Ao longo da pandemia, o trabalho remoto virou tema de debate. No entanto, o chamado home office não foi a realidade para a maioria dos brasileiros. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a modalidade a distância foi adotada por cerca de 10% dos trabalhadores do País – sendo que a concentração foi forte nas regiões mais ricas e urbanizadas, como as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A infraestrutura deficiente dos domicílios em outras regiões, tanto do ponto de vista de equipamentos quanto do acesso à internet, limitou bastante o home office no Norte e no Nordeste, de acordo com a pesquisa.

Mesmo no auge do isolamento social, entre maio e junho de 2020, o número de trabalhadores atuando remotamente no País mal passou de 10% do total de ocupados, algo como 9 milhões de pessoas, segundo dados já divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em novembro do ano passado, último dado disponível, o número caiu para 7,3 milhões de trabalhadores, apenas 8,7% do total da ocupados, já considerando o gigantesco fechamento de vagas por causa da pandemia.

A participação era ainda menor no Nordeste (6,3%) e no Norte (3,7%), mas maior no Sudeste (11,3%), com destaque para Rio e São Paulo. O Distrito Federal, onde 18,9% do total de empregados em novembro de 2020 estavam em home office, foi o campeão nesse quesito. Cerca da metade do pessoal em trabalho remoto em novembro de 2020 estava em São Paulo, Rio e Brasília.

Esses números de trabalhadores em home office estão substancialmente abaixo do potencial. Seguindo metodologia dos americanos Jonathan Dingel e Brent Neiman, da Universidade de Chicago, o estudo do Ibre/FGV estimou que o total de trabalhadores brasileiros empregados em funções que poderiam ser exercidas remotamente, entre formais e informais, era de 24,2 milhões, 25,5% do total de ocupados em 2019 – outros pesquisadores locais, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e da consultoria IDados, chegaram a números semelhantes para o Brasil.

Nos EUA, 37% do total de trabalhadores ocupados antes da pandemia tinham funções passíveis de ser exercidas remotamente, aponta o trabalho de Dingel e Neiman. No Brasil, esse contingente é menor porque a larga maioria das vagas é de empregos de baixa qualificação, que não podem ser executados a distância.

Dingel e Neiman já tinham feito um exercício para diversos países e concluíram que, quanto maior o nível de renda nacional, maiores as “proporções de empregos que podem ser feitos de casa”. Outro estudo, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), também colocou o Brasil no fim de um ranking de 30 países mais aptos ao trabalho remoto.

Apesar do baixo potencial de trabalho remoto, o fato de o número de brasileiros efetivamente em home office ter sido ainda menor chamou a atenção dos pesquisadores do Ibre/FGV. Eles resolveram, então, olhar para a infraestrutura dos domicílios. Cruzando os dados de mercado de trabalho com as informações sobre as condições dos lares, também do IBGE, os pesquisadores concluíram que o número de brasileiros que potencialmente poderiam trabalhar de casa cai para 16,8 milhões (17,8% do total de 2019).

A infraestrutura agrava muito a disparidade regional entre os trabalhadores – o estudo do Ibre/FGV nem levou em conta o espaço físico, contabilizando apenas fatores como eletricidade, internet e computador. No Sudeste, a infraestrutura precária faz o potencial de trabalho remoto cair de 28% do total de empregados para 20,8%; na região Norte, a proporção despenca à metade, de 21,2% para 10,3%. No Pará, cai de 19,5% para 8,7%.

“São casos em que, embora a ocupação, em tese, possa ser feita de casa, muita gente não tinha o mínimo para fazer isso”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, um dos autores do estudo do Ibre/FGV.

CARGOS

A falta de infraestrutura atinge tipicamente empregados em funções de apoio administrativo de menor escalão, como operadores de telemarketing, assistentes e secretários – que, tradicionalmente, recebem os menores salários do que executivos e profissionais liberais.

Nesse perfil se encaixa a operadora de teleatendimento Rachel Damasceno Cruz, de 36 anos. Em um domingo, no fim de março de 2020, quando ela conta ter entrado em pânico no call center no qual trabalhava, em Itabuna, cidade de 200 mil habitantes no sul da Bahia.

Diabética e hipertensa, não se sentia segura no call center, onde as estações de trabalho tornavam impossível qualquer distanciamento. Naquele domingo, foi trabalhar ainda sob o impacto da notícia da morte de um vizinho por covid-19. “Entrei em pânico, comecei a chorar. Não consegui trabalhar”, lembra Rachel.

Seu desespero sensibilizou os chefes, e ela passou ao home office de repente. A empresa ofereceu um computador com monitor, mas, sem uma mesa para manter o equipamento, ela gastou R$ 70 do próprio bolso para comprar uma de plástico num bar vizinho.

Mangabinhas, bairro onde Rachel morava na época, convivia com quedas de energia elétrica. Ela gastou mais R$ 100, também do próprio bolso, para comprar um estabilizador, com medo de danificar o equipamento da empresa. O plano de internet de R$ 50 ao mês não deu conta, e os contatos com o suporte técnico da empresa se tornaram constantes.

Para Mauro Cava de Britto, secretário-geral do Sintetel, sindicato que representa os operadores de teleatendimento em São Paulo, as empresas de call center adotaram menos o trabalho remoto do que gostariam ou poderiam, por conta dessa falta de infraestrutura nas casas dos funcionários. “Tivemos todo tipo de caso: pessoas que moravam em local com dificuldade de instalação de internet, ou em moradias pequenas, onde não cabiam cadeira, mesa e computador”, diz.

Em alguns casos, o home office durou pouco. Suelen Cunha de Andrade, 36 anos, operadora de teleatendimento de Santo André (SP), ficou em casa um mês. Para ela, o problema foi o espaço físico – ela divide a moradia com a filha, os pais e o irmão. Suelen diz que se sentiu segura porque o escritório, num primeiro momento, estava vazio. “Tinha pouquíssimas pessoas”, lembra.

Os sindicatos do setor de teleatendimento negociaram com as empresas ajudas de custo para cobrir gastos com luz e a internet. Em São Paulo, os trabalhadores receberam R$ 90 ao mês. Na Bahia, a ajuda de custo foi de R$ 70 mensais, disse o Sinttel-BA. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.