O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), em São Paulo, decidiu acabar com a especialização de suas três varas dedicadas exclusivamente a casos de lavagem de dinheiro. A partir de 7 de janeiro de 2022, nove das dez varas criminais poderão receber todo o tipo de processo. Apenas a primeira vara, de execuções penais, não entrou na reforma administrativa.

A portaria que formaliza a mudança foi publicada no início do mês pelo presidente do tribunal, o desembargador Mairan Gonçalves Maia Júnior. Ele levou em consideração estudos apresentados por uma comissão de juízes criada em outubro do ano passado para analisar questões específicas das varas federais especializadas.

Idealizadas pelo ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, as varas de lavagem são controversas. Há quem defenda a necessidade de especialização, por conta da complexidade do crime, mas também há quem não veja eficiência suficiente ou mesmo competências específicas que justifiquem a segmentação.

O processo de especialização já foi testado pelo próprio TRF-3. Em 2013, a Corte aprovou uma redistribuição da competência. Na ocasião, as varas que cuidavam exclusivamente de crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional passaram a receber também os demais crimes e vice-versa. O modelo foi revisto e o tribunal passou a operar novamente com três varas especializadas em lavagem de dinheiro.

A juíza Raecler Baldresca, titular da 3.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, foi quem liderou a reforma administrativa, em debate desde meados do ano passado. Ela avalia que o contexto nos últimos oito anos, desde que o tribunal testou o fim das especializações pela primeira vez, é outro.

Um dos principais pontos que pesou a favor da reforma, segundo a juíza, é a experiência dos magistrados que compõem o TRF-3, além da profusão de operações contra a lavagem de dinheiro.

“No passado, quando se pretendeu especializar, toda essa legislação de lavagem de dinheiro era muito nova. Naquela época, até os juízes mais experientes não sabiam como isso funcionava. Alguns se dedicaram a esse tema e se tornaram especialistas. Hoje não temos juízes que não sejam especialistas nisso. Ao contrário, até mesmo o juiz que acaba de entrar na carreira é muito cobrado sobre esse assunto”, afirma ao Estadão. “Hoje não existe um juiz criminal que não saiba os meandros da investigação e do processo de uma grande operação de lavagem de dinheiro.”

Na avaliação de Raecler, olhando em retrospecto, as varas especializadas não trouxeram a ‘eficiência que se imaginava’. O levantamento que subsidiou a decisão aponta que, entre março de 2019 e agosto deste ano, as três varas especializadas (2.ª, 6.ª e 10.ª varas ) receberam em média 893 processos cada, enquanto a média de novos casos das outras varas é de 2.770.

“Essas três varas especializadas, especialmente em São Paulo, receberam um terço da distribuição das outras varas. Em contrapartida, elas não tinham um acervo menor”, explica a juíza. “Procuramos trazer efetividade. A gente acha que essas varas especializadas estão subaproveitadas.”

O fim da especialização também foi pensado para encerrar as discussões internas sobre a vara competente para processar e julgar os casos em que há indícios de lavagem de dinheiro. O crime de lavagem não é isolado: vem acompanhado, via de regra, por um ou mais delitos antecedentes, o que abre margem para a transferência de processos e até para a cisão deles.

“Essa história de ficar processo indo pra lá e pra cá, inclusive para o tribunal decidir a competência, fazia com que houvesse muita perda de tempo só discutindo questão processual, sem julgar propriamente o caso. Isso sem falar quando havia a separação da ação”, lembra Raecler. A nova regra não interfere no acervo das varas: os casos que já estão em trâmite não serão redistribuídos.

Outro fundamento da decisão, segundo a juíza, foi a recente previsão de acordos de não persecução penal no ordenamento jurídico, o que em sua avaliação tende a diminuir o acervo das varas, viabilizando o recebimento também dos processos de lavagem.

“A gente dilui e faz com que esses processos, que são os mais importantes da Justiça criminal, tenham prioridade efetivamente”, afirma.

O tribunal ainda levou em consideração a figura do juiz de garantias, que depende da chancela do Supremo Tribunal Federal para entrar em vigor. O dispositivo foi aprovado no pacote anticrime para separar o juiz responsável pelo inquérito policial daquele que vai instruir e julgar a ação penal.

“O modelo que a gente vai adotar é que uma vara vai ser juiz de garantias de outra. Se a gente mantivesse a especialização só de três varas, esse rodízio estaria restrito a três juízes. É boa essa diversidade, a gente amplia, aumenta o dinamismo”, adianta Raecler.

Ela nega que o fim das especializações possa deixar os processos de lavagem de dinheiro em segundo plano. “A ideia de todas essas medidas foi dar efetividade e celeridade aos processos complexos que envolvem crimes de lavagem e outros, como corrupção, por exemplo, para que eles sejam processados e julgados de forma conjunta e mais efetiva”, sintetiza.

COM A PALAVRA, A DELEGADA DE POLÍCIA FEDERAL TÂNIA PRADO

“A mudança é positiva, pois tende a imprimir celeridade no andamento dos casos e a reduzir conflitos de competência” Tania Prado, Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo.