O número de adolescentes internados e atendidos nas unidades da Fundação Casa em São Paulo caiu pela metade entre 2013 e o ano passado. A quantidade de jovens infratores saiu de 8,7 mil há oito anos, com pico de 10,5 mil 2014, para cerca de 4,5 mil no fim do ano passado. A tendência tem feito com que o governo paulista feche parte das unidades. Cinco tiveram as atividades encerradas na semana passada, elevando para 30 o número de centros desativados.

A fundação atribui a queda a quatro fatores: melhora geral dos indicadores de criminalidade no Estado; adoção de medidas alternativas pelo Judiciário; envelhecimento da população; e atividades para reduzir a reincidência, como capacitar jovens para o mercado de trabalho. Especialistas destacam ainda a pandemia, com isolamento social e menor circulação nas ruas. Além disso, ponderam que é difícil prever se o cenário de diminuição acentuada se manterá após a covid-19 e temem que as unidades fechadas façam falta no futuro.

A internação é a pena máxima que pode ser aplicada a adolescentes condenados por atos análogos a crimes graves – vai até três anos. O perfil dos jovens da fundação mostra que a maioria (48,37%) está lá por tráfico de drogas, seguido de roubo qualificado (34,32%).

“Antigamente, a gente tinha a Febem com unidades com grande quantidade de jovens, com rebeliões e agressões”, disse ao Estadão o presidente da Fundação Casa e secretário da Justiça do Estado, Fernando José da Costa. “Isso foi completamente alterado na Fundação Casa. Deixamos de ter grandes centros para termos pequenos centros.”

As últimas cinco unidades fechadas foram uma de São Vicente, que tinha 41,7% de ocupação; outra em Iaras, com 54,7%; uma unidade de semiliberdade Ibituruna, com 22,7%; além da Casa de Semiliberdade de Franca, com 35%, e outra do mesmo tipo em São Mateus, zona leste paulistana, com 25%. A rede da Fundação Casa conta com 7.582 vagas, em 47 cidades paulistas. A taxa de ocupação atual é de 60%.

Segundo Ariel de Castro Alves, advogado e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, por trás da queda há uma mudança no fluxo da atuação policial por causa da pandemia e um novo entendimento do Judiciário, que “tem internado menos e aplicados mais medidas alternativas, como a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade”.

RECOMENDAÇÕES

Em 2020, decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin estabeleceu limites para medidas judiciais socioeducativas contra adolescentes para impedir eventual superpopulação nos centros de recuperação. Se não houver espaço adequado, conforme a decisão, os adolescentes devem ter “internação domiciliar”. Também naquele ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou a revisão emergencial de processos de pessoas privadas de liberdade, diante do risco de transmissão da covid-19 em presídios e unidades de internação.

Conforme Walter Godoy, juiz auxiliar da presidência do CNJ, as norma nacionais e internacionais observadas pelo Brasil consideram a privação de liberdade de adolescentes medida excepcional, que deve ser pelo menor tempo possível. “Além disso, com uma ocupação mais racional das unidades de internação, Judiciário e Executivo podem ter uma atuação mais qualificada no acompanhamento desses adolescentes e investir em métodos alternativos de responsabilização que se fizerem necessários”, aponta. Segundo ele, o decréscimo de jovens internados é visto em outros Estados – os cadastros nacionais não permitem fazer séries históricas.

“São vários os fatores que provocam essa redução da internação”, afirma Mariana Chies-Santos, professora de Direito do Insper e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, a curva de alta de internações, que vinha desde 1990, mudou a partir de 2016. “Não sabemos ainda explicar porque isso demanda pesquisa em profundidade em todas as áreas do fluxo do sistema de Justiça, da apreensão ao julgamento final e adoção das medidas.”

ENXUGAMENTO

O secretário Costa diz que a ideia do governo é manter a redução de custos para investir em outras áreas do sistema. “A pedido do governador João Doria, reduzimos as diretorias regionais de 11 para 8, encerramos parcerias com ONGs e reduzimos também o número de servidores, com programas de demissão incentivadas. Tínhamos 11,5 mil servidores para 10,5 mil jovens internados. Hoje não precisamos mais desse volume. Já baixamos em mil servidores e temos um novo programa de demissões incentivadas para mais mil, para chegar a 9,5 mil funcionários.”

Segundo a fundação, todos os adolescentes atendidos nos locais desativados foram transferidos para outros centros socioeducativos mais próximos de sua casa. A instituição diz que não haverá prejuízo aos servidores e afirma que a maior parte foi realocada em centros preferencialmente próximos às suas residências, de acordo com processo de escolha, possibilitando a todos a manifestação de seu interesse.

Ariel de Castro Alves lembra que a lei prevê que o adolescente deve ficar internado perto de onde vive a família. Para ele, a transferência de unidades pode dificultar a ressocialização. “Tememos que a diminuição seja temporária, em razão da pandemia, mas que, depois, a fundação precise reabrir as unidades”, diz. “Se ela se desfizer dos imóveis, terá dificuldade de reabertura e podemos ter a volta da superlotação de algumas unidades.”

Uma das novas ações no setor é o programa Minha Oportunidade, da ONG Rede Cidadã, com foco em preparar internos para o mercado de trabalho. “Temos cerca de 800 adolescentes sendo capacitados, em 90 turmas”, detalha Fernando Alves, fundador e diretor executivo da Rede Cidadã, que começou a atuar na Fundação Casa no último dia 24.

O programa envolve 244 profissionais treinados pela Rede Cidadã, entre analistas de desenvolvimento humano, psicólogos, assistentes sociais, para aplicar a metodologia socioemocional criada pela Rede. Até agora, 142 profissionais atuam diretamente na capacitação e 41, no acompanhamento.

O programa adotado em São Paulo já atende adolescentes de Minas há quatro anos, e foi usado no Ceará, de acordo com o dirigente da Rede Cidadã. Segundo o secretário de Justiça, a Rede Cidadã foi escolhida para o trabalho entre seis propostas. A ONG vai operar por 22 meses. O investimento do Estado é de cerca de R$ 25 milhões para a organização estudar quais empresas podem atender os egressos em parceria com a fundação.

A psicóloga Elaine Straub da Rocha, que trabalha com adolescentes em Sorocaba, encaminhou denúncia ao Ministério Público em que alega tentativa de “terceirização” das atividades da fundação, o que o órgão estadual nega. O documento afirma que os servidores sofrem com os impactos de transferências de locais de trabalho. Elaine critica ainda o custo-benefício dos convênios contratados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.