O pré-candidato do Podemos à Presidência, Sérgio Moro, pretende retomar pontos do pacote anticrime rejeitados no Congresso na proposta de reforma do sistema Judiciário que vem sendo elaborada para integrar seu futuro plano de governo. Na esfera civil, uma sugestão em discussão é a que prevê o enxugamento do sistema processual para que o orçamento excedente seja direcionado a outras áreas.

Entre as ideias debatidas, estão o reforço de orientações à Advocacia-Geral da União para evitar recursos excessivos em processos, a criação de uma arbitragem para costurar acordos com devedores de impostos e até mesmo a restrição da Justiça gratuita, sob o argumento de que infla os gastos processuais e não atinge, na maior parte dos casos, os mais necessitados (mais informações nesta página). Os debates sobre a reforma no sistema de Justiça reúnem Moro e três grupos principais de juristas de sua confiança. Estes consultores têm se encontrado frequentemente com o ex-juiz.

No âmbito penal, os trabalhos são coordenados pelo professor de Direito Constitucional e integrante da Academia Brasileira de Letras Joaquim Falcão. Conforme apurou o Estadão, Moro tem defendido retomar propostas que não conseguiu emplacar quando comandou o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro (PL).

Os planos incluem ainda a volta da autorização de execução de pena após condenação em segunda instância. A tese era aceita pelo Supremo Tribunal Federal até novembro de 2019, quando, por um placar de 6 a 5, os ministros retomaram o entendimento de que prisões para execução penal só poderiam ocorrer após o trânsito julgado em todas as esferas de apelação. O entendimento anterior havia sido determinante para que a Lava Jato levasse à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá (SP) e outros políticos como o ex-ministro petista José Dirceu.

Moro também tem recorrido a seus conselheiros para debater propostas como o plea bargain, uma espécie de acordo previsto no sistema penal dos Estados Unidos que prevê a confissão de crimes em troca de redução de pena. No Brasil existe hoje a possibilidade do acordo de não persecução penal, previsto para crimes de menor potencial ofensivo, em que o investigado confessa o crime, mas não há o oferecimento da acusação formal.

‘Informante do bem’

O grupo de juristas também debate a criação da figura do whistleblower, ou “informante do bem”, cujo objetivo é proteger denunciantes de atos de retaliação. Há diversos casos no Brasil em que agentes públicos são acusados, por exemplo, de violação de sigilo funcional após denunciarem esquemas de corrupção. Um deles ocorreu em São Paulo – a Procuradoria-Geral do Estado processou um fiscal que denunciou a máfia do ICMS ao Ministério Público. O caso foi julgado improcedente em todas as instâncias.

Em sua reforma do Judiciário, o pré-candidato do Podemos tem defendido a criação de um tribunal anticorrupção nos moldes da Corte criada na Ucrânia para combater crimes de colarinho-branco. Os detalhes desta proposta ainda não foram divulgados.

Institutos como o plea bargain e a execução da pena em segunda instância foram rejeitados em 2019, quando o Congresso desidratou o pacote anticrime enviado pelo então ministro da Justiça e aprovou, em seu lugar, medidas criticadas por Moro, como a criação do juiz de garantias.

As propostas são vistas com restrições por especialistas em segurança pública. Mestre em Direito Constitucional e ex-diretora da Secretaria Nacional de Justiça, Isabel Figueiredo afirmou que há risco de a aplicação do plea bargain repetir, no Brasil, problemas que ocorrem nos Estados Unidos, como a confissão de crimes não cometidos. “Para pegar uma pena menor, as pessoas, mesmo não sendo culpadas, preferem se declarar culpadas a ir para o mérito.”

Em relação à prisão após condenação em segunda instância, o defensor público da União Gustavo Ribeiro observou que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda promovem correções significativas em condenações impostas pelos tribunais.

Custos

Moro debate com sua equipe mudanças na área civil, com o fim de reduzir gastos com o sistema processual. O dinheiro, então, poderia ser revertido a outras áreas e políticas de cunho social. Um dos integrantes da equipe é o doutor em Direito e ex-secretário nacional de Defesa do Consumidor Luciano Timm. “A estrutura judiciária hoje custa R$ 100 bilhões porque custa muito processo. Gastamos cem vezes mais em disputas do que em saneamento básico do Orçamento da União”, afirmou.

Questionado se o enxugamento passa pelo fim de privilégios e “supersalários” da magistratura, Timm disse que o tema não está em discussão. “Não adianta polemizar com categorias profissionais porque, assim, o País não avança.”

Plano prevê restrições no acesso à Justiça gratuita

Autor de estudos sobre o tema, Luciano Timm propõe que o Judiciário imponha restrições no acesso à Justiça gratuita. Segundo ele, a maior parte dos litígios com o uso da Justiça tem como parte pessoas de classe média e classe média alta. Estas, disse, teriam acesso majoritariamente à Justiça gratuita.

O custo desses processos poderia ser direcionado, na avaliação de Timm, à ampliação do acesso à Justiça nas periferias. “Os mais vulneráveis não acionam o sistema público de distribuição de Justiça. A necessidade dessas pessoas menos favorecidas está associada a algumas coisas fundamentais como registro civil, família. Tem muitas disputas de família nas comunidades menos favorecidas, filhos, pequenos ilícitos… Existem iniciativas como o juizado itinerante, e temos que começar a ter mais interação de práticas. Hoje, falta recurso para fazer isso, também por estar gastando ineficientemente.”

“E quem paga essa conta é o contribuinte. Temos hoje, do ponto de vista orçamentário, um custo com o Poder Judiciário de R$ 100 bilhões”, disse Timm.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.