25/06/2019 - 12:43
Do interior de Mato Grosso e da Bahia, passando por Goiás e chegando aos campos gaúchos, vem surgindo uma nova geração de profissionais com mais estudo e maior preparo para o trabalho no agronegócio. O caminho da qualificação, que antes dependia da presença em sala de aula, hoje pode ser trilhado em casa ou na própria fazenda, nas brechas que a lida permite. Os cursos de ensino à distância, os chamados EAD, seduzem empreendedores rurais, agtechs que apostam em tecnologias de inovação e instituições especializadas em educação. Tanto é que a oferta dessa modalidade de ensino tem se multiplicado e se sofisticado. Hoje, já é possível escolher de uma simples capacitação à pós-graduação ou MBA (Master of Business Administration). “Para ser viável, a agricultura é uma atividade que procura, cada vez mais, por excelência”, diz Luiz Tangari, CEO da Strider, agtech criada em 2013 e que propõe soluções de gestão para o agronegócio. Com uma carteira de 3 mil fazendas, a agtech criou, no início deste ano, a Strider Academy, sua primeira plataforma de educação com conteúdo no formato online. “As decisões baseadas em dados exigem mão de obra qualificada. Esse é um caminho irreversível”, diz Tangari.
O modelo de ensino à distância não é novo no Brasil. Remonta à década de 1940, com o Instituto Universal Brasileiro e suas apostilas de conteúdo via correio. Depois, a partir da década e 1960, foi a vez dos cursos em TVs, principalmente nos canais educativos. Na última década, com as plataformas on-line de comunicação e uma melhor conectividade no campo, eles estão ganhando uma dimensão mais robusta. Hoje, há 1,6 mil cursos de EAD formalizados pelo Ministério da Educação, de inúmeras disciplinas, nos quais estão matriculados 1,5 milhão de alunos – metade do público dos cursos universitários presenciais. Há uma década, eles não passavam de 930 mil alunos, em cerca de 900 cursos de EAD. Não por acaso, o modelo híbrido de ensino tem crescido, quebrando barreiras entre a educação presencial e à distância. De acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Ensino (Abed), realizado no ano passado, para cada novo curso à distância disponível lançado no mercado nos dois anos anteriores, surgiam outros quatro semipresenciais. É nesse caldo de inovação que os cursos destinados ao setor do agronegócio têm aumentado em todos os níveis de conteúdo
DE OLHO NAS METAS Para José Américo da Silva, CEO do Instituto de Educação no Agronegócio (I-Uma), os cursos à distância podem ajudar a acelerar os processos de gestão nas propriedades rurais. O I-Uma, que atua há quase três décadas em capacitação rural, com cerca de mil alunos, está entre as instituições privadas pioneiras nesse setor. “A gestão no campo é uma das ferramentas de que o Brasil precisa para atingir suas metas”, diz Américo. “Com a disseminação do conhecimento, o EAD pode contribuir muito para aumentar a renda no campo.” Ele dá como exemplo o curso de pós-graduação em Direito Agrário e Ambiental, criado em 2012 e que está formando a sétima turma de alunos. Hoje, o conteúdo da especialização presencial está sendo preparado para EAD. No caso do AgroEduc, um curso de gestão de capacitação de jovens por EAD, que até agora era acessível apenas por computador, está indo para tablets e smartphones, visando maior flexibilidade de acesso. Essa readequação vai ao encontro do que mostra a 7ª Pesquisa Hábitos de Mídia do Produtor Rural, elaborada pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio: em quatro anos, o uso de smartphone por produtores rurais saltou de 17% para 61%. No País, há cerca de 4 milhões de produtores rurais e 18 milhões de trabalhadores no setor.
No campo, a SLC Agrícola, com 18 fazendas nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Goiás, Piauí e Maranhão, é um exemplo de demanda por EAD. A empresa, que sempre apostou em treinamento de sua equipe de 3,5 mil funcionários, quer intensificar esse trabalho por meio da plataforma online. “Não adianta ter máquina e tecnologia de ponta, um trator de R$ 1 milhão, se o seu operador não foi treinado para isso”, afirma Déa Machado, gerente de RH da SLC. “Se o funcionário não está motivado e engajado, a produção não vai aumentar.” Para ela, o maior benefício da educação está na menor rotatividade de mão de obra, fundamental na gestão estratégica do grupo. A empresa, criada em 1977, tem como um dos principais focos da atual gestão a digitalização total de processos propostos pela agricultura 4.0. Os cursos e treinamentos da equipe baixaram a rotatividade da mão de obra para 15% no ano passado, ante os assombrosos 40% de cinco anos atrás. A melhoria está diretamente relacionada aos resultados financeiros. Em 2018, a receita líquida da SLC foi de R$ 2,1 bilhões, 13% acima de 2017, resultado de 404 mil hectares de cultivo de algodão, soja e milho. O lucro bruto também cresceu, chegando a R$ 406,5 milhões, um aumento de 10% no período.
ENCURTANDO DISTÂNCIAS José Luiz Tejon Megido, professor no Brasil e coordenador acadêmico em Nantes, na França, de um programa de agronegócio na Audencia Business School, afirma que quanto mais bem-feitos forem os cursos de EAD, mais potencial eles terão para se consolidar. “Não é fácil montar estruturas interativas, criativas, reunindo conceitos de educação com entretenimento, como se a aula fosse o roteiro de um filme”, afirma Tejon. “Nessa área, há muitas empresas apostando na demanda por conhecimento.” Entre elas, ele destaca algumas multinacionais, como Bayer, MSD e Ihara, e outras brasileiras, como a Jacto. No caso da SLC, Edson Rodrigo Vendruscolo, diretor de Operações Agrícolas, diz que os cursos de EAD podem resolver outro dilema, além do conteúdo, que é a distância entre as fazendas e as instituições de ponta no ensino. “Se queremos nos capacitar, precisamos percorrer distâncias de até 500 quilômetros ou mais para realizar uma pós-graduação ou uma especialização”, afirma. “Quando poderíamos pensar em fazer um curso com professores da Dom Cabral, por exemplo, morando no interior de Mato Grosso?”.
Ele se refere à Fundação Dom Cabral, uma das maiores instituições de educação executiva do País, onde a Strider foi buscar professores para customizar o conteúdo online de sua plataforma EAD. Marcus Lindgren, 51 anos, especialista em Gestão de Negócios e Liderança Executiva, pela universidade Harvard, nos Estados Unidos, é professor da Dom Cabral há 15 anos e fez parte da equipe que montou o programa de ensino à distância da Strider. A formação visa desenvolver três capacidades: gestão da performance, da mudança e de pessoas. Há conteúdos, por exemplo, inspirados nas teorias de grandes nomes da gestão estratégica mundial, entre eles os americanos Michael Porter, Robert Kaplan e David Norton, todos ligados à Harvard Business School. “Antes, o poder estava concentrando na propriedade rural. Hoje, os donos de terras estão deixando de ser fazendeiros para serem homens de negócio”, observa Lindgren, que também é consultor e sócio da rede inglesa de auditoria Moore Stephens, no Brasil. “Isso significa desenvolvimento de produto, marketing, cadeia logística, gestão de pessoas e de tecnologias.”
A maior sofisticação no conteúdo está relacionada ao público atingido pelos novos cursos de EAD. A primeira onda de evolução do agronegócio começou com a substituição da mão de obra sem qualificação formal pelo maquinário automatizado, irrigação, tecnologia de sementes e de adubação. A segunda onda, agora, está sendo exatamente na automatização e na profissionalização dos processos de gestão, atraindo para os cursos gerentes, diretores e gestores. “Com o advento da tecnologia na primeira onda, as empresas começaram a gerar muitos dados”, afirma Lindgren. “A segunda onda vem no sentido de não mais fazer a administração pela intuição, mas pela análise estatística desses dados.”
Tangari, CEO da Strider, afirma que a demanda pelo EAD veio justamente desse público obrigado a tomar decisões. O software da empresa ajuda a monitorar 4 milhões de hectares de culturas. “A gestão é limitadora para a entrega de performance”, destaca o executivo. “Hoje, o agronegócio é uma indústria mais sofisticada do que muitas fábricas urbanas.”