Vanessa Castanho é uma das executivas mais poderosas do Grupo Stellantis, dono das 14 marcas e duas divisões que compõem a FCA e a PSA. Desde meados de 2021, a paulistana, que ingressou no setor há 25 anos como estagiária da Renault, é a primeira mulher a comandar a Citroën na América do Sul. Além disso, ela é CEO da Eco2Energia, companhia da área de painéis fotovoltaicos na qual é sócia com o marido. Também é consultora da InPact, ONG em João Pessoa (PB) voltada à preservação do meio ambiente, e atua em ao menos mais uma entidade beneficente. No intervalo entre tantas atividades, a vice-presidente da marca francesa falou ao Estadão sobre o desempenho no ano passado e as tendências para 2022.

Em 2021, como foi o desempenho da Citroën no Brasil e na América Latina?

O ano de 2021 foi de revolução em todos os sentidos. A gente teve uma performance muito boa, a melhor desde 2016. Enquanto o mercado cresceu 2%, crescemos 77%. No caso do (SUV) C4 Cactus, as vendas dobraram. No dos utilitários, registramos cerca de 123% de alta nas vendas. Em agosto de 2022, já tínhamos feito todo volume de 2020. Ou seja, isso mostra que a nossa estratégia está certa e que a gente colocou a Citroën nos trilhos para o crescimento. Assim, 2021 foi importante também para a construção do próximo capítulo. Isso inclui novos produtos. É o caso do novo C3 (compacto que será feito em Porto Real, no Rio de Janeiro), que foi apresentado em 2021 e vai ser o primeiro produto da plataforma c-Cubed (nova base para modelos pequenos), que dará origem a três produtos na América do Sul. Eles serão concebidos para a região, com apoio de fornecedores locais e focados no perfil do cliente daqui. Lançamos duas séries limitadas do C4 Cactus, a nova (van) Jumper Cargo e nosso primeiro veículo elétrico, a (van) e-Jumpy. Isso é parte do plano “Citroën 4 All”, que vai até 2024. Temos um direcionamento muito claro sobre para onde a marca quer ir. Isso deu muita confiança para a rede de concessionários. Vamos crescer com um plano robusto e temos uma gama robusta de produtos. Só tem alegria daqui para frente.

Quais são os próximos passos rumo à eletrificação?

No Brasil, a gente tem duas vantagens importantes. Uma é que a nossa geração de energia vem muito de hidrelétricas. É claro que há situações de escassez de água, mas é muito melhor do que a de países que têm de queimar carvão, por exemplo. Também temos o etanol, porque é preciso olhar não só para o consumo de eletricidade, mas para toda a cadeia de produção dessa energia, do início ao fim. O etanol é uma força que vai nos ajudar a mudar do motor a combustão para o elétrico. Estamos muito bem preparados. Temos mais de oito produtos globais eletrificados, além de várias soluções de mobilidade. Por exemplo, o AMI (microcarro elétrico vendido na Europa a partir de € 6 mil) é muito inovador. O Urban Collectif, revelado em 2021, é uma espécie de skate elétrico e autônomo que pode ser customizado. Ou seja, a tendência não é só a energia limpa, mas também oferecer produtos que possam ter a cara do consumidor, focados em atender as necessidades específicas dele. Começamos com os utilitários porque é nesse segmento que as vendas têm crescido mais. O elétrico tem menor custo de manutenção, que é uma das principais preocupações desses clientes. Vamos ficar de olho na infraestrutura, para trazermos mais produtos conforme ela avançar.

A aceleração da digitalização impactou o desempenho das vendas em 2021?

Os planos já estavam traçados, mas a pandemia acelerou isso. Recentemente, vi uma pesquisa que aponta que, com a pandemia, a digitalização avançou dez anos. Em primeiro lugar, tínhamos de pensar no bem estar e na segurança das pessoas. Obviamente, aceleramos tudo o que foi possível em relação a novos canais de contato e soluções para nossos clientes. A aceleração foi forte e mudou também a cabeça do cliente, que passou a fazer, por meio eletrônico, coisas que ele acreditava que não podia fazer. Então, a gente tem de estar pronto para dar respostas de forma rápida e resolver questões com a ajuda de novas ferramentas, como apps. Estamos muito focados nisso. Temos de oferecer uma inovação acessível e que atenda as necessidades dos clientes A gente quer que cada vez mais clientes brasileiros descubram isso.

A Citroën vai continuar sendo posicionada como uma marca premium?

A Citroën é vista como uma marca atrativa e desejada. Essa imagem foi construída por meio da oferta de bons produtos. Não vamos abandonar esse viés aspiracional, mas vamos oferecer um produto (o compacto C3) em um dos principais segmentos do mercado. Para isso, ele tem de ser acessível. Quando a marca é vista como premium, ela pode parecer um pouco distante para o consumidor. E a gente quer estar mais próximo dos nossos clientes. Então, vamos pegar tudo de bom que já foi feito e ajudou a construir essa imagem da Citroën, e fazer da marca algo mais acessível e próximo dos consumidores.

Você já sentiu que estava sendo tratada de forma diferente por ser mulher?

Aconteceu, claro. E a gente tem de falar bastante sobre isso para, justamente, não precisar falar mais no futuro. Muitas vezes, as pessoas não percebem que estão sendo machistas. E, aqui para nós, é um segredo (risos), mas muitas vezes eu percebi que estava sendo machista. Há uma grande diferença entre ser e estar. Enquanto eu estiver na posição de liderança, terei uma responsabilidade enorme de tentar mudar esse cenário. Ou seja, de ajudar a diminuir as diferenças. Formei um time muito diverso. A diversidade ampla, que inclui gênero, raça, orientação sexual e nacionalidade, é muito positiva. Na Citroën América do Sul, 50% do time é formado por mulheres, há diferentes idades e nacionalidades. Uma cultura diversa faz a gente tomar decisões melhores. E isso impacta o resultado da empresa. Fui escolhida para ser cônsul da Stellantis em relação a questões de afinidade de gênero, e também sou uma das coaches mundiais do grupo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.