03/03/2022 - 15:35
As águas do Rio Tietê assumiram cor esverdeada em vários pontos, nos últimos dias, na região de Barra Bonita, no interior de São Paulo. Tapetes verdes formados por plantas aquáticas também cobriram grande extensão do rio. O visual despertou a curiosidade dos turistas, mas o mau cheiro do rio espanta os visitantes e prejudica a pesca. Ambientalistas afirmam que o fenômeno é causado pela poluição de esgotos e por fertilizantes de lavouras levados para o rio pelas últimas chuvas.
De acordo com o presidente da ONG Mãe Natureza, Hélio Palmezan, as algas se proliferam por causa da abundância de matéria orgânica e de nutrientes na água, aliada à luz solar mais intensa nos últimos dias. “As chuvas recentes deslocaram rio abaixo a poluição que nos períodos de estiagem permanece retida na Região Metropolitana de São Paulo. Também trouxeram os fertilizantes usados nas lavouras ao longo do rio, favorecendo a proliferação das cianofíceas, também conhecidas como algas azuis. Essas algas logo apodrecem e reduzem o oxigênio da água, podendo causar a mortandade de peixes”, explicou.
Já os aguapés, que na quantia certa ajudam a despoluir os rios, quando proliferam demais passam a ser indicativos de poluição, segundo ele. “Em grande quantidade, impedem a passagem da luz, diminuem o oxigênio e prejudicam a vida aquática.” Conforme o ambientalista, o problema foi observado na semana passada e se acentuou no fim de semana do carnaval, com sol e o calor. Na terça-feira, 1º, ele registrou em fotos a cor verde da água na prainha de Barra Bonita e grande quantidade de aguapés em vários pontos do rio.
O fenômeno prejudica o turismo em Barra Bonita, uma das principais estâncias turísticas do interior. A jornalista Thais Moraes fez passeio de barco com a família pelo rio no domingo, 2, e registrou a eclusa da barragem de Barra Bonita totalmente tomada pelo aguapé. “A quantidade assustava, não dava para ver o rio. Como cidadã barra-bonitense, sei que as algas são um presságio para a morte do rio. Cada ano que passa, infelizmente, o vemos menos saudável. Nessa temporada de chuvas, o rio sofre muito por receber as águas poluídas que vêm de São Paulo”, conta.
O cheiro do rio também a incomodou. “Quando não temos essas algas, o rio não cheira. Nesse domingo em que passeei com a família, o cheiro era forte e insuportável, ao menos para nós que não estamos acostumados”, disse. A jornalista lamenta a situação. “Nosso povo sofre. O Tietê, para nós, é sobrevivência. Temos muitos pescadores. E muitos empregos dependem do turismo no rio”, disse.
A presença de algas e aguapés no Tietê, mais evidente na área urbana de Barra Bonita, atinge cerca de 300 quilômetros do rio. Depois que passa pela capital, o Tietê banha outros 62 municípios ao longo de 600 km, até desaguar no Rio Paraná. Houve registros de trechos com algas também no município de Bariri. Moradores de Sabino, a 470 km de São Paulo, relataram que a água da prainha da cidade estava esverdeada no fim de semana. Grandes “ilhas” de aguapé também foram registradas ainda mais adiante, próximo à barragem da hidrelétrica de Promissão.
Em Anhembi, mais próxima da capital, o lago formado pela barragem está parcialmente tomado pelas plantas aquáticas. Ao menos 90 famílias vivem da pesca e estão sendo prejudicadas, segundo a prefeitura. O turismo que movimenta a cidade nos fins de semana também foi afetado. “É tanto aguapé que não dá para ver a água; o turista só vê mato. Isso quando os barcos conseguem navegar, pois tem lugar que nem dá para passar”, afirma a empresária Janete Aparecida Lotério, do Anhembi Camping. “De três dias para cá aumentou muito, acredito que foi devido às chuvas e ao sol que tem feito. O rio acaba ficando muito feio”, acrescentou.
Palmezan lembrou que o problema acontece exatamente quando a pesca voltou a ser liberada, após a piracema, que se encerrou no último dia 28. Desde novembro de 2021, a atividade pesqueira estava suspensa para permitir o ciclo natural de reprodução dos peixes. “Nessas condições, fica difícil armar redes e lançar apetrechos de pesca”, disse.
Para a ambientalista Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, a grande quantidade de algas e aguapés se deve à concentração de nutrientes provenientes de atividades agrícolas, que são carreados pelas chuvas, e também aos remanescentes de esgotos domésticos tratados e não tratados que são lançados no rio, desde sua cabeceira, no Alto Tietê, até a região de Barra Bonita. “Esses nutrientes vindos de fertilizantes, defensivos agrícolas e saponáceos, são alimentos para as plantas aquáticas. Com as altas temperaturas do ambiente e da água, é como uma bomba em rios represados. A água fica sem movimento, quente e pode eutrofizar, ou seja, perder oxigênio.”
Ela citou um exemplo de ação que a SOS Mata Atlântica vem realizando no Baixo Tietê que ajuda a minimizar esse impacto. Em parceria com a AES Tietê, que detém grandes áreas de preservação permanente ao longo do rio e de seus braços, a fundação está restaurando com espécies nativas da Mata Atlântica uma área de 2,2 milhões de metros quadrados nas bordas da hidrelétrica de Promissão. No total, serão plantadas 535 mil mudas – 60% já tiveram o plantio efetuado. “Trabalho semelhante a esse precisa ser realizado na região de Barra Bonita”, disse.
A Companhia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), vinculada à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado, informou que análises da qualidade da água coletada no reservatório de Barra Bonita nos últimos cinco anos têm revelado a presença de fósforo em níveis que favorecem o crescimento de fitoplâncton (algas), o que culmina na cor esverdeada em razão da clorofila. Pode também ocorrer o crescimento de plantas aquáticas, a exemplo dos aguapés, na superfície da água de reservatórios como o de Barra Bonita e Promissão, informou.
Conforme a companhia, os dados históricos indicam que o fenômeno de enriquecimento das águas dos reservatórios do Médio e Baixo Tietê pelo fósforo pode ter duas fontes de origem: a carga orgânica remanescente gerada a partir dos municípios mais populosos com carências nos sistemas de coleta e tratamento de esgotos, localizados nas bacias do Médio e Alto Tietê, a exemplo das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos 6 (Alto Tietê), 10 (Sorocaba/Médio Tietê) e 5 (Piracicaba/Capivari/Jundiaí), e a carga difusa gerada em bacias onde predomina o uso agrícola do solo.
As lavouras recebem fertilizantes e adubos fosfatados, os quais, quando aplicados em períodos coincidentes com os meses mais chuvosos, facilitam o transporte do fósforo, a partir do escoamento superficial, para os afluentes que compõem a rede de drenagem do rio Tietê.
Para reduzir o impacto da carga orgânica remanescente, a Cetesb vem exigindo das empresas e concessionárias de saneamento dos municípios localizados nas bacias do Alto e Médio Tietê melhorias nos índices de coleta e tratamento de esgotos, assim como aumento na eficiência das estações de tratamento já em operação. “Em relação à carga difusa, deve haver estímulo dos municípios para que os proprietários de áreas agrícolas adotem melhores práticas de manejo e conservação do solo, assim como protejam as matas ciliares do entorno das áreas agrícolas”, conclui a nota.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informou, em nota, que vem atuando na implantação e ampliação da infraestrutura de coleta e tratamento de esgotos nos municípios onde opera na Região Metropolitana de São Paulo, por intermédio do Projeto Tietê, desde 1992, com o objetivo de contribuir no processo de despoluição do Rio Tietê. Conforme a companhia, desde o início do projeto, o aumento nos índices de coleta e tratamento beneficiou diretamente uma população de cerca de 12,4 milhões de pessoas – contingente maior do que as populações de Londres e Paris somadas.
A cobertura com rede de coleta de esgoto que atendia 70% da população urbanizada da Região Metropolitana de São Paulo em 1992 passou para 92%, enquanto o tratamento de esgotos foi ampliado de 24% para 83% do volume coletado. No período, foram executadas 1,8 milhão de ligações de esgoto e instalados cerca de 4,8 mil km de interceptores, coletores-tronco e redes coletoras para coletar e transportar o esgoto até as estações de tratamento, que tiveram a capacidade triplicada com a construções da ETEs ABC, Parque Novo Mundo e São Miguel, e ampliação de Barueri, maior estação da América do Sul. Hoje, a vazão de esgoto tratada nas estações metropolitanas é mais de cinco vezes superior à da época do início do projeto.
Conforme a Sabesp, a SOS Mata Atlântica constatou considerável redução da mancha de poluição no Rio Tietê no último ano, tendo reduzido de 150 km em 2020 para 85 km em 2021. No início dos anos 90, ela se estendia por mais de 500 km. A Sabesp informou que, em Anhembi, onde opera, o saneamento é universalizado, com 100% de tratamento de água, coleta e tratamento de esgoto para os 4 mil habitantes. A Sabesp informou ainda ter implantado um sistema de tratamento de esgoto no Distrito de Pirambóia, beneficiando 1,2 mil moradores, contribuindo para a despoluição de afluentes do Tietê. “A limpeza de rios não depende só do saneamento. O descarte adequado do lixo por toda a sociedade e a coleta regular do lixo pelas prefeituras são fatores fundamentais para a melhora gradativa das águas, assim como o controle do uso e ocupação do solo, principalmente nas várzeas dos rios e córregos”, disse.
A reportagem entrou em contato com a AES Energia, empresa que opera a hidrelétrica de Barra Bonita, mas não houve retorno.