é inegável que a perda da visão vivenciada pela autora é bastante traumática, o que lhe causa abalos à saúde psíquica, no cotidiano e, inclusive, nas suas atividades de qualquer natureza”. Quanto aos danos estéticos, disse que “não apenas é visível a olho nu como também está localizado na face, sendo identificado ao menor contato visual”.
A paciente Débora Senra, antes da perda visão, era proprietária de uma pequena loja de roupas de peças novas e seminovas. A partir da deficiência ela foi aposentada por invalidez e recebe um auxílio de R$ 1.200.
“A perda da vista me causou dores de cabeça e dores nos olhos que sinto até hoje. Pela medicina sou uma pessoa limitada. É muito difícil mesmo, fica difícil até da gente se expressar, de falar. Eu passei por muita coisa. A depressão deixa a gente muito limitada e a perda da vista também”, desabafou.
Procurada pela reportagem, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo informou que ainda não foi intimada da decisão. De acordo com a PGE, a paciente teve sua primeira consulta especializada com oftalmologista em setembro de 2014 no Hospital Estadual de Bauru (SP), sem indicação cirúrgica e já com deslocamento de retina avançado. O Departamento Regional de Saúde (DRS) de Bauru identificou no sistema da Cross (Central de Regulação e Oferta de Serviços de Saúde) somente dois registros referentes ao caso da paciente. O segundo registro em sistema é de um agendamento de consulta em oftalmologia em setembro de 2017, na qual a paciente não compareceu.