O último discurso do ministro Luís Roberto Barroso no comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi marcado, mais uma vez, por recados duros ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que nos últimos dias voltou a subir o tom e dirigir ataques contra o Poder Judiciário.

Ao conduzir a última sessão como presidente da Corte, Barroso disse que não é supresa que ‘dirigentes brasileiros não sejam hoje bem-vindos em nenhum país democrático e desenvolvido do mundo’.

“Como já disse anteriormente, a marca Brasil vive um momento de deprimente desvalorização mundial. Passamos de um país querido e admirado internacionalmente a um país olhado com desconfiança e desprezo”, afirmou.

As críticas foram feitas durante a apresentação do balanço do biênio em que presidiu o TSE, sob forte ataque da militância bolsonarista. Barroso afirmou que, apesar das investidas, o tribunal tentou fazer a sua parte ‘na resistência aos ataques à democracia’.

O ministro também classificou a possibilidade de Bolsonaro não reconhecer uma eventual derrota nas urnas como uma ‘repetição mambembe do que fez Donald Trump nos Estados Unidos’.

“Uma das estratégias das vocações autoritárias em diferentes partes do mundo é procurar desacreditar o processo eleitoral, fazendo acusações falsas e propagando o discurso de que “se eu não ganhar houve fraude”, afirmou.

Barroso relembrou as medidas adotadas pelo TSE para fazer frente aos ataques do presidente e de seus apoiadores. O plenário da Corte aprovou duas notícias-crime contra Bolsonaro: pela transmissão ao vivo contra o sistema eletrônico de votação e, em outra oportunidade, por vazar informações de um inquérito sigiloso da Polícia Federal (PF) sobre uma tentativa de ataque hacker aos sistemas da Corte Eleitoral. Também determinou a desmonetização de canais bolsonaristas que divulgam notícias falsas.

“Num mundo que assiste preocupado à ascensão do populismo extremista e autoritário, rescendendo a fascismo, a preservação da democracia e o respeito às instituições passaram a ser ativos valiosos, indispensáveis para quem queira ser um ator global relevante”, disse.

Sem citar nomes, o ministro criticou aqueles que insistem na defesa do voto impresso, mesmo após o Congresso rejeitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratou do tema. O discurso é popular entre a militância bolsonarista e ganha fôlego com os ataques do presidente ao sistema eleitoral. Para Barroso, a ‘rediscussão requentada do assunto só tem por finalidade tumultuar o processo eleitoral’.

“Sempre relembrando que, nos Estados Unidos existe voto impresso e o candidato derrotado não apenas jamais reconheceu a derrota como até hoje sustenta a tese de que houve fraude e a eleição foi roubada. A moral da história, como já disse anteriormente, é que não há remédio na farmacologia jurídica contra maus perdedores”, afirmou.

Sob a gestão do ministro, o TSE trabalhou para ampliar a transparência no processo eleitoral e para aproximar a sociedade civil da preparação do pleito. Em outubro, por exemplo, a Corte antecipou a abertura dos códigos-fonte das urnas eletrônicas para inspeção pública. Outra iniciativa foi a criação de uma comissão e de um observatório de transparência eleitoral. Há ainda um programa de combate à desinformação.

“Nos últimos tempos, a democracia e as instituições brasileiras passaram por ameaças das quais acreditávamos já haver nos livrado”, comentou ao listar episódios recentes em que o presidente Jair Bolsonaro ensaiou investidas autoritárias.

Barroso lembrou o discurso feito a apoiadores em Brasília, nas comemorações pelo Dia do Exército em abril de 2020, em que Bolsonaro subiu em um carro de som diante de faixas que pediam a volta da ditadura militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Também mencionou o desfile de tanques de guerra na Praça dos Três Poderes, em Brasília, as manifestações no feriado do 7 de Setembro do ano passado e as ameaças de pedidos de impeachment contra membros do STF.

“Vivemos um momento triste em que se misturam o ódio, a mentira, as teorias conspiratórias, o anti- cientificismo, as limitações cognitivas e a baixa civilidade”, lamentou o ministro em sua despedida do comando do TSE.