A crise política entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da manutenção do orçamento secreto teve seu último capítulo em 2021 nesta quinta-feira, 16. A maioria dos ministros da Corte decidiu manter a liminar expedida pela vice-presidente Rosa Weber no início do mês, quando foram garantidos os pagamentos via indicações de emendas de relator-geral do orçamento (RP-9) – o dispositivo legal utilizado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) para arregimentar apoio político no Legislativo, mediante repasses de recursos, sem adoção de critérios técnicos, aos redutos eleitorais de parlamentares aliados.

O Supremo julga o caso da liberação das emendas RP-9 desde terça-feira, 14, no plenário virtual da Corte – plataforma em que os votos são apresentados à distância, sem discussões mais profundas envolvendo todos os ministros e longe do amplo escrutínio público da TV Justiça. A votação será encerrada às 23h59 de hoje. Seguiram o voto da relatora, Rosa Weber, os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. A divergência foi inaugurada por Edson Fachin, que taxou o orçamento secreto de “obscuro” e acordo “envergonhado de si mesmo”. Ele foi seguido por Cármen Lúcia que disse não enxergar “alteração do quadro fático ou do cenário jurídico” .

A decisão do Supremo representa o endosso ao recuo de Rosa Weber na disputa com as lideranças do Congresso. No último dia 6, a vice-presidente desfez um dos trechos da decisão proferida pela Corte em novembro, por 8 votos a 2, e liberou a execução das emendas de relator em 2021. Ela atendeu aos pedidos dos presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que alegaram riscos de paralisação de serviços essenciais da administração pública, caso não fosse possível fazer os pagamentos já previstos no orçamento secreto.

O Congresso e o Executivo adotaram parcialmente as medidas impostas por Rosa Weber para solucionar o impasse das emendas, especialmente no quesito transparência, embora os parlamentares beneficiados pelo esquema sigam longe dos radares do público. O Senado, por exemplo, encaminhou um documento ao Supremo com a afirmação de que solicitou ao relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), a lista dos políticos por trás dos repasses feitos neste ano.

O Executivo, por sua vez, editou um decreto no dia 9 deste mês com diretrizes para dar publicidade aos pagamentos feitos no esquema. O ato assinado por Bolsonaro, no entanto, não menciona o relator-geral do orçamento, que é o responsável por concentrar as os pedidos de deputados e senadores para liberação de verbas das emendas às suas bases. Na prática, as informações dos responsáveis pelas indicações continuam fora de alcance, e as indicações seguem sendo encaminhadas ao relator para atender os mesmos propósitos.

Diferentemente do que dizem os parlamentares, a série de reportagens do Estadão mostra como os recursos públicos têm sido usados para bancar compras de tratores e materiais agrícolas, muitas vezes superfaturados, em vez de serem alocados em áreas como saúde ou educação. O “tratoraço”, como ficou conhecida a compra de veículos com sobrepreço, foi ampliado desde que o Supremo liberou a execução das emendas. Dados obtidos pelo Estadão mostram que 77% das verbas de RP-9 foram para ações orçamentárias ligadas à pavimentação de ruas e à compra de maquinário pesado.

Diante deste cenário, o ministro Edson Fachin, que abriu a divergência com a relatora, afirmou que medidas adotadas até o momento pelo governo e o Congresso não reverteram a falta de transparência, isonomia e impessoalidade inerentes ao esquema. Segundo o magistrado, as medidas adotadas até o momento não demonstraram a eficácia almejada para coibir a compra de apoio parlamentar pela gestão Bolsonaro. Ele afirma em seu voto que a dinâmica persiste e, portanto, “contrapõe-se ao ideal republicano e aos postulados constitucionais da publicidade e da impessoalidade no âmbito dos Poderes Públicos”.

“A continuidade do serviço público só poderia servir à liberação dos recursos se o vício quanto à falta de publicidade tivesse sido devidamente sanado, o que não ocorreu. Assim, a lógica da ocultação, os parlamentares incógnitos e os destinatários imperscrutáveis subsistem. Deve, pois, subsistir o termo contido na decisão anterior: “até o final julgamento de mérito desta arguição de descumprimento”, sustentou Fachin em seu voto.