07/11/2021 - 10:55
O empresário goiano Marcello Brito, de 57 anos, tem vocalizado as críticas mais contundentes do setor agroindustrial brasileiro ao atual governo federal. Presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) há três anos, Brito seguiu na sexta-feira, 5, para Glasgow para participar da Cúpula do Clima. Levou para a COP-26 uma avaliação bastante negativa da política ambiental do País e seus reflexos no setor exportador. Em entrevista ao Estadão, lamentou o que chamou de “cegueira” nas relações internacionais, especialmente durante o período de Ernesto Araújo como chanceler. “Não podemos fazer molecagem com um cliente como a China”, destacou.
Sem se esquivar do tema eleições, o presidente da Abag calculou que o atual apoio ao presidente Jair Bolsonaro no setor não passa de 30% e disse ver “muito espaço” para uma terceira via na disputa de 2022. “Esse campo vai afunilar. A terceira via não precisa ter pressa.”
A entidade, que tem entre seus associados gigantes do setor e empresas multinacionais, foi signatária de um manifesto que citava a “politização nociva” e o “risco de retrocesso” no País às vésperas do 7 de Setembro.
Como fazer com que o agronegócio seja um sistema sustentável? Qual porcentual o setor vai alcançar no PIB deste ano?
Em relação ao porcentual do PIB, devemos ficar ao redor dos 30%. Mas eu não sei se fico completamente feliz com isso. Eu ficaria feliz se a gente representasse 30% de um PIB em crescimento, tendo o PIB da indústria forte, e dos serviços também. Mas estamos vendo o contrário, com a indústria definhando. Isso cria no médio e longo prazo uma barreira também para o agro. Nós vamos crescer até um limite que o crescimento da indústria e dos serviços permitam. A gente não consegue crescer continuamente sozinho com outros setores definhando na economia. Vamos esperar um tempo ainda para saber se devemos celebrar. Sobre se o agro por inteiro será sustentável: o agro é sustentável. O que a gente chama de agro é uma mistura. O produtor de hortifruti que está no cinturão verde de São Paulo é agro. O produtor da caatinga no Nordeste é agro. O grande produtor de soja é agro. O pequeno produtor de leite é agro. Temos diversos cortes desiguais. Se você pegar o censo agropecuário de 2017, que é o último que temos, infelizmente, você vai ver que 71% do valor bruto da produção do setor está na mão de 2% das propriedades. São 6 milhões de propriedades rurais no Brasil aproximadamente. Temos então um agro concentrado.
A Abag foi signatária de um manifesto divulgado às vésperas do 7 de Setembro que falava em risco de retrocesso. Naquela ocasião, a mobilização do presidente Jair Bolsonaro esgarçou ainda mais a relação com os demais poderes. Nossa democracia continua sendo testada?
Não somos ainda uma democracia estabilizada. Ela tem sido forçada através dos tempos. Somos ainda uma democracia em consolidação. O manifesto saiu porque nós estamos preocupados. As associações que assinaram o manifesto são políticas, mas não partidárias. Essas associações viram com muita preocupação o movimento que se desenhava no dia 7 de setembro. E foi tão grave que o próprio presidente da República foi a público e se desculpou. Voltou atrás. Isso mostra que o nosso manifesto estava correto, e não aqueles que nos criticaram.
O agronegócio foi identificado em 2018 como um setor apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Até que ponto esse apoio sofreu abalos?
Mas qual agro está identificado (com Bolsonaro)? O agro está identificado (com Bolsonaro) por uma descrição generalista da imprensa. O agro está mesmo com o presidente? Quais setores? Temos setores nos quais o presidente da associação tem um vínculo partidário, e então ele se coloca à disposição deste partidarismo. Não vou citar nomes, mas essas estão intimamente ligadas ao presidente e ao seu espectro político. Mas mesmo dentro delas há associados que estão fora. Uma parcela do agronegócio, assim como da indústria, apoia o presidente. As pesquisas mostram que ele tem entre 25% e 30% de aprovação. Se você percorrer o nosso setor, vai ver que ele também tem entre 25% e 30% de aprovação.
O setor do agronegócio então reproduz o que as pesquisas apontam…
Na sua essência sim, com algumas variações regionais. Em Estados com maior peso do agronegócio, talvez a classificação seja diferente de outros onde a classificação seja maior na indústria.
Há um racha?
Eu não diria que há um racha porque nunca houve um comprometimento do setor inteiro com uma única linha. Fui um grande crítico do governo do PT, mas sempre sentei com todos os ministros para conversar. No governo Bolsonaro, a gente faz a mesma coisa com a ministra Tereza Cristina. Não pode haver racha onde nunca houve uma unidade formal.
Que setores foram mais prejudicados em temas como a relação com a China, por exemplo?
O setor mais chateado com a política do atual governo é o exportador. A gente vê uma cegueira, uma miopia no que se refere às relações internacionais. Isso choca bastante. Não podemos fazer molecagem com um cliente como a China. O que foi feito com a China foi molecagem. O poder está na mão do consumidor, de quem paga. Se você vira para um cliente e diz: ‘você não tem opção’, ele vai imediatamente procurar outro (fornecedor). Mesmo que ele demore um tempo para encontrá-lo, a partir daquele momento ele não te trata bem mais. Ele sabe que não pode confiar em você. Ficar sem a China hoje é inimaginável. O Brasil passou a ter relações internacionais depois da entrada do chanceler (Carlos) França. Lamentavelmente, nos tempos do Ernesto Araújo tivemos uma inversão do termo conhecido como relações internacionais. Ele foi a destruição das relações brasileiras com seus principais clientes. Só deve dar pitaco em relações internacionais quem entende. Quem é amador fica em casa.
Como o sr. viu a ausência do presidente da República na Cúpula do Clima? O Brasil assumiu novos compromissos ambientais. Eles são suficientes para reverter a imagem ruim do País?
A ausência do presidente Jair Bolsonaro na COP foi salutar para o Brasil. Temos um presidente da República que não une. Pelo contrário, ele separa. Então a presença dele não é bem-vinda. A equipe que está lá é de alta competência. Se a gente almeja ser alguém, temos que participar desses fóruns mundiais. Quando a turma voltar para o Brasil precisa provar que esses compromissos foram para valer. Nos últimos três anos nada foi para valer.
Há espaço para a terceira via na eleição do ano que vem?
Evidente que há espaço. Segundo as pesquisas, 45% da população brasileira não decidiu seu voto. Os dois líderes têm rejeições altíssimas. Espero que a gente tenha inteligência de trabalhar nesse campo. Precisamos de um projeto de País.
O agronegócio está empenhado na busca de um nome da terceira via?
Existem setores do agro que sim. Empresários estão envolvidos nesse processo, e eu sou um deles.
Entre até 11 nomes que surgiram na terceira via, qual, na sua avaliação, é mais palatável?
Todos os nomes que surgiram na terceira via para mim fazem parte de um grande balão de ensaio que começa a se afunilar no final de novembro. E vai se afunilar até março. Desses 11, serão 2 ou 3 candidatos no máximo. Vários destes se lançaram para tentar uma vaga de vice ou criar espaço para disputar o governo de algum Estado. Não precisa ter pressa. Por que essa pressa toda para lançar um candidato da terceira via? Para começar a apanhar agora dos gabinetes do ódio dos dois lados?
Qual foi o papel do agro na decisão do governador João Doria sobre o ICMS dos alimentos em São Paulo?
Foi uma questão de sensibilidade. O Brasil vive um caos social. Voltamos a um patamar da fome que há décadas não víamos. Desonerar impostos é muito salutar, desde que o estado tenha condição fiscal de fazer. Geralmente, quando se reduz imposto, a produção aumenta e a sonegação diminui.
Como o setor se posicionou em relação ao marco temporal?
Tem dois lados. Tem gente grande como o CEO da Suzano (Walter Schalka) que escreveu um artigo dizendo que é um absurdo aprovar o marco temporal na forma como a parte mais radical do agro quer. Essa é uma das decisões mais difíceis que o STF vai ter que tomar. Isso diz respeito ao nosso futuro. Dizimar as populações indígenas só nos faz um país pior.
E sobre o projeto de lei da regulação fundiária por autodeclaração?
Sou a favor da regulação fundiária. É uma questão econômica. Sem a devida propriedade da terra você não consegue os financiamentos adequados. Durante as décadas de 70, 80 e 90, o governo incentivou muita gente a ir para a Amazônia.
Como avalia a participação do Brasil na COP?
Tem três faces da COP. A primeira é a negociação do artigo 6 e assinatura dos acordos internacionais. A segunda área da COP são os contatos feitos pelos governos subnacionais naqueles espaços vazios deixados pelo governo federal. Tem muito dinheiro no mundo para financiar desenvolvimento sustentável, agricultura de baixo carbono. Nós não estamos conseguindo porque o governo federal fechou essa porta. Você imagina que tem U$ 1,5 bi parados desde 2019 num país com a draga econômica que estamos, isso é uma falta de respeito administativo pelo País. Os governos estaduais estão se encontrando com esses fundos de investimento e fazendo o acesso para quando o bom senso baixar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.